De acordo com uma pesquisa divulgada no fim de março pela Fiocruz, a pandemia alterou de modo significativo a vida de 95% dos trabalhadores da área de saúde. E o médico Francisco Mateus João (foto acima) faz parte dessa estatística. Doutorando em Medicina Tropical na Universidade Estadual do Amazonas, ele é o coordenador clínico do Hospital Adventista de Manaus (AM), que já registrou mais de 1.100 internações por Covid-19 e teve que adaptar sua estrutura para atender à demanda. Nesta entrevista, Francisco fala sobre a realidade enfrentada pelos profissionais da saúde que estão na linha de frente de combate ao coronavírus.
O que mudou na rotina dos profissionais da saúde dentro e fora dos hospitais?
Os ajustes na estrutura física para acomodação do crescente número de infectados, a necessidade urgente de aquisição de ventiladores pulmonares e a escassez de profissionais para atender a demanda transformaram consideravelmente o ambiente e a dinâmica dos hospitais. Vimos profissionais de outras especialidades médicas ajudando a combater a pandemia nos setores de pronto atendimento e internação e até em UTIs, o que resultou em jornadas extenuantes de trabalho. Ademais, fora dos hospitais, tivemos que adotar medidas extremas de segurança. Muitos, inclusive, decidiram se isolar da família para protegê-la.
Temos visto algumas homenagens sendo feitas aos profissionais que estão na linha de frente. Que significado esse reconhecimento tem em um contexto difícil como esse?
Esse reconhecimento é importante e impulsiona os profissionais da saúde a buscar força física e mental para o enfrentamento de uma patologia completamente adversa e ainda nebulosa.
Como tem sido o impacto psicológico da crise sanitária nos profissionais da saúde?
A compreensão limitada da ação e dos efeitos até certo ponto imprevisíveis do novo coronavírus, a alta taxa de infecção e o agravamento dos pacientes são fatores que contribuem para o desequilíbrio psicológico de quem se dedica a salvar vidas, mas, em muitos casos, se vê incapaz de modificar o curso catastrófico de uma grave evolução clínica. Imagine então o impacto emocional de ter que decidir entre quem vai viver e quem vai morrer; de perder vários pacientes no mesmo dia; ou ainda de ver colegas de trabalho morrendo. Não é de estranhar que 80% dos que estão na linha de frente do combate à pandemia manifestem um quadro de exaustão emocional, conforme apontou uma pesquisa recente feita pela Fundação Getúlio Vargas com mais de 1,8 mil profissionais da saúde de todo o Brasil.
Em um contexto em que tanta gente necessita de cuidados médicos, como agir para não transformar o paciente em uma estatística?
Uma boa assistência requer um tratamento humanizado e a presença constante junto ao leito. Onde trabalho, temos nos esforçado, inclusive, no sentido de dar maior atenção aos familiares dos pacientes (aflitos pela situação de isolamento e distanciamento de seus queridos), o que tem sido possível por meio de videoconferências e a divulgação de boletins médicos diários.
Essa pandemia tem sido marcada por muita desinformação. Segundo dados de uma pesquisa nacional realizada pela Fiocruz, 76% dos profissionais da saúde relataram que os pacientes tinham algum tipo de crença referente às fake news. Que responsabilidade os médicos têm na construção de uma narrativa melhor embasada em evidências científicas?
Pesa sobre os ombros dos profissionais da saúde o imenso desafio de salvar as pessoas do vírus em si, bem como da desinformação. O conhecimento científico é o caminho que nos leva ao melhor entendimento da patologia e à implementação de protocolos assistenciais que garantem a segurança do tratamento. Mas, infelizmente, a avalanche de fake news que circula pelas mídias sociais tem trazido danos emocionais e dificuldades de entendimento entre médicos e pacientes. E isso tem colocado em risco a saúde de muitas pessoas.
Que diferença a espiritualidade faz na vida de quem está arriscando a própria vida para salvar pessoas em meio a uma pandemia dessas proporções?
Os serviços de assistência psicológica e capelania têm sido de fundamental importância não somente para pacientes e seus familiares, mas também para o corpo clínico e demais servidores da área da saúde. A confiança em um Deus poderoso e sensível aos dilemas e aflições da humanidade é capaz de nos trazer paz ao coração atribulado e forças para prosseguirmos. Por meio da fé podemos vislumbrar Deus no comando de todas as coisas e Seu propósito final de renovação de tudo que nos traz tristeza, choro e dor.
Márcio Tonetti (via Revista Adventista)
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