Parece consenso que o ano de 2019 tem sido um ano de tragédias muito frequentes. Isso não é estatístico, é simplesmente intuitivo, até porque é difícil mensurar uma tragédia. O que faria uma fatalidade ser mais trágica que a outra? O número de mortos? Cada vida tem valor inestimável. A maldade humana? Alguns desastres são resultado da ganância do ser humano, não necessariamente da intenção direta de destruir vidas. A extensão dos estragos? Quase sempre aqueles que têm menos são os mais atingidos e os que mais perdem nas calamidades. Perdem pouco em valor material, mas pedem tudo o que têm.
Numa única semana, é difícil elencar a quantidade de fatalidades. No domingo, 157 pessoas morreram com a queda de um avião na Etiópia. As chuvas intensas na metrópole de São Paulo causaram a morte de 13 pessoas. Só na segunda-feira, 11, choveu na cidade o que se esperava que chovesse em todo o mês de março. Na terça-feira, 12, o destaque noticioso foi para os apagões na Venezuela, uma crise econômica e política que tem forçado muita gente a tentar fugir do país, o que acaba provocando repressão e violência próximo às fronteiras com as nações vizinhas. Na quarta-feira, 13, dois jovens “armados até os dentes”, isto é, com armas de fogo e outros instrumentos de violência menos sofisticados, provocaram um massacre em uma escola pública na cidade de Suzano, no estado de São Paulo, antes de tirarem a própria vida. Na quinta-feira, 14, o ciclone tropical Idai atingiu Moçambique e Malaui, dois dos países mais pobres do mundo, causando 122 mortes e deixando quase um milhão de pessoas desabrigadas. No mesmo dia ocorreu a queda de um edifício na Nigéria, que deixou dezenas de mortos, sendo muitas crianças. Na sexta-feira, 15, terroristas entraram simultaneamente em um templo religioso lotado para o culto e em um centro cultural associado ao templo em Christchurch, Nova Zelândia, e dispararam armas de fogo, matando 49 pessoas e ferindo pelo menos outras 48.
Enquanto escrevo o texto, a semana nem terminou e já foi possível apontar uma tragédia para cada dia. Alguns desastres foram provocados pela irresponsabilidade de alguns profissionais. Outros surgiram pela revolta da natureza, agredida e alterada pela ação gananciosa do ser humano. Os mais pobres são geralmente as vítimas mais frequentes nos desastres; as más condições de vida em que vivem neste mundo em que uns têm tanto e outros têm tão pouco os deixam desprotegidos na hora da calamidade. O ódio irracional, o racismo e a xenofobia instigam massacres. O totalitarismo faz nações sofrerem na mão de déspotas que pouco se importam se o povo governado por eles carece dos artigos mais elementares para a sobrevivência e o conforto. E, o mais revoltante de tudo, algumas mortes não são explicadas pelo amor ao dinheiro e ao poder, nem pelo ódio a quem é diferente. Alguns matam e ferem simplesmente pelo bizarro prazer de matar e ferir.
O articulista Rodrigo Constantino, ao comentar o massacre de Suzano, uma das várias desgraças desta semana, apontou, entre as várias possíveis motivações para comportamentos extremamente violentos, “o niilismo, a falta de sentido mais elevado para suas vidas, as famílias desestruturadas, jovens drogados como consequência disso, a ausência divina que costumava preencher o vazio existencial de muita gente no passado. A vida humana não é mais sagrada, foi banalizada.”
Todas as infelicidades que atingem o mundo têm sua raiz no coração do ser humano (Mt 15:19; Mc 7:23; Gl 5:19-21). Direta ou indiretamente, a atitude negativa de alguns atinge a toda a humanidade. Isso acontece porque o homem é o responsável pelo planeta em que vive (Gn 1:28). Não só pelos recursos naturais, mas também pela vida dos demais membros da família humana. Na apuração da primeira morte trágica da história, Deus perguntou ao assassino Caim sobre seu irmão Abel, morto por ele. A resposta de Caim foi uma pergunta debochada: “Não sei; por acaso sou eu guardador do meu irmão?” (Gn 4:9). Sim, Caim, você é guardador do seu irmão. Todos nós somos responsáveis pela vida de nosso irmão.
Sentimentos e atitudes destrutivas têm o potencial de surgir como ervas daninhas no solo do coração humano. Todos temos o germe do pecado em nosso ser (Rm 3:12-18). O simples descuido faz brotar um matagal de pensamentos deletérios. O mal latente pode ser irrigado com a exposição à violência e a sedução da cobiça. Em um determinado momento, não há espaço para o amor e o respeito ventilar dentro do coração. A alma se torna um território selvagem. As consequências de deixar crescer os espinhos são fatais. A indiferença, a irresponsabilidade, a ganância e a maldade estão grandes o suficiente para espetar e ferir o próximo.
Em sua sabedoria, Deus estabeleceu um protocolo eficaz para evitar o surgimento, em seu nível mais incipiente, de tragédias como as desta semana. Se todos os desastres têm sua origem mais remota na maldade e na cobiça, sentimentos que brotam no interior do coração humano, é neste nível que o mal precisa ser combatido. As ervas daninhas da natureza má, que todos temos latente, não podem receber nutrição, enquanto as flores e os frutos da natureza boa, plantada por Cristo na vida por ocasião da conversão a Ele, precisam ser cultivados. “Como é que se alimentam as naturezas? Através dos cinco sentidos. Tudo o que entra em nossa mente através dos sentidos é alimento para uma ou outra natureza. Especialmente aquilo que vem através da visão e da audição. Este é o motivo pelo qual precisamos ser cuidadosos na escolha dos programas a que assistimos, dos filmes que vemos, das revistas e livros que lemos, das músicas que ouvimos e das conversas que participamos” (Alejandro Bullón, Conhecer Jesus é Tudo, 2015, p. 45).
A Bíblia orienta: “Aquele que anda em justiça e fala o que é reto; que despreza o ganho da opressão; que, com um gesto de mãos, recusa aceitar suborno, que tapa os ouvidos, para não ouvir falar de homicídios, e fecha os olhos, para não ver o mal. Este habitará nas alturas; as fortalezas das rochas serão o seu alto refúgio […]. Os olhos de vocês verão o Rei na Sua formosura, verão a terra que se estende até longe” (Is 33:15-17).
Não é simplismo tentar resolver as grandes tragédias no nível do coração. As evidências têm demonstrado que não se pode subestimar o potencial violento de jovens e adultos que gastam horas consumindo conteúdo violento, que se entretém com jogos eletrônicos violentos e que se associam a grupos de ódio. Não se pode menosprezar o potencial deletério da irresponsabilidade de quem está operando uma máquina ou que supervisiona uma construção, uma irresponsabilidade alimentada pela indiferença com a vida e pela mesquinhez. As grandes tragédias surgem como pensamentos e sentimentos, e substituir pensamentos e sentimentos negativos por pensamentos e sentimentos positivos é o protocolo divino para evitar fatalidades.
Cristo nos diz: “Finalmente, irmãos, tudo o que é puro, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é respeitável, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se alguma virtude há e se algum louvor existe, seja isso o que ocupe o pensamento de vocês. O que também aprenderam, receberam e ouviram de Mim, o que viram em Mim, isso ponham em prática; e o Deus da paz estará com vocês” (Fp 4:9). Alimentar o espírito humano com reflexões a respeito da bondade, da mansidão e do amor vistos em Jesus é a única estratégia eficaz para prevenir tragédias.
Fernando Dias (via Revista Adventista)
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