domingo, 3 de janeiro de 2021

PENA DE MORTE: UMA OPINIÃO

Pena de morte ou pena capital é um processo legal pelo qual uma pessoa é morta pelo Estado como punição por um crime cometido. A decisão judicial que condena alguém à morte é denominada sentença de morte, enquanto que o processo que leva à morte é denominado execução.
 
A pena de morte é um tema permanentemente em discussão no mundo inteiro. Dados da Anistia Internacional mostram que, em termos globais, as execuções globais decresceram em 2019, pelo quarto ano consecutivo. De, pelo menos, 690, em 2018, passaram para 657, em 2019. Ou seja, assistiu-se a uma redução de cinco por cento, que levou ao número mais baixo dos últimos dez anos. A maior parte das execuções teve lugar na China (mais de mil), no Irã (pelo menos, 251), na Arábia Saudita (184), no Iraque (pelo menos, 100) e no Egito (pelo menos, 32).

O Japão e Singapura reduziram drasticamente o número de execuções, de 15 para três e 13 para quatro, respectivamente. Pela primeira vez desde 2010, o Afeganistão não executou condenados. Taiwan e a Tailândia, que tinham aplicado a pena de morte em 2018, também mantiveram o registro a zero. O Cazaquistão, a Federação Russa, o Tajiquistão, a Malásia e a Gâmbia continuaram a respeitar as moratórias oficiais sobre as execuções. No Brasil, a pena de morte é proibida, exceto para crimes militares cometidos em tempos de guerra, segundo previsto na Constituição Federal de 1988.

Em todo o mundo, 106 países aboliram a pena de morte na lei para todos os crimes e 142 aboliram a pena de morte na lei ou na prática. O relatório da Anistia Internacional apontou ainda que, pelo menos, 26.604 pessoas estavam no corredor da morte, no final de dezembro de 2019.

Durante o Concílio Anual da Igreja Adventista do Sétimo Dia para oito países sul-americanos, realizado em novembro de 2017, os delegados aprovaram o registro de um documento sobre a pena de morte. O material foi elaborado pelo Comitê de Ética do Biblical Research Institute (BRI), ou Instituto de Pesquisa Bíblica, órgão consultivo da igreja para assuntos teológicos, a pedido da sede sul-americana adventista.

O teor apresenta argumentos bíblicos que sustentam a ideia de que “os adventistas acreditam que a violência e a pena de morte não têm lugar na igreja. Em outras palavras, não é tarefa da igreja tirar a vida humana”.

No documento, são considerados textos bíblicos que parecem dar margem a uma interpretação favorável à pena capital por parte dos poderes governamentais. Sobre isso, a redação do material preparado pelo BRI afirma que “consequentemente, não há também acordo sobre a questão de se, a partir da perspectiva bíblica, os governos têm permissão ou até mesmo são requeridos a instituírem a pena capital. Porém, diante do fato de que a pena capital não tem lugar na igreja cristã, não é certo que a igreja seja vista como um quase agente advogando a pena capital, embora o estado possa executá-la”.

Nas considerações finais, o documento cujo registro foi aprovado pelos delegados do Concílio, recomenda que os adventistas não se envolvam em campanhas favoráveis à promoção da pena de morte.

Veja o documento aprovado na íntegra:

PENA DE MORTE: UMA OPINIÃO

Comissão de Ética do Instituto de Pesquisa Bíblica da Associação Geral (BRIEC, sigla em inglês)

O Instituto de Pesquisa Bíblica (BRI, sigla em inglês) da Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia foi solicitado a opinar sobre a pena capital e sua abordagem nas igrejas adventistas locais. Foi decidido levar a solicitação à Comissão de Ética do Instituto de Pesquisa Bíblica (BRIEC, sigla em inglês), para ser aí discutida e depois enviada para revisão do BRI. Estes são os resultados das deliberações:

1. A Bíblia não ignora o sofrimento e a perda insuperáveis daqueles que foram atingidos por crimes odiosos. A igreja também não. Ela sofre com os que sofrem e busca ajudá-los de todas as formas possíveis, desde que consistentes com a Escritura. Porém, esse sofrimento pode levantar a questão de se a pena de morte seria uma resposta apropriada às formas graves de crime.

2. O tema da pena capital foi discutido a partir de várias perspectivas: filosófica, sociológica, prática e bíblico-teológica. Por exemplo, não há dúvida de que a implementação da pena de morte é, muitas vezes, carregada de dificuldades processuais: uma evidência circunstancial pode ser usada para condenar o acusado, que talvez não seja culpado; as minorias e as classes mais baixas da sociedade são desproporcionalmente representadas no corredor da morte; o resultado dessa implementação, ou seja, tirar a vida humana, é irreversível. Isso deve levar à cautela. No entanto, independentemente dessas e de outras razões válidas, há um elevado interesse na perspectiva bíblica sobre a pena de morte.
 
3. A questão da pena capital deve ser estudada a partir da perspectiva das passagens bíblicas individuais encontradas na Escritura em vários contextos. Ela adicionalmente deve ser estudada e compreendida a partir da perspectiva de uma antropologia bíblica robusta, ou seja, mais ampla do que a exegese e que inclua princípios bíblicos. Ao longo dos anos, a Igreja Adventista do Sétimo Dia tem emitido declarações oficiais sobre vários assuntos, como, por exemplo, contra a violência, a guerra e a eutanásia, e a favor da tolerância e da não combatividade. A igreja busca preservar e proteger a vida humana. Isso é refletido em sua forte ênfase sobre a mordomia (Deus sendo o proprietário da vida e Cristo sendo nosso Salvador), o cuidado da saúde integral, bem como a ajuda humanitária. Os adventistas promovem e encorajam o pleno desenvolvimento da humanidade – física, mental, emocional e espiritualmente – mediante a educação e a proclamação da mensagem do evangelho de Cristo, que veio para todos “tenham vida e a tenham em abundância” (João 10:10). A discussão do tema da pena capital deve ocorrer nesse contexto.
 
