O livro do Apocalipse fecha com chave de ouro o cânon das Sagradas Escrituras. Foi colocado ali como a coroa do Novo Testamento. Não somente inspira fé no triunfo final do reino de Cristo, mas também constitui uma promessa de que as esperanças da igreja chegariam a seu tempo a uma consumação gloriosa. Não somente o Novo Testamento dá evidência de seu Autor divino, mas o livro do Apocalipse obedece a um planejamento. Ele se abre com mensagens endereçadas a sete igrejas típicas no mundo e se encerra com a visão majestosa da cidade celeste que não tem templo, porque “seu templo é o Senhor Deus todo-poderoso” (Ap 21:22). Ele descreve em rápidas visões as vicissitudes da igreja desde seu início até seu triunfo glorioso. E dentro da narrativa se encontram as sete bem-aventuranças, não menos preciosas por estarem, por assim dizer, ocultas na mina de ouro da verdade.
Peguemos essas sete jóias uma a uma, e as examinemos à luz de todo o Apocalipse. Elas nos lembram as oito bem-aventuranças com que Cristo saudou a família humana ao expor a natureza de Seu reino, no Sermão da Montanha. É o mesmo Salvador amante que pronuncia essas bênçãos singulares para assegurar à Sua igreja que Ele é Aquele que “nos ama” e que logo virá “com as nuvens” (Ap 1:5 e 7).
1. “Bem-aventurado aquele que lê, e os que ouvem as palavras desta profecia, e guardam as coisas que nela estão escritas; porque o tempo está próximo” (Ap 1:3).
Prevendo a negligência com que o livro seria tratado mesmo por professos amantes das Escrituras, Jesus pronuncia uma bênção sobre todos que o leriam. O grego sugere uma leitura em voz alta, que era muito importante quando livros eram copiados à mão e poucos os podiam ler. O importante era ler, ler com a mente aberta, numa atitude de oração, o livro todo, visto que o livro é a “revelação de Jesus Cristo, a qual Deus Lhe deu, para mostrar a Seus servos as coisas que brevemente devem acontecer” (verso 1). Como podemos negligenciar uma bênção tão grande conferida à igreja como esse livro, o qual, como nenhum outro, exalta a Cristo e revela à igreja Sua posição na corrente da História?
“E abençoados são aqueles que ouvem e que guardam.” Muitos estudam o livro do Apocalipse como literatura. Mesmo como literatura, seu impacto sobre o leitor moderno é extraordinário. Suas metáforas são majestosas como o céu e tão inspiradoras como a eternidade. Reverberam com as cadências dos coros angélicos quando cantam: “Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus, o Todo-poderoso que era, e que é, e que há de vir” (Ap 4:8). É grandioso como literatura, mas a bênção mais duradoura é reservada para aqueles “que guardam o que nele está escrito”. Não basta ser um espectador do grande drama dos séculos, como é retratado no livro. Abundante alegria aguarda aqueles que rendem a alma em obediência aos apelos do Espírito, quando Ele fala ao coração individual: “Vem! E quem tem sede venha; e quem quiser tome de graça da água da vida” (Ap 22:17).
“Porque o tempo está próximo.” Se havia uma bênção para os leitores do Apocalipse nas comunidades cristãs primitivas que sofriam perseguições cada vez piores pelas autoridades, e com heresias insidiosas dentro de suas próprias fileiras, maior ainda é a bênção agora, quando a salvação está às portas e a história está rapidamente alcançando seu clímax. “O tempo está próximo” para cada geração sucessiva no palco da História. Uns poucos anos rápidos e a cortina se fecha. No relógio da eternidade, mesmo a procissão implacável dos séculos é como o bater dos segundos. O tempo marcha! Página após página das profecias da Bíblia se cumpriram, e a convicção é inevitável de que estamos no limiar de acontecimentos solenes.
2. “Bem-aventurados os mortos que, desde agora, morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, para que descansem dos seus trabalhos, e as suas obras os sigam” (Ap 14:13).
Um dos objetivos principais do Apocalipse era fortalecer a resolução do crente em face de um martírio possível. A mensagem à igreja de Esmirna – “Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida” (Ap 2:10) – deve ter encorajado muito crente vacilante em face do dilema de adorar o imperador como Senhor, ou perecer. De muitos é dito: “Não amaram a sua vida até à morte” (Ap 12:11). Quando o velho Policarpo, bispo de Esmirna, foi intimado a comparecer no tribunal como cristão e sendo-lhe dada a oportunidade de retratar-se, ele pronunciou com resolução as palavras memoráveis: “Oitenta e seis anos eu O servi, e Ele nunca me falhou; como então posso negar meu Rei que me salvou?”
Repetidamente era uma causa de assombro às autoridades pagãs o testemunho da coragem inabalável dos cristãos, dispostos a suportar o martírio, se o nome de Deus pudesse assim ser glorificado. Os perseguidores ficavam surpresos na presença de suas vítimas, porque nada conheciam da graça divina que os animava. Não teria sido essa segunda bem-aventurança um fator potente em sustentar a fé de muito cristão em face da morte?
Podemos imaginar que se uma tristeza se refletia no semblante desses mártires, era a de abandonar seu trabalho de amor, para dizer adeus àqueles que estavam levando a Cristo. Mas era tanto deles como nossa, a garantia do Espírito de que seu labor não fora em vão. Seu testemunho, selado por uma entrega completa a Cristo, continuaria a exercer uma influência salvadora sobre a posteridade. “Suas obras os seguem.”
