quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Justificativas injustificáveis em ‘La Casa de Papel’

Dona de uma direção de fotografia belíssima e de uma trama envolvente, inteligente e emocionante, a aclamada série espanhola ‘La Casa de Papel’, pela Netflix, que estreava na televisão espanhola em maio de 2017, é um grande sucesso, principalmente para os fãs do gênero de filmes de assalto.

Alex Pina, criador do enredo, conta a história de 8 assaltantes que se uniram para pôr em prática um, muito bem articulado, plano de assalto, concebido pelo pai de Sergio Marquina, conhecido na série como “Professor”. O Professor, então, é filho de um assaltante de bancos, morto à queima-roupa pela polícia, e herdou de seu pai, um ousado e detalhado plano para assaltar nada mais, nada menos, do que 2 bilhões de euros da Casa da Moeda da Espanha, o que configuraria o maior assalto da história do país. Para colocar o plano em prática, ele recruta 8 pessoas, com as habilidades e os perfis adequados para a missão, e os ensina ao longo de 5 meses de aulas constantes, todos os detalhes do mega assalto.

A trama é repleta de dramas pessoais pesadíssimos estampados na vida de praticamente todos os assaltantes, inclusive do próprio Professor, que vão sendo apresentados conforme os capítulos vão se desenrolando ao longo da história. São problemas familiares dos mais graves, principalmente envolvendo as relações entre maridos e esposas; pais, mães e filhos; e, problemas de ordem social, tais como pobreza, desigualdade de oportunidades, envolvimento com tráfico de drogas e a completa falta de acesso a um sistema de saúde minimamente digno.

São situações presentes na vida de milhões e milhões de pessoas ao redor do mundo, que acabam gerando identificação imediata entre o espectador e o personagem ali apresentado. Certamente, muitos enxergaram seus próprios dramas e sofrimentos nas vidas de Tokyo, Denver, Nairóbi, Rio, Moscou, Berlim e cia limitada.

Além do que, os personagens são muito bem construídos, Pina faz questão de apresentá-los como seres humanos reais, em todas as suas virtudes e vergonhas. Não são meros bandidões caricatos facilmente odiáveis, muito ao contrário, em poucos capítulos, você se percebe num curioso conflito interno por estar torcendo pelo sucesso do maior assalto da história da Espanha, realizado por uma gang de criminosos.

E este é exatamente meu ponto. ‘La Casa de Papel’ trabalha muito discretamente – nem por isso menos eficazmente – na subjetividade do espectador, plantando no seu subconsciente uma pequena, quase que imperceptível semente de que a ilegalidade é justificável e vale a pena de acordo com as circunstâncias em que se vive. O perigo é que, como sabemos, uma semente não permanece semente para sempre.

De forma muito perspicaz, a série apresenta a vida como ela é, apresenta o ser humano como sendo essa tempestade de paradoxos e inconstâncias dos quais somos formados, apresenta homens e mulheres imersos em momentos de graciosidade, nobreza, generosidade, amor, loucura, estupidez, ignorância, violência e barbárie. Apresenta-nos uma fotografia fidedigna no interior do coração humano: essa constante inconstância irremediável.

Talvez, por essa franqueza e transparência, a série consiga arrebatar tantos corações! O espectador não se sente ludibriado, ao contrário, no bojo de um enredo altamente intrigante e surpreendente, enxerga verdadeiros aspectos da realidade bem diante de si e, por isso, toda subjetividade proposta pela série é altamente perigosa.

‘La Casa de Papel’ está errada. A solução encontrada para os sofrimentos e vulnerabilidades que passamos na vida proposta pelo Professor e seus amigos está dramaticamente equivocada. O enredo nos conduz a, em certo momento, posicionarmo-nos francamente contra o sucesso do trabalho da polícia frente aos assaltantes. Isso acontece porque somos levados a conjecturar coisas do tipo: inúmeras pessoas também são más e roubam, por que eles não deveriam também roubar? Eles não tiveram oportunidade alguma ao longo de suas vidas e este foi o único caminho que sobrou. Eles já passaram por tantas dificuldades, qual o problema de cometerem um crime a fim de darem um rumo na vida de uma vez para sempre? O sistema financeiro europeu é corrupto e extorque as pessoas que estão sob seu domínio, que mal há neles promoverem um “pequeno” rombo num sistema já altamente corrompido?

No fundo, no fundo, o argumento por trás de ‘La Casa de Papel’ é a justificação da minha delinquência com base na delinquência alheia. E o elemento alheio pode ser o governo, minha família, o sistema financeiro, o sistema de saúde, seja lá o que for, nunca eu mesmo e minhas próprias escolhas e responsabilidades. Se o sistema é corrupto e me causa sofrimento, minha resposta frente ao sofrimento é a promoção de mais corrupção. A lógica por trás de ‘La Casa de Papel’, definitivamente, não tem lógica.

Ao apresentarem a realidade do ser humano tal qual ela é, repleta de ambiguidades e fragilidades, aproveitam também para apresentar a moral e a noção de certo e errado igualmente frágeis e ambíguas, o que é absolutamente inapropriado. Claro que não fazem isso o tempo todo, pelo contrário, fazem-no de forma velada, quase que imperceptível.

A semente desse relativismo moral vem na esteira de histórias altamente emocionantes e, por vezes, admiráveis, mas que estão acontecendo dentro de uma proposta, como um todo, inaceitável para qualquer cidadão normal que comungue do senso comum de que assaltar é errado. É como se no meio de uma deliciosa refeição, tivesse ali um grãozinho de arroz venenoso e imperceptível, capaz de causar um estrago irreparável ao nosso sistema digestivo. É essa mistura silenciosa entre a inconstância da personalidade humana com uma suposta inconstante matriz moral como bússola para a boa convivência entre dos homens em sociedade que, para mim, configura-se na raiz do engodo de ‘La Casa de Papel’.

