Sartre uma vez disse: “O inferno são os outros.” Há uma grande discussão filosófica sobre o que ele quis dizer com isso. Se tinha razão ou não, difícil dizer. Mas talvez falte a gente pensar um pouquinho mais nessa frase antes de sair comemorando a internet.
Gente inteligente, como outro pensador francês, Pierre Lévy, e o consultor italiano Domenico de Masi, aposta muitas fichas na internet como meio de proporcionar mais harmonia entre as pessoas. A lógica é muito boa: agora não estamos mais nas mãos dos mafiosos da mídia. Nós mesmos podemos ir atrás da informação. Logo, vamos dialogar mais uns com os outros, os povos vão entender melhor suas diferenças e, assim, vamos nos comunicar em vez de fazer guerra.
Tudo muito bom. Só nos esquecemos de que essa questão trata de seres humanos. Por isso, não prevíamos que iríamos “exercitar” nossa liberdade em discussões odiosas em timelines de redes sociais.
Faça um experimento no Facebook. Diga que você apoia um partido de direita. Prepare-se para receber a patrulha de plantão, que arrota conhecimento de sociologia e história, explicando – não com tanta delicadeza – por que você deve abandonar o conservadorismo político.
Daria até para considerar se essa raiva não é exclusividade dos esquerdistas. Mas não é. Para comprovar, tente o experimento oposto. Diga que você apoia um partido de esquerda. Pronto. Você instaurou uma pequena guerra na sua timeline. Vão aparecer os cães de guarda da moral e dizer: Como você apoia esses corruptos, gente que dá dinheiro para os pobres vagabundos, que não querem trabalhar? Claro, os termos serão bem mais chulos do que esses.
Mas política é um assunto nobre. Você se sente culto quando se envolve com ele. Então, por mais agressivas que sejam nossas discussões, ainda há lá no fundo a crença de que estamos fazendo um bem à nação (E nesse caldo sempre achamos que os instruídos somos nós, nunca os outros. Afinal, o inferno são os outros...).
Agora faça um experimento mais radical. Entre numa discussão em que todas as pessoas envolvidas têm a plena consciência de que o assunto é completamente inútil. Vá ao G1 e leia uma matéria de um grande time brasileiro de futebol, desses que têm rivais na própria cidade. Role a página até a parte dos comentários, e ali você verá uma prova contundente contra a evolução humana.
Ninguém discute o assunto da matéria. O ponto ali é unicamente hostilizar o rival. Os argumentos são geniais. Vão desde associar uma equipe e sua torcida à homossexualidade até xingamentos racistas ostensivos. Ninguém ali acredita de verdade no que está dizendo (Ou será que sou tão ingênuo assim?). Mas isso não importa. O importante é falar e, com a própria voz, abafar a voz do outro, a opinião do outro, humilhá-lo, vencê-lo.
Acontece que atrás de uma tela todo mundo fica macho. Respondemos rápido, escrevemos de forma inconsequente, damos lição de moral nos outros, posamos como pequenos reizinhos do nosso território. Quase três séculos de era da razão não foram capazes de apagar aquela que parece ser nossa verdadeira realidade, a vontade bárbara de acabar com o outro.
O interessante é que a “macheza” fica só atrás da tela. Coloque os astros da contenda frente a frente e você vai ver que o piado é bem mais baixinho. Há quem diga que a internet é um meio de você ser o que não é. Não seria o contrário? Talvez a internet mostre quem somos quando tiramos as máscaras. O problema é que ela também nos dá uma arena ideal para pôr em prática, ainda que “somente” com o uso de palavras e protegidos por uma tela de cristal, o nosso ódio infernal pelos outros e por aquilo que é diferente.
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