terça-feira, 30 de novembro de 2021

COMPREENDEMOS O EVANGELHO?

Não há informações sobre o motivo do dia 30 de novembro ser escolhido como o Dia do Evangélico no Brasil. Após ser aprovada pela Câmara dos Deputados, a lei 12.328, que cria o Dia Nacional do Evangélico, foi sancionada em setembro de 2010.

A data é uma homenagem às pessoas que seguem as religiões evangélicas. De acordo com o Censo de 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre os 86,8% brasileiros que se declararam cristãos, 22,2% disseram ser evangélicos. Já uma pesquisa Datafolha, publicada em 2020, mostrou que os evangélicos somavam 31% dos brasileiros que dizem ter religião.

O evangelho é a boa nova de Jesus, que consiste em compreender fatos históricos associados com a obra salvadora do Deus-homem e seus decorrentes benefícios. Evangélico não é apenas quem diz crer nesse conjunto de verdades: torna-se um termo mais amplo, quando pensamos na gama de tendências abrigadas sob sua nomenclatura: protestantes históricos - quer calvinistas ou arminianos, luteranos ou episcopais - e pentecostais - de todas as ondas, com diferentes ênfases, como glossolalia, exorcismo ou teologia da prosperidade e confissão positiva. O leque de opções oferecido pelo vocábulo "evangélico" é de tal amplitude que confunde mesmo.

E aqui deixo algumas perguntas para nós adventistas refletirmos nesta data:

Qual é o lugar que Cristo ocupa em nossa fé? Acreditamos que Cristo é suficiente para o perdão de nossos pecados e a salvação de nossa alma? Acreditamos que “não há salvação em nenhum outro”, que “abaixo do céu não existe nenhum outro nome dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos” (Atos 4:12), a não ser Jesus Cristo? Acreditamos que Cristo é de fato “tudo em todos”? (Colossenses 3:11). Pregamos o evangelho do Cristo crucificado, ou um evangelho mesclado com obras e realizações humanas? Um evangelho no qual Cristo tem que conviver, ou quem sabe até mesmo disputar lugar com nossas próprias virtudes e atos de obediência e justiça de nossa parte?

Nos primeiros anos da história adventista, Cristo ocupava lugar de destaque em nossa fé e experiência cristã. Mas não demorou para que pouco a pouco nossos pioneiros começassem a perdê-Lo de vista, sobretudo no desejo de defender a validade da lei de Deus e em particular do quarto mandamento.

Convictos de que a verdade da lei e do sábado era a última mensagem de Deus ao mundo antes da volta de Jesus, infelizmente muitos acabaram se tornando legalistas em sua teologia e vida cristã. Eles acreditavam no sacrifício expiatório de Cristo na cruz, mas acabaram desenvolvendo o conceito de que tal sacrifício não provia perdão senão apenas para os pecados passados. Uma vez perdoados, pensavam eles, é nosso dever obedecer a Deus para que finalmente possamos herdar a vida eterna.

O pastor adventista J. F. Ballanger publicou um artigo em 1891, dizendo que, “para dar satisfação aos pecados passados, a fé é tudo. É realmente precioso o fato de que o sangue de Cristo apaga todos os nossos pecados e purifica o registro passado. Somente a fé nos faz apropriar-nos das promessas de Deus”. E ele prosseguiu: “Mas, o nosso dever atual é o que nos compete realizar”. E qual é esse “dever atual”? “Obedeça a voz de Deus e viva, ou desobedeça e morra” (Review and Herald, 20 de outubro de 1891).

Nesse contexto, Ellen White chegou a declarar:

"Como povo, temos pregado tanto a lei até estarmos tão secos como as colinas do Gilboa, que não recebiam nem orvalho nem chuva. […] Não devemos de modo algum confiar em nossos próprios méritos, mas nos méritos de Jesus de Nazaré" (Review and Herald, 11 de março de 1890).

Foi exatamente nesse contexto que dois jovens pastores adventistas, Ellet J. Waggoner e Alonzo T. Jones, apoiados por Ellen White, se levantaram na assembleia mundial da igreja de 1888, em Minneapolis (EUA). Eles enfatizavam que a justiça humana não passava de trapos de imundícia, como diz o profeta Isaías (Is 64:6), tanto antes quanto depois da conversão. Tudo era pela fé em Cristo, diziam eles. Obras de justiça humana não contam, nem antes nem depois de havermos sido justificados.

Várias vezes, Ellen White enfatizou que os adventistas em geral não compreendiam a verdade da salvação pela graça:

"Nossas igrejas estão perecendo por falta de ensino sobre o assunto da justiça pela fé em Cristo e verdades semelhantes" (Obreiros Evangélicos, p. 301).

"O inimigo de Deus e do homem não quer que essa verdade seja claramente apresentada, pois sabe que, se o povo a aceitar plenamente, o seu poder estará despedaçado" (Obreiros Evangélicos, p. 161).

"Os pastores têm de ser ensinados a se demorar mais pormenorizadamente sobre os assuntos que explicam a verdadeira conversão. […] Não há um ponto que necessite ser realçado com mais diligência, repetido com mais frequência ou estabelecido com mais firmeza na mente de todos, do que a impossibilidade de o homem caído merecer alguma coisa por suas próprias e melhores boas obras. A salvação é unicamente pela fé em Jesus Cristo" (Fé e Obras, p. 16).

"Não compreendemos o assunto da salvação. Ele é tão simples como o ABC. Mas não o compreendemos" (Fé e Obras, p. 56).

"Precisamos também de muito mais conhecimento; precisamos ser esclarecidos acerca do plano da salvação. Não existe um dentre cem que compreenda por si mesmo a verdade bíblica sobre este assunto, tão necessário ao nosso bem-estar presente e eterno. Quando começa a brilhar a luz, para tornar claro ao povo o plano da redenção, o inimigo opera com toda a diligência, para que a luz seja excluída do coração dos homens. […] Há grande necessidade de que Cristo seja pregado como única esperança e salvação. Quando a doutrina da justificação pela fé foi apresentada na reunião de Roma [Nova York], ela foi para muitos como água ao viajante cansado" (Mensagens Escolhidas, v. 1, p. 360).

Talvez alguns acreditem que a compreensão equivocada sobre a salvação pela graça seja um problema restrito aos primeiros cristãos e aos primeiros adventistas. Mas, em realidade, hoje a situação não é muito diferente. Uma pesquisa realizada no Unasp, campus Engenheiro Coelho, mostra que muitos adventistas estão confusos quanto à forma como somos salvos por Deus.

O questionário era formado por dez afirmações, todas erradas. Quase 500 pessoas responderam a ele, e o índice geral de erro foi de 47,5%. É verdade que uma ou outra frase pode ser mal interpretada, porque, em contextos distintos, as palavras podem ter diferentes sentidos. Mas a maioria das frases só pode ser compreendida de uma forma. Além disso, a pesquisa mostra uma tendência muito clara. Veja abaixo as dez afirmações e o índice de erro em cada uma delas.

1. Somos salvos por uma combinação de fé e obras: fé no sacrifício de Cristo e obras de obediência aos mandamentos de Deus. – 59,7%

2. Somos salvos unicamente pela fé, mas obediência aos mandamentos melhora nossa imagem diante de Deus. – 20,7%

3. A salvação é pela fé, mas para garanti-la temos que viver de modo digno diante de Deus. – 54,6%

4. Ninguém pode ter a certeza da salvação enquanto seu caráter apresentar falhas e debilidades. – 28,9%

5. Somente Jesus pode resolver o problema de nossos pecados passados, mas a solução para os pecados presentes é uma vida de obediência e santidade diante de Deus. – 55,6%

6. Justificação é o que Deus faz por nós ao nos perdoar; santificação é o que nós fazemos por Ele ao obedecermos Seus mandamentos. – 65,3%

7. Deus exige de nós perfeição, o que só é possível mediante a completa obediência à lei. – 32%

8. A justiça de Cristo aceita pela fé é nosso passaporte para o Céu, mas o visto de entrada é nossa perfeita conformidade aos mandamentos de Deus. – 61%

9. No dia do juízo, nossa absolvição ou condenação dependerá daquilo que fizemos ou deixamos de fazer. – 57,4%

10. Só serão glorificados aqueles que nesta vida alcançarem vitória sobre todos os pecados e tendências pecaminosas. – 43,8%

Nos anos posteriores a 1888, Ellen White passou a enfatizar que devemos continuar a obra da Reforma do século dezesseis (O Grande Conflito, p. 78, 148, 253; Historical Sketches, p. 249). E sabemos que o coração da Reforma Protestante foi a centralidade de Cristo e da Sua graça na obra de salvação.

Mas 133 anos depois, o evangelho de muitos de nós ainda se parece mais com o de Tomás de Aquino (teólogo medieval) do que com o de Lutero e Calvino. Em vez de aprender a lição de 1888 e avançar para a conclusão da obra, muitos de nós continuamos presos à Idade Média, crendo num evangelho muito mais católico que protestante. O seguinte conselho continua muito relevante em nossos dias:

"Exaltem a Jesus, vocês que ensinam o povo, exaltem-nO nos sermões, em cânticos, em oração. Que todas as suas forças convirjam para dirigir ao Cordeiro de Deus almas confusas, transviadas, perdidas. Ergam o ressuscitado Salvador e digam a todos quantos ouvem: Venham Àquele que ‘os amou e Se entregou a si mesmo por nós’ (Ef 5:2). Que a ciência da salvação seja o tema central de todo sermão, de todo hino. Seja ela manifestada em toda súplica. Não introduzam em suas pregações nada que seja um suplemento a Cristo, sabedoria e poder de Deus. Mantenham perante o povo a Palavra da vida, apresentando Jesus como a esperança do arrependido e a fortaleza de todo crente. Revelem o caminho da paz à alma turbada e acabrunhada, e manifestem a graça e a suficiência do Salvador" (Obreiros Evangélicos, p. 160).

Adaptado de Wilson Paroschi, “Antes e depois de Minneapolis”, Parousia, 1º e 2º semestre de 2009, p. 153-163. Disponível integralmente neste site. Via Missão Pós-Moderna.

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