Em
ano de eleições sempre surgem discussões de como a igreja deve
proceder, qual deve ser seu posicionamento em relação aos partidos e
candidatos e, a questão mais abordada, se os adventistas do sétimo dia
devem ou não se envolver com política.
A liderança da igreja na América do Sul votou um documento que estabelece os princípios e parâmetros em relação ao tema. O documento traz uma abordagem objetiva, de fácil compreensão (para acessar a declaração oficial, clique aqui).
Quanto à obrigação e ao direito de votar, creio que devemos buscar
compreender mais amplamente três aspectos importantes. Primeiro, que a
verdadeira esperança não está nos homens, mas em Deus. Ou seja, a
verdadeira salvação não está no poder constituído de uma república, mas
no Soberano Deus que governa o Universo.
Segundo, que neste mundo conturbado e complexo é preciso pedir ao Senhor
discernimento e coragem para tomar decisões que, preservando os
princípios sagrados do reino dos Céus, ofereçam oportunidades aos
futuros governantes de se mostrarem éticos e responsáveis com a
sociedade, rejeitando de vez o colapso moral que envolve o cenário
político atual.
O terceiro aspecto tem que ver com o padrão que deve orientar nossa
postura nas eleições. O parâmetro não pode ser somente a razão, pois a
mente humana está contaminada pelo pecado. Também não pode ser o padrão
de uma maioria que luta por uma causa, porque essa maioria
frequentemente toma decisões alimentadas por interesses próprios.
Igualmente, não pode ser o padrão de uma elite, tendo em vista que elas
são propensas ao erro. A Palavra de Deus é o único padrão ideal. Em 2
Timóteo 3:16 e 17, Paulo declarou que toda a Escritura Sagrada é
inspirada por Deus e é útil para ensinar a maneira certa de viver.
Portanto, a Bíblia fornece toda a orientação necessária para cada área
da vida, inclusive a política.
O maior desafio que os adventistas têm não é compreender esses aspectos
mencionados, mas colocá-los em prática no contexto eleitoral. Tendo isso
em vista, compartilho quatro sugestões que podem ajudar as pessoas a se
manterem fiéis aos valores cristãos sem deixar de exercer a cidadania.
1. Discrição
Em Provérbios 5:2, a Bíblia nos orienta a conservar a discrição. Este
princípio serve de base para lidarmos com situações polarizadas em torno
da política nacional. Os escritos de Ellen G. White também trazem
importantes conselhos que podem nos orientar em período de eleições
nacionais: (1) devemos “agir com sabedoria, com grande cautela” e “não
sacrificar nenhum princípio de nossa fé” (Testemunhos para a Igreja, v. 1,
p. 356; (2) devemos abandonar “velhos preconceitos políticos” que vão
de encontro aos princípios da verdade; (3) em questões políticas e
preferências partidárias “o silêncio é eloquência” (Obreiros Evangélicos, p. 391); e (4) não devemos nos entusiasmar em expressar afeições e preferências políticas que resultem em divisões na igreja (Fundamentos da Educação Cristã,
p. 340). Todas essas orientações foram proferidas por Ellen G. White em
situações muito específicas que envolveram eleições ou questões
relacionadas à política em sua época, mas que são apropriadas para nosso
tempo.
2. Avaliação
Infelizmente, nem todos fazem uma avaliação criteriosa dos candidatos
que pleiteiam cargo público antes de definir seu voto na urna. Mas não
deveríamos deixar de tomar atitudes como: verificar o perfil do candidato ou seja, se ele é vocacionado para o
poder público, se tem capacidade para gerenciar as necessidades e
prioridades sociais básicas da cidade; se ele
defende o direito à liberdade religiosa, se observa os princípios
constitucionais e se tem demonstrado valores e critérios éticos em sua
história de vida.