Nem todo cristão é chamado ao martírio, mas todos são chamados a uma vida de serviço dedicado a Cristo. A segunda bem-aventurança pertence a todos eles. Ninguém precisa imaginar, quando chamado ao descanso, se seus trabalhos foram em vão. Abel, embora morto, ainda fala (Hb 11:4). A moedinha da pobre viúva ainda inspira liberalidade. O perfume do vaso de alabastro quebrado sobre os pés de Jesus, ainda espalha sua preciosa fragrância. Ninguém pode medir o círculo de influência crescente motivado pela vida de um cristão devoto.
3. “Bem-aventurado aquele que vigia” (Ap 16:15).
Esta bem-aventurança é colocada no contexto do sexto flagelo. Um estudo cuidadoso dos capítulos 15 e 16 revela o fato de que os sete últimos flagelos simbolizam julgamentos sobre uma humanidade impenitente, depois do encerramento do tempo da graça. A misericórdia de Deus não é ilimitada. As Escrituras deixam claro que haverá um último apelo ao arrependimento. Este último apelo é representado pela mensagem dos três anjos de Apocalipse 14. A primeira mensagem (versos 6 e 7) anuncia que a hora do juízo divino é chegada. Este julgamento, ainda futuro no tempo do apóstolo Paulo, tinha, não obstante, seu dia designado no calendário divino de eventos (Atos 17:31). O tribunal celeste está agora em sessão. Esta verdade bíblica, reconhecida há mais de um século, foi proclamada com poder crescente desde esse tempo.
A segunda mensagem (Ap 14:8) é uma advertência a não confundir os ensinos de uma igreja apóstata com os ensinos das Escrituras. A terceira mensagem emprega termos ainda mais severos e adverte a todos contra o conformismo ao relativismo moral que desafia a lei imutável de Deus, e encoraja submissão a uma instituição religiosa inventada pelos homens, em oposição a um mandamento expresso de Deus. Aquele que escolhe deslealdade ao Criador, “beberá o vinho da ira de Deus”, que encontra expressão nos terríveis julgamentos de Apocalipse 16.
Esses julgamentos são seguidos pela cena portentosa da segunda vinda de Cristo. A rapidez dramática dos acontecimentos vindouros é expressa pela advertência: “Eis que venho como ladrão” (Ap 16:15). Às multidões da Terra, a despeito de repetidas advertências, o advento glorioso de Cristo virá como uma terrível surpresa. Não precisava ser assim. Quão trágico que o dia no qual a esperança de todos os séculos encontra seu desfecho, tomasse a tantos desprevenidos!
Não é apenas o Apocalipse que levanta a bandeira de advertência. O apóstolo Paulo também advertiu: “Pois que, quando disserem: Há paz e segurança, então lhes sobrevirá repentina destruição” (1Ts 5:2 e 3). Há alguns anos, em Nova Iorque, sob os auspícios do Centro para o Estudo das Instituições Democráticas, um grupo distinto de teólogos e filósofos, historiadores e diplomatas, se reuniu para discutir a encíclica do Papa João XXIII, Pacem in Terris (Paz na Terra). A reunião desses notáveis sublinha o anseio da humanidade pela paz.
Em vista do persistente apego da humanidade às coisas terrestres, quão solenes são as palavras: “Bem-aventurado aquele que vigia e guarda as suas vestes, para que não ande nu, e não se veja a sua vergonha” (Ap 16:15). As vestes têm um papel importante no simbolismo do Apocalipse. Somente as vestes brancas da justiça de Cristo qualificam o crente a ficar de pé na presença de um Deus santo. É possível perder essa veste e ser visto exposto aos olhos do Universo. Quão oportuna é, então, a advertência de guardar suas vestes, isto é, guardar-se envolto na justiça de Cristo, a cada momento.
4. “Bem-aventurados aqueles que são chamados à ceia das bodas do Cordeiro” (Ap 19:9).
A reunião de Cristo e Sua igreja no final da história é chamada “bodas do Cordeiro”. Vinte e oito vezes é Cristo chamado “o Cordeiro”, no livro do Apocalipse. É como o Cordeiro de Deus morto desde a fundação do mundo, que Cristo remiu o homem da escravatura do pecado. Segundo Apocalipse 5:9, o direito de Cristo abrir o pergaminho da história da redenção, e presidir sobre o desenrolar do drama como Senhor e Salvador, fundamenta-se no fato de que Ele é o Cordeiro que foi morto, por cujo sangue o homem foi resgatado por Deus.
O livro do Apocalipse poderia ter sido chamado “a história de um casamento há muito esperado”. No Calvário, Cristo pagou o preço de nossa redenção. De lá para cá, a igreja de Cristo é Sua “propriedade peculiar”. Mas a festa de casamento não pode se realizar até que o número pleno dos remidos esteja completo. Em Mateus 22:2 e 3, Jesus comparou o reino do Céu a um “rei que celebrou as bodas de seu filho; então, enviou os seus servos a chamar os convidados para as bodas”. O convite ainda se repete, sempre que o evangelho é pregado. Quão gratos nos deveríamos sentir, uma vez que