segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

A NOVA DISSIDÊNCIA

Os críticos e dissidentes, apostando no anonimato das novas tecnologias e na aparente impunidade no mundo digital, se multiplicam a cada dia. Um dissidente é alguém que questiona, critica e desafia a ordem estabelecida. No contexto religioso, a palavra vem sendo usada desde o século 19, enquanto no cenário político tornou-se popular a partir dos anos 1940.


Hoje, os dissidentes religiosos têm muitas faces e transitam por diversos territórios, mas também apresentam pontos em comum. Numa escala crescente de radicalismo, situam-se ao longo de um amplo espectro: inconformismo / discordância / questionamento / crítica / dissidência / ativismo / terrorismo. Com o risco da caricaturização, podemos enumerar dez tipos de dissidentes:

Administrativo: aquele que tem um problema com um líder e, a partir do seu caso, constrói uma teoria geral sobre a gestão da igreja.

Anacrônico: acha que tudo no tempo dos pioneiros era melhor do que hoje.

Conspiratório: pensa que seu “conhecimento secreto” lhe dá o direito de propagar mirabolantes teorias de conspiração.
 
Cultural: sempre vê a cultura como território exclusivo do diabo.

Excêntrico: sai do centro e vai para o extremo a fim de chamar atenção para seu comportamento exótico.

Ideológico: inventa uma narrativa alternativa para justificar seu deslocamento na sociedade.

Narcisista: aproveita o prestígio dos outros e pisa na imagem alheia para se aparecer.

Perfeccionista: consegue ver milhões de erros na igreja e nenhum em sua vida.

Sonhador: idealiza uma enevoada ilha da fantasia imaginando que seja o mundo iluminado da realidade.

Teológico: pensa que suas heresias deveriam substituir as crenças fundamentais da igreja.

Essa é apenas uma amostra. Infelizmente, os dissidentes, com causa ou sem causa, são inúmeros e sempre os teremos conosco. O pior é que muita gente inocente acaba caindo facilmente na lábia deles. Essas pessoas se esquecem de que o cristão deve ser simples como as pombas, mas cauteloso como as serpentes (Mt 10:16). Todavia, inocência não é desculpa. O problema do dissidente passa a ser também o seu problema se você der ouvidos, voz e publicidade às ideias dele. Afinal, se discordar em nome da verdade é saudável, promover a desunião em nome da mentira é a essência da obra do próprio inimigo.

O importante é saber discernir entre críticas legítimas e ataques injustos, sem aumentar ainda mais a polarização. Nesta época em que o mundo busca a unidade, mas paradoxalmente se torna cada vez mais fragmentado, é um dever sagrado do povo de Deus promover a pacificação. Você foi chamado para ser um agente da união em torno de Cristo e não da ruptura e da alienação.

Na era da internet
O que precisamos destacar ainda é que, com o advento da internet, surgiu também um novo tipo de dissidência. Agora indivíduos e movimentos questionadores com um baixo grau de apego à verdade e um alto nível de virulência transitam com frequência pelo mundo virtual para fazer ataques mais individualizados – o que, diga-se, não é exclusivo do adventismo. Alguns deles têm muito medo do ecumenismo, mas não têm o mínimo receio de danificar a unidade da igreja.

O espírito da crítica à igreja reflete o espírito da internet. Os novos críticos e dissidentes fazem seu trabalho usando páginas no Facebook, disseminam conteúdos em grupos do WhatsApp e mantêm canais no YouTube com nomes, diga-se de passagem, bastante característicos. Independentemente do meio, o tom quase sempre é provocativo e ofensivo.

As plataformas digitais deram voz às pessoas como nenhum outro meio de comunicação tradicional havia feito antes, o que representou, de um lado, uma conquista sem precedentes e, por outro, um novo espaço para a disseminação de tolices, conteúdo malicioso e muitas formas de violência. “Hoje, qualquer um pode postar suas frustrações pessoais, suas mágoas e difamações. Dá a impressão de que a resposta mais fácil para desavenças pessoais seja simplesmente postá-las na internet”, ressalta o doutor Alberto Timm, diretor associado do White Estate (EUA) e um observador do cenário religioso.

A reação ao que outros publicam não é menos inflamada. Na web, é mais comum ver críticas contra pessoas do que contra ideias. “Fico impressionada com a agressividade com que os usuários se expressam nesses ambientes”, afirma a psicóloga Kátia Oliveira, autora do livro Hiperconectados (Polo Printer, 2015). Basta navegar durante alguns minutos nas mídias sociais ou observar os comentários postados em sites de notícias para se dar conta de que poucos são os que conseguem manter o equilíbrio. Os haters, internautas que espalham discurso de ódio e atacam quem pensa diferentemente deles, crescem a cada dia.

O anonimato e a impessoalidade da rede parecem favorecer a atitude de quem defende suas opiniões com “unhas e dentes”. As pessoas se mostram mais “corajosas” para criticar on-line do que no mundo off-line. Segundo Kátia Oliveira, quanto mais impessoal é a comunicação na internet, maior tende a ser o nível de hostilidade, conclusão comprovada por estudos como o do pesquisador Adam G. Zimmerman na Universidade do Norte da Flórida (EUA).

Todo esse cenário parece ter contribuído para a banalização da crítica e da dissidência na igreja. Se no passado os reformadores lutavam por mudanças com base em problemas reais e no profundo estudo das Escrituras, a causa de muitos “reformadores” de hoje é construída em torno de especulações, frustrações com a liderança religiosa e desavenças pessoais.

Travessia segura
Para concluir, é importante ressaltar que a crítica violenta, seguida da dissidência injusta, não vem de Deus. Ao contrário, ela surgiu com o anjo rebelde, que desencadeou uma grave crise no Universo. Há alguns anos, o colunista político norte-americano William Safire escreveu um livro intitulado The First Dissident (Random House, 1992), em que caracterizou Jó como o primeiro dissidente, no sentido de que ele questionou a maior Autoridade do Universo. Na verdade, o livro bíblico revela o primeiro dissidente, mas ele não é Jó; é Satanás, o arqui-inimigo de Deus e de todos os fiéis. Portanto, todo dissidente deveria questionar seus motivos e alianças. A atitude de espalhar a discórdia e a desunião não caracteriza os filhos de Deus.

No fim, apesar das críticas e crises, a igreja vencerá, pela graça de Deus. No livro A Mão de Deus ao Leme, relançado pela CPB em 2018, Enoch de Oliveira usa a metáfora da igreja como um navio navegando num oceano agitado, mas guiado pelo Timoneiro celeste. “Tempestades, conflitos e dissidências sacodem por vezes a estrutura da igreja, trazendo a alguns temor e insegurança. O barulho da tormenta ameaça a ‘embarcação de Sião’. Mas Deus está no controle! Sua direção ao leme garante que a embarcação chegará a salvo nas magníficas praias do Céu” (p. 157). Ficar no navio para chegar ao porto do mar de vidro é mais prudente do que se lançar ao mar das discórdias e correr o risco de perecer no caminho.

Marcos de Benedicto e Márcio Tonetti (via Revista Adventista)

Nenhum comentário:

Postar um comentário