Atrelado ao perfil do candidato, é preciso ainda avaliar as propostas de
governo que ele defende. Por exemplo, se seu plano de ação vai servir à
sociedade, oferecendo qualidade de vida e dignidade aos seus
habitantes, ou se esses projetos atenderão apenas interesses próprios ou
de seu partido. Avalie com muita atenção se as propostas de determinado
candidato valorizam investimentos na educação, saúde e segurança,
melhorias no saneamento básico, oportunidade de emprego para a população
e o equilíbrio da economia. É igualmente importante considerar o
partido ao qual ele está filiado, haja vista que os candidatos hoje são
absolutamente regidos por suas legendas.
Buscar informações em fontes adequadas. A internet é um campo repleto de
ambientes virtuais que ajudam a ampliar o conhecimento. Mas, diante de
tanta informação disponível, é preciso ter cuidado para não cair em
armadilhas. Afinal, nem todo conteúdo encontrado na rede é confiável.
Uma pesquisa realizada
nos Estados Unidos, Reino Unido, França e Brasil revelou que, de cada
quatro pessoas, três verificam se a notícia é verdadeira antes de
postar. A maioria dos que tem acesso à informação via internet tem
dificuldade para distinguir boatos de informações confiáveis.
Especialistas afirmam que as notícias falsas veiculadas na web possuem
um padrão característico: geralmente são anônimas. Em vez de conteúdo
informativo, apresentam opinião e discurso de ódio; geralmente vêm
acompanhadas de muitas propagandas, para obter lucro com a venda de
publicidade e estão sempre em sites considerados sensacionalistas.
Informações falsas, boatos e mentiras personificam a parte perversa da
natureza humana. O originador da falsidade é Satanás que, além de
mentiroso e enganador (Jo 8:44), tem procurado conservar a mente das
pessoas na escuridão (2Co 11:4). Para não sermos enganados por ele, nem
por seus agentes, busquemos Jesus que é “a luz do mundo” (Jo 8:12) e a
verdade que liberta (Jo 8:32; 14:6). O cristão precisa ter a mente de
Cristo (2Co 2:14-16), a única capaz de discernir os fatos com sensatez.
3. Oração
Buscar uma opção de candidato que seja honesto, responsável e disposto a
servir a sociedade é uma tarefa quase impossível. É como procurar
“agulha no palheiro”, justamente porque a classe política de nosso país
passa por uma crise de integridade. Tem havido uma sucessão interminável
de casos de corrupção envolvendo diferentes setores do poder público.
Diante dessa constatação, nos perguntamos o que fazer na hora de votar?
É preciso tomar cuidado com as análises simplistas e as soluções fáceis.
Não é certo aderirmos a protestos ou ficarmos indignados. O melhor que
temos que fazer é orar ao Senhor em busca de sabedoria para agir. A
oração foi o primeiro recurso que a igreja primitiva usou quando Herodes
Agripa I, que era um político sem integridade de caráter, usou toda a
sua crueldade para prejudicar a igreja (At 12:1-16). Enquanto o apóstolo
Pedro se encontrava preso, aguardando o julgamento, a igreja não se
revoltou nem protestou na corte de Herodes, mas orou incessantemente a
Deus. Greg Laurie, comentando esse episódio, afirmou que “a ação mais
efetiva que a igreja poderia ter desenvolvido era uma ação invisível e
aparentemente não-agressiva: orar” (A Igreja Que Abala o Mundo,
p. 169). Penso que o momento que estamos vivendo exige da igreja um
empenho maior por intercessão em favor do país e de seus governantes.
4. Escolha
Toda pessoa habilitada a votar sabe que tem o direito de exercer sua escolha sem imposição e sem pressão. O Código Eleitoral
brasileiro determina o sigilo do voto e a privacidade do eleitor no
momento de sua escolha, amparando o cidadão para que ele faça uso do
livre arbítrio na urna eleitoral. Isso mostra que quando temos o direito
de votar, temos também a responsabilidade por essa escolha. Não devemos
fragilizar nosso voto em uma eleição cedendo a influências nocivas que
procuram afetar nossa consciência e eliminar os sagrados propósitos de
Deus.
No século 19, a igreja enfrentou dias tensos com a aprovação da venda de
bebidas alcoólicas. Diante dessa situação, Ellen G. White alertou os
adventistas a não demonstrarem uma postura passiva no momento de sua
escolha eleitoral. Ela escreveu na Review and Herald de 8 de
novembro de 1881: “Quantos desmerecem sua prerrogativa como cidadãos de
uma república – comprados por um copo de uísque para dar seu voto a
algum candidato infame! Como classe, os intemperantes não hesitarão em
usar de engano, suborno, e mesmo violência contra os que recusam
ilimitada licença ao apetite pervertido”. Ela foi mais enfática ao
afirmar: “Aqueles que, mediante seu voto, sancionam o comércio das
bebidas espirituosas, serão considerados responsáveis pela perversidade
praticada pelos que se encontram sob a influência da bebida forte”
(Ellen G. White, Temperança, p. 254).
Ao longo de toda a sua história, a Igreja Adventista defendeu que seus
membros assumissem a responsabilidade de cidadãos em sua comunidade,
amparado no princípio bíblico de que todo poder civil constituído
procede de Deus (Rm 13:1-7). Mesmo reconhecendo ser seu direito de votar
livremente, o adventista deve ser sábio em suas escolhas, tomando uma
posição firme ao lado daqueles que promovem a verdade, o bem, a vida, a
paz, os valores éticos e morais, enfim, um país mais justo.
Fazendo a diferença
Estamos atravessando um momento em que, politicamente na história do
mundo, há muita polarização e parece não haver perspectiva para a
solução dos problemas sociais. A situação tende a piorar cada vez mais,
mas nem por isso devemos ser omissos nem indiferentes com respeito ao
dever de cidadania que cabe a cada um de nós exercer.
A igreja é detentora de uma cidadania celestial, mas não se encontra
impedida de exercer sua cidadania terrena. O conselho que o apóstolo
Paulo deu aos irmãos filipenses serve de orientação para a igreja de
hoje: “Não importa o que aconteça, exerçam a sua cidadania de maneira
digna do evangelho de Cristo (Fp 1:27, NVI). Elevamos o nível de nossa
cidadania quando assumimos ser luz e sal do mundo, promovendo o bem e
mostrando que o evangelho de Cristo produz transformações que podem ser
úteis à sociedade (Mt 5:13, 14).
Em seu trato, por exemplo, com as muitas questões sociais do país, a
igreja não se deixa consumir por um ativismo político raivoso, mas
procura dar exemplo de uma comunidade que demonstra amor mesmo em meio
às diferenças existentes, inclusive políticas. Sua ética do amor vai
além dos irmãos na fé, alcançando também os não tão próximos e os que
discordam ideologicamente dos valores do reino de Deus. Como escreveram
Paul e Raphael Freston: “Se os cristãos não forem capazes de viver essa
ética do amor, dentro da comunidade cristã e justamente no meio da
tormenta política que nos divide, como ao país inteiro, não teremos nada
a contribuir para com a sociedade, pois ninguém nos reconhecerá como
discípulos de Cristo” (“A ética do amor em tempos de cólera política”, Ultimato, Edição 366, Julho/Agosto de 2017).
A atitude da igreja não é promover representantes políticos para
concorrer a cargos públicos, muito menos marcar presença constante em
movimentos que tentam influenciar decisões diretamente ligadas ao
parlamento civil do país. O correto é a igreja revelar Jesus como o
maior exemplo de integridade, demonstrando atitudes resultantes de uma
vida espiritual autêntica e bíblica, bem como de uma fé verdadeira, para
que as boas notícias do evangelho cheguem ao povo oprimido,
injustiçado, abandonado e assaltado por um sistema de poder político
corrompido. Sem dúvida, esse é o diferencial maior do povo de Deus que,
enquanto peregrino neste mundo (Sl 119:19), aguarda viver plenamente
feliz como cidadãos de uma pátria superior (Hb 11:16). Enquanto isso, a
igreja não perderá sua consciência responsável de cumprir seu dever na
escolha eleitoral de seus governantes.
Wagner Augusto Vieira Aragão (via Revista Adventista)
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