‘La Casa de Papel’ é uma pequena fração de uma gigantesca teia cultural silenciosa, engenhosamente planejada e alimentada há décadas, que tem como missão desconstruir absolutamente todas as coisas no campo moral. É um trabalho lento, premeditado e feito com cautela, de modo a que, ao termos todos os nossos antigos pilares comportamentais destruídos, tenhamos espaço aberto em nossos corações e mentes para novos pilares, moldados, sem que nos apercebamos, a uma nova forma de pensar, sem dogmas, sem regras, sem proibições, sem certo e sem errado. Claro que para se chegar num patamar tão ambicioso como esse, o trabalho é pesadíssimo e demorado, contudo, nem por isso deixa de ser constante e altamente elaborado.

Ao avaliarmos honestamente o cenário cultural brasileiro e as principais bandeiras defendidas atualmente em filmes, séries, músicas, novelas, programas de televisão e peças teatrais em geral, você sinceramente teria alguma dificuldade de concordar comigo?

Como cristãos, temos de ter a maturidade de relacionarmo-nos com a cultura, apreciando-a onde ela revela beleza e verdade e denunciando-a onde ela revela mentira e idolatria. A crítica contida na série em relação às mazelas sociais do mundo e dos abusos familiares presentes na sociedade como um todo, são justas e merecem atenção. Entretanto, elas não podem ser apresentadas como justificativas plausíveis para um comportamento delinquente por parte de nenhum cidadão.

É claro que o meio pode facilitar ou dificultar em muito a vida de um indivíduo, mas a premissa cristã é de que o homem, desde o nascimento, tem em sua gênese a semente da maldade, denominada pelos escritores bíblicos de pecado, e é exatamente esta, a rebeldia do homem frente ao seu Criador, a raiz de todo problema da raça humana. Assim, a forma correta de percebermos a ação da maldade humana no mundo não é de fora para dentro, mas de dentro para fora. Começa em nós, com uma escolha nossa, tanto para o bem, como para o mal.

A Bíblia Sagrada apresenta o homem como tendo pecado num ambiente perfeito, como tendo optado pelo mal, individualmente, e a partir disso, causado terríveis consequências a todo o meio em que estava e a todos os seus semelhantes. De modo que, a solução de Deus para a iniquidade humana nunca foi, nem nunca será mais iniquidade humana. A solução de Deus para o mal, não é a prática de mais maldades. A solução de Deus para as injustiças, não é prática de mais injustiças. A solução de Deus para todas as mazelas humanas foi pendurar seu Único Filho, Cristo Jesus, numa cruz a fim de que a gênese corrompida de cada ser humano pudesse ser consertada, redimida e restaurada.

Essa solução é paradigmática, inalterável, irremovível, eterna e infinitamente poderosa, ou seja, é daquelas verdades absolutas odiadas pela indústria cultural contemporânea, que faz e continuará fazendo de tudo para que verdades como estas sejam apagadas do imaginário humano.

A fé cristã é uma das últimas forças a serem subvertidas pelas ideologias vigentes no mundo atual, e, além da extensa e ignorada perseguição física que dezenas de milhares de cristãos têm sofrido ao redor de todo o mundo, seremos cada vez mais bombardeados no campo cultural, por isso, precisamos estar cada vez mais preparados e atentos. É a cooptação das mentes mais do que tudo, que interessa a esse desconstrucionista movimento cultural pós-moderno.

Meu alerta é para que nos ferramentemos para tal batalha. Comportemo-nos não como simples esponjas inanimadas que aceitam a tudo sem o mais mínimo senso crítico, mas que nosso olhar esteja preparado para apreciar o que é belo e denunciar o que é falso.

Que sejamos propositores, críticos e ativos no debate cultural, e não meros replicadores passivos de opiniões, sempre atrasados na formação de ideias e dispersos em relacionar os valores da fé que professamos com os valores encontrados nos artefatos culturais que encontramos.

Temos de ajudar as pessoas a identificar as falsas propostas de erradicação do sofrimento apresentadas em artefatos culturais atuais, e ao mesmo tempo, promover cultura, apresentando verdadeiros caminhos que ajudem estas mesmas pessoas a lidar com sabedoria frente às circunstâncias em que o sofrimento lhes bater à porta.

Temos todo um arcabouço teórico muito bem fundamentado para isso, nossa fé possui um norte para todos os campos da vida, resta-nos assumir corajosamente nosso espaço nesta sociedade esquizofrênica que clama por algo que lhe faça sentido.

Deus é o Criador do homem e ninguém melhor que Ele, conhece o estado desastroso da falência em que se encontra o mundo atual. Todavia também, ninguém melhor que Ele para restaurar plenamente o homem em todas as suas faculdades e habilidades perdidas, para isso, o caminho não está na promoção de ideologias políticas, falsos salvadores da pátria ou na adoção da barbárie pela barbárie, antes, passa inequivocamente, por confessarmos a Cristo, Seu Filho, como Senhor de todas as coisas e crermos que Ele, e somente Ele, tem poder de fazer com que todas as relações dos homens com seus semelhantes e com a Criação, voltem ao estado perfeito para o qual um dia foram por Deus, planejadas, culminando assim, naquele esperado estado de coisas onde não mais reinarão a injustiça e a perversidade, mas apenas a justiça, o direito e a verdade!

Que Deus nos alcance!

Lucas Freitas (via Minha Vida Cristã)

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