4. Os adventistas acreditam que a violência e a pena de morte não têm lugar na igreja. Em outras palavras, não é tarefa da igreja tirar a vida humana. Embora no Antigo Testamento, sob a teocracia, a pena de morte seja mencionada em vários casos, como em conexão com o matar um ser humano (Êxodo 21:12), ferir ou amaldiçoar os pais (Êxodo 21:15, 17), raptar e vender alguém (Êxodo 21:16), profanar o sábado (Êxodo 31:14-15; Números 15:32-35), sacrifício de criança (Levítico 20:2), adultério (Levítico 20:10), incesto (Levítico 20:11), homossexualidade (Levítico 20:13), sodomia (Levítico 20:15-16), espiritismo (Levítico 20:27), blasfêmia (Levítico 24:16), idolatria (Deuteronômio 13:1-5) e sexo pré-conjugal (Deuteronômio 22:23-24), no Novo Testamento essa legislação não é aplicada à igreja cristã, que se propagou entre as nações. Em Seu primeiro advento, Jesus pôs fim à teocracia judaica e estabeleceu a ética de Seu reino, conforme proclamada no Sermão do Monte (Mateus 5—7) e em outros lugares (por exemplo, Mateus 26:52). 
 
O caso do homem envolvido em incesto, em 1 Coríntios 5, mostra que a pena capital não mais é praticada pelo povo de Deus. Antes, a igreja tem a responsabilidade de se aproximar dos pecadores com o objetivo de ganhá-los para um comportamento semelhante ao de Cristo e aceitarem os ensinos bíblicos. Se isso falhar, a ordem seguinte de Jesus, em Mateus 18:15-20, é que o pecador não arrependido seja excluído da comunidade de crentes. Porém, mesmo depois de sua separação da igreja, a congregação local deve empenhar-se por trazê-lo de volta. Portanto, matar hereges, como praticado por algumas igrejas cristãs no passado, não é apenas injustificado, mas absolutamente errado, conforme a perspectiva bíblica. Entretanto, esse fenômeno reaparecerá quando, no tempo do fim, os poderes do mal derramarem novamente o sangue dos santos. O próprio Deus julgará esses poderes (Apocalipse 16:6; 19:2).
 
5. E quanto aos governos e a pena capital? É reconhecido que dois textos bíblicos, em especial, foram usados para apoiar a pena de morte executada pelos governos: Gênesis 9:5-6 e Romanos 13:4. O primeiro texto (“Certamente, requererei o vosso sangue, o sangue da vossa vida; de todo animal o requererei, como também da mão do homem, sim, da mão do próximo de cada um requererei a vida do homem. Se alguém derramar o sangue do homem, pelo homem se derramará o seu; porque Deus fez o homem segundo a sua imagem”) é proferido a Noé, depois do dilúvio, e precede a teocracia israelita. Portanto, não se limitou à teocracia. Ele enfatiza a santidade da vida humana. Mas esse texto é um mandamento, uma profecia, um provérbio ou uma maldição que descreve o que normalmente ocorre se alguém de forma proposital ou não põe fim à vida humana? Se for um mandamento, quem deve executar a morte de um assassino, de acordo com o texto ou o contexto? Como o amplo contexto da Escritura deve ser compreendido, considerando que mesmo no Antigo Testamento ocorriam exceções quanto à execução da pena de morte (por exemplo, Moisés e Davi) e ali encontramos cidades de refúgio para os que acidentalmente haviam matado alguém?

O segundo texto é uma declaração de Paulo ao falar sobre o relacionamento dos cristãos com os governos e sua autoridade. O contexto trata do pagamento de impostos e de ser submisso aos governos. Pode implicar obediência desde que os governos não obriguem os cristãos a desobedecerem a Deus (ver Atos 5:29). Não há dúvida quanto ao papel legítimo dos governos no uso civil da lei, mas a menção da “espada” pelo apóstolo é suficiente para implicar pena capital? O porte de armas pelas forças policiais na atualidade automaticamente implica e legitima a pena de morte?

Os dois textos devem ser cuidadosamente estudados, levando em consideração seu contexto literário e marco histórico, a verdade principal do argumento na passagem e o vocabulário e a gramática em hebraico e grego. Além disso, a Bíblia, como um todo, e seus princípios sobre a vida e a morte, a violência e a graça, a justiça e o perdão devem ser consultados. No presente, não há consenso quanto à interpretação dos textos acima mencionados entre a ampla comunidade cristã ou na Igreja Adventista. Consequentemente, também não há consenso, a partir da perspectiva bíblica, sobre a questão de se os governos têm permissão ou até mesmo obrigação de instituir a pena de morte. Porém, diante do fato de que a pena capital não tem lugar na igreja cristã, não é correto que a igreja seja vista como agente que advoga a pena capital, embora o estado possa executá-la.

Portanto, recomenda-se que haja apoio à prática da Igreja Adventista do Sétimo Dia de valorizar a vida humana, conforme descrito acima. Recomenda-se também que os membros da igreja não se envolvam em qualquer campanha para promover a pena de morte. A missão da igreja não é promover a morte, mas anunciar a vida e a esperança.

Com informações de Anistia Internacional e ASN 

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