Marcado por preocupação com erros, altos níveis de críticas e dificuldade para aceitar os outros, o perfeccionista é um ser falível que tem complexo de infalibilidade. Rígido na exigência e inflexível na avaliação, tenta compulsivamente alcançar um padrão inatingível. Vive numa briga constante entre o real e o ideal, o “é” e o “deve”, o possível e o impossível. Radical, seu pensamento é do tipo tudo ou nada, Deus ou o lixo. Com sua típica falta de habilidade para experimentar alegria, o perfeccionista sente prazer em infelicitar a vida dos outros. Seu padrão mental colore (ou descolore) tudo.
Há diferentes maneiras de classificar o perfeccionismo, mas podemos dizer que ele engloba três aspectos: (1) tendência de estabelecer alvos irreais para si mesmo; (2) visão altamente crítica do próprio desempenho, incluindo a preocupação com a avaliação/expectativa dos outros; e (3) demanda exagerada de perfeição nos outros, o que afeta os relacionamentos. Contraditoriamente, o perfeccionismo nasce de um senso de inferioridade que cria um desejo de superioridade, numa tentativa ilusória de compensar a fragilidade pessoal e encobrir um “ego” inadequado.
Em qualquer dessas manifestações, o perfeccionismo faz mal. Um corpo crescente de estudos o associa a problemas de ajustamento, um estado mental pobre, ansiedade, depressão, desordens alimentares e maior risco de morte. Ainda é motivo de debate se esse traço pode eventualmente ajudar no sucesso pessoal, mas parece que seu preço ultrapassa em muito os possíveis ganhos.
Se o perfeccionismo prejudica a saúde e o bem-estar, o que dizer de seu impacto na espiritualidade? Os frutos do perfeccionismo religioso falam por si. O perfeccionista faz de conta que destaca a justiça de Cristo, mas no fundo coloca sua própria “santidade” sob os holofotes. O foco está em si mesmo. Adepto do fundamentalismo, ele se vangloria de vindicar o caráter divino, porém representa mal a Deus, que é retratado como um déspota exigente e perseguidor. Por ter uma visão equivocada da vida e da religião, querendo um remanescente dentro do remanescente, vive criticando a igreja. Ignora que, embora “fraca e defeituosa”, ela é o único objeto na Terra ao qual Deus dedica sua “suprema atenção”, como afirmou Ellen White (Atos dos Apóstolos, p. 7). O perfeccionista vende uma imagem de santidade, mas vive uma incongruência (leia-se hipocrisia), assim como faziam os perfeccionistas dos dias de Jesus (Mt 23). Em vez de aceitar uma visão de desenvolvimento contínuo, ele adota uma postura estática, em que atinge um suposto estágio ideal e para de crescer.
Na esfera teológica, o perfeccionista tem sérios problemas com a antropologia, a cristologia, a soteriologia, a eclesiologia e a escatologia. Por exemplo, com seu conceito superficial de pecado, definindo-o apenas como ato (no nível do comportamento) em vez de condição (no nível da mente e do coração), ele reivindica para si o status de impecabilidade e engana a si mesmo (1Jo 1:8, 10). Na ânsia de satisfazer sua agenda, valorizando mais a Cristo como Modelo do que Substituto, iguala Jesus ao ser humano pecador, o que é um erro. Afinal, se Cristo fosse 100% igual a nós, Ele não poderia ser nosso Salvador. E, se fôssemos 100% iguais a Ele, não precisaríamos de um Salvador! Além disso, mudando a fonte de autoridade final da Bíblia para Ellen White, comete pelo menos dois erros: (1) aplica ao cristão individual uma frase sobre a perfeição do caráter em que a profetisa se refere à coletividade da igreja (Parábolas de Jesus, p. 69) e (2) atribui a si mesmo o papel que pertence a Cristo como Salvador do ser humano e justificador/vindicador de Deus (Rm 3:20-26).
A santificação tem uma lógica bonita, simples e irrefutável: um Deus santo exige um povo santo (Lv 19:2; 1Pe 1:16). Vista como status (em Cristo somos santos) e processo (pela atuação do Espírito Santo somos transformados à imagem de Cristo), a santificação está presente em toda a Bíblia. De igual modo, é bíblico o convite à perfeição no sentido de maturidade no amor (Mt 5:48). No entanto, está na hora de dizer “não” ao perfeccionismo doentio e desagregador. Afinal, pelos motivos mencionados, entre outros, Deus não o aprova. Seja perfeito, ame os perfeccionistas, mas não se torne vítima do perfeccionismo!
Marcos De Benedicto (via Revista Adventista)
Nota do blog: Durante seus dias, Ellen G. White precisou lidar em diferentes circunstâncias com alegações perfeccionistas. Para ela, viver sem pecado nesta vida é um ensino estranho à Bíblia. Conforme a autora destacou, “nenhum dos apóstolos e profetas jamais pretendeu estar isento de pecado. Homens que viveram mais achegados a Deus, homens que sacrificariam antes a vida a cometer conscientemente uma ação injusta, homens que Deus honrou com luz e poder divinos, confessaram a pecaminosidade de sua natureza. Jamais confiaram na carne, nunca pretenderam ser justos em si mesmos, mas confiaram inteiramente na justiça de Cristo” (Parábolas de Jesus, 2015, p. 160).
É verdade que Ellen White sempre incentivou seus leitores a prosseguir para a perfeição de caráter, buscando alcançar a obediência plena aos reclamos de Deus. Certos textos da escritora chegam a sugerir que ela mesma era adepta do perfeccionismo: “Todo aquele que, pela fé, obedece aos mandamentos, alcançará o estado de impecaminosidade no qual Adão viveu antes de sua transgressão” (Nos Lugares Celestiais, 1968, p. 148). No entanto, ela declara que isso ocorreria unicamente no momento da glorificação: “Não podemos dizer ‘estou sem pecado’, antes que este vil corpo seja transformado segundo a semelhança de Seu corpo glorioso” (Para Conhecê-lo, 1965, p. 359).
Portanto, devemos entender que Ellen G. White e a Bíblia ensinam “tanto a impecabilidade quanto a perfeição, mas nunca as equipara” (Pecado e Salvação, p. 158).
Devemos ressaltar, contudo, que, ao defendermos a impossibilidade de viver sem pecar, não estamos negando que, pelo poder de Cristo, o cristão possa vencer suas tentações. Embora não alcance a impecabilidade nessa vida, é responsabilidade de todo cristão se afastar do mal, desenvolver um caráter semelhante ao de Jesus e crescer na perfeição cristã.
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