É paradoxal que a tolerância, uma virtude tão imprescindível em nossos tempos, não desfrute ultimamente de boa saúde. Embora o relativismo esteja no auge e nossa sociedade parece mais diversa do que nunca, percebe-se ao mesmo tempo uma forte sensação de tensão social. A violência, o fanatismo, o extremismo, a discriminação, tudo isso demonstra a intolerância que nos envolve.
Cientes desse fato, os países membros da Unesco adotaram, em 1995, uma Declaração de Princípios sobre a Tolerância, considerando-a “uma necessidade para a paz e para o progresso econômico e social de todos os povos”.[1] Essa declaração foi assinada no dia 16 de novembro e, desde então, a cada ano, nessa data, é celebrado o Dia Internacional para a Tolerância.
Permitam-me ser franco, embora tenhamos a tendência de pensar que os outros são o problema: todos podemos ser intolerantes. A intolerância não é patrimônio exclusivo de um grupo ou de uma ideologia. Há jovens e idosos intolerantes, indoutos e instruídos, conservadores e liberais. Há intolerantes contra a religião e há também entre os religiosos.
Porém, isso não deveria ser assim entre os cristãos. Fomos chamados para transmitir e viver uma mensagem de tolerância. Em sua Carta sobre a tolerância,[2] uma obra imprescindível sobre o tema, o filósofo inglês John Locke utiliza os ensinos do evangelho para fundamentar a necessidade da tolerância. Ele raciocina que se, mesmo tendo a possibilidade de fazê-lo, Jesus decidiu não impor a religião, então muito menos devem fazê-lo a Igreja e o Estado. Locke é conhecido como o pai do liberalismo clássico e suas ideias sobre a tolerância influenciaram notadamente nossa noção moderna de liberdade religiosa e de consciência.
Contudo, os cristãos nem sempre são destacados por seu espírito tolerante. Possivelmente isso se deva, em parte, a uma compreensão errônea do que é a sã tolerância. Tolerância não é o equivalente à indiferença. Nem tampouco é indulgência diante do erro. Pelo contrário, baseia-se no reconhecimento de que, a despeito de nossas diferenças, com nossos acertos e erros, todos temos valor e todos somos iguais em dignidade e direitos. A tolerância, bem compreendida, nunca parte da superioridade.
Gostaria de destacar três ideias que subjazem ao conceito de tolerância assim concebido. A primeira é que nenhuma pessoa tem o monopólio da verdade. Naturalmente, todos acreditamos (e até mesmo, às vezes, sabemos) que temos razão. Mas uma coisa é acreditarmos de todo coração que estamos certos e outra, muito diferente, é pensar que como seres humanos temos toda a verdade, que o outro não tem razão em nada, ou que não há margem para que possamos estar equivocados em algo. O simples fato de admitir essa possibilidade deveria gerar em nós uma sensação de humildade e de tolerância para com os demais. Como Jesus deixou claro, todos temos ao menos um cisco, quando não uma viga, nos olhos.[3]
Mas mesmo que não fôssemos capazes de reconhecer nenhuma possibilidade de erro pessoal ou de acerto dos demais, ainda há espaço para a tolerância. Ou dizendo de forma melhor, é aí onde realmente o espírito tolerante é demonstrado. Como Evelyn Hall faz Voltaire dizer: “Eu discordo do que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê–lo”.[4] A tolerância assim entendida não é apenas suportar condescendentemente o erro alheio. Antes, é o respeito às ideias e às crenças dos demais que são diferentes e até mesmo contrárias às nossas.
Por último, a tolerância é uma demonstração do amor ao próximo. O apóstolo Paulo nos chama a ter “tolerância pelas faltas uns dos outros por causa do amor”,[5] e ao falar da tolerância somos lembrados que o amor “é o vínculo da perfeição”.[6] Por esse motivo, não deveria ser difícil aos cristãos compreenderem o valor da tolerância. Temos um Deus que, a despeito do que somos e do que fazemos, não apenas nos “suporta”, mas nos ama. Um Deus que ama incondicionalmente. Não há melhor exemplo de sã tolerância do que esse.
Referências
[1] Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, “Declaração de Princípios sobre a Tolerância”, Paris, 1995. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001315/131524porb.pdf.
[2] Locke, John. Carta Sobre La Tolerancia. Barcelona: Grijalbo, 1975.
[3] Lucas 6:41-42.
[4] Tallentyre, S. G. The Friends of Voltaire. London: Smith, 1906. 176-205.
[5] Efésios 4:1-3, BV.
[6] Colossenses 3:11-14, RA.
Juan Martin Vives (via ASN)
"Todas as relações da vida pedem o exercício do domínio próprio, da paciência e simpatia. Nós diferimos tanto em disposição, hábitos, educação, que variam nossas maneiras de ver as coisas. Julgamos diversamente. Nossa compreensão da verdade, nossas idéias quanto à conduta na vida, não são idênticas em todos os respeitos. Não há duas pessoas cuja experiência seja a mesma em todos os particulares. As provações de uma não são as da outra. Os deveres que uma pessoa acha leves, são para outra os mais difíceis e embaraçosos" (Ellen G. White - Conselhos sobre a Escola Sabatina, p. 102).
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