terça-feira, 14 de setembro de 2021

CAUSAS DA APOSTASIA

O nome é fictício, mas a história que relatarei é real. Aconteceu assim. No início, passamos a sentir a falta do irmão Silva em algumas reuniões e programações da igreja. Com o passar do tempo, sua ausência se tornou mais frequente, até que ele se afastou totalmente. Eu o conhecia havia muitos anos e sabia de sua história de envolvimento, serviço e dedicação às atividades na igreja. Sabia também que muitas pessoas abraçaram a fé pela influência e testemunho dele. Por isso, sempre considerei com simpatia suas orientações e sua opinião, marcadas pelo equilíbrio e pela ponderação. Decidi ir visitá-lo. Porém, fiz isso sozinho para evitar algum constrangimento. 

O irmão Silva me recebeu com o mesmo sorriso e simpatia de sempre. Conversamos sobre os desafios do dia a dia, a família e os planos, até que finalmente chegamos ao momento da pergunta inevitável: 

– Diga-me, irmão Silva, por que depois de tantos anos na fé e de dedicação à igreja o senhor decidiu abandonar os caminhos de Deus? 

Ele me olhou com surpresa e até espanto: 

– Abandonar os caminhos de Deus? Isso não passou pela minha cabeça. 

O irmão Silva reconheceu a importância da comunhão, mas explicou que estar ausente do templo não significava estar afastado do corpo de Cristo. Segundo ele, o local de adoração não é o que mais importa para Deus, mas sim adorá-Lo em espírito e em verdade (Jo 4:20-24). O irmão Silva enfatizou que só Deus pode avaliar o coração daqueles que são Seus filhos e filhas sinceros, e que uma pessoa pode estar presente fisicamente, mas afastada de Deus espiritualmente ou vice-versa. Ressaltou que podemos fazer parte da igreja de Cristo em qualquer lugar do mundo, desde que permaneçamos ligados a Ele. Admitiu, porém, que para confirmarmos nossa unidade e nossa fé é importante que cada membro permaneça ligado ao corpo quando este se reúne. 

– Mas, então, por que o senhor perdeu o vigor eclesiástico e decidiu se afastar do nosso meio? – eu insisti. 

O irmão Silva sentou-se e decidiu abrir o coração: 

– Já estou há muitos anos na caminhada cristã. Enfrentei com perseverança as lutas, provas e desapontamentos, mas sempre procurei prezar pela fé e me pautar pela prudência. No entanto, em todos esses anos também consegui perceber e avaliar diversos fatores e variáveis que foram sutilmente ocorrendo em algumas denominações, levando alguns a abandonar a comunhão com a igreja. 

– E quais são eles? – indaguei. 

Então ele me apresentou as seguintes razões: 

1. Institucionalização. O grande problema é quando as doutrinas e os dogmas acabam se tornando um fim em si mesmos. Assim como as coisas podem ser mais valorizadas do que pessoas, algumas “verdades” e dogmas também podem. Algumas doutrinas e verdades bíblicas, mesmo não sendo ponto de salvação, podem ser defendidas com tanto zelo e preciosismo que acabam se convertendo mais em barreiras e muralhas de divisão e separação do que em pontes de empatia e aproximação (Mt 15:6, 20). Verdades defendidas sem sabedoria e equilíbrio podem dividir tanto quanto as heresias (Mt 12:2-5). 

2. Dependência excessiva dos meios de comunicação. Não podemos ignorar que o uso das mídias trouxe grande benefício à pregação do evangelho. Porém, uma dependência excessiva dos meios de comunicação tende a limitar a participação, o envolvimento e a utilidade das pessoas. Corremos o risco de depender tanto da mídia a ponto de menosprezarmos ou até mesmo esquecermos da necessidade da atuação e controle do Espírito Santo. Além disso, não podemos ter relacionamentos pessoais sinceros, profundos e confiáveis apenas por meio das redes, plataformas e grupos de internet. Jesus e a igreja apostólica apreciavam o contato presencial com as pessoas e a oportunidade de estar junto com a multidão (Mc 10:1). 

3. Relacionamentos superficiais. Uma das maiores causas de afastamento da igreja na atualidade é a perda do elemento relacional e da interação entre líderes e liderados. A formação de vínculos sociais é um fator básico para a saúde mental e espiritual. Alguns pastores tendem a ser mais gerenciadores eclesiásticos do que cuidadores. Aliás, a visita pessoal de um líder se tornou algo distante da realidade de muitos membros, o que não costuma ocorrer por indiferença ou falta de amor, mas principalmente pelo acúmulo de responsabilidades da liderança. Relacionamentos construídos sobre a formalidade não favorecem o amadurecimento, a confiabilidade e a firmeza da fé. Por isso, muitos que não têm facilidade para interagir e se integrar ao grupo vão naturalmente se excluindo da igreja, até se afastarem definitivamente. 

4. Ênfase no crescimento numérico. Grandes investimentos são feitos em campanhas evangelísticas, a fim de ganhar seguidores e batizar pessoas. No entanto, em muitos casos esse trabalho não é seguido de um acompanhamento mais significativo aos novos na fé. O apóstolo Paulo é um bom exemplo da preocupação com a instrução e conservação dos novos conversos. Apesar das viagens missionárias e da distância física, ele se preocupava em enviar cartas ensinando e exortando aqueles que haviam abraçado a verdade (Gl 1:6-8). 

5. Carência de inovação e criatividade. Muitas denominações mantêm práticas e liturgias de um século atrás. Embora os rituais tenham um papel importante, a repetição automática deles e a falta de criatividade podem ser fatais para a sustentação e o crescimento de uma igreja. A falta de inovação e de criatividade é ainda mais frustrante para os jovens. Não se trata apenas de priorizar conteúdos diferentes e excitantes, produzir incentivos visuais e sonoros ou evocar megaeventos religiosos, mas de apresentar o evangelho eterno de maneira atraente e inovadora. 

6. Mensagens superficiais e sem aprofundamento. Os novos membros precisam de cuidado e também de alimento nutritivo. Mensagens superficiais e sem poder espiritual tendem a produzir pessoas com os mesmos atributos. Às vezes, elas preferem os sermões da TV ou da internet a aqueles que são proferidos dos púlpitos das igrejas. 

7. Falta de envolvimento. Não é novidade o fato de que as pessoas precisam estar ativas para se manter no corpo de Cristo. Infelizmente, muitas denominações falham nesse sentido. Não basta enfatizar a necessidade de envolvimento. É preciso criar condições para que os membros participem da missão. 

8. Conflitos. A maior parte daqueles que abandonam a igreja o fazem também por alguma frustração. Os conflitos são parte da convivência. Inclusive, muitas vezes magoamos, ofendemos e excluímos sem querer. Porém, uma pessoa ressentida e magoada é uma forte candidata à apostasia. E como diz a Bíblia, “O irmão ofendido resiste mais do que uma fortaleza” (Pv 18:19). Por isso, aquele que feriu ou ofendeu, mesmo sem ter essa intenção, deveria imediatamente buscar a reconciliação. Na prática, porém, não é o que acontece. Desse modo o ressentimento tende a se cristalizar. 

Então o irmão Silva me relatou um fato do qual eu já desconfiava. Ele se sentia triste e magoado por ter sido profundamente ferido por alguém de sua denominação e desprezado por seu líder espiritual. O irmão Silva associou aquele desencanto pessoal à igreja como um todo e decidiu se afastar. 

Depois de ter conversado e orado com o irmão Silva passei a reconsiderar toda a minha teologia sobre o afastamento da igreja e a apostasia.

Eronides Nicolas (via Revista Adventista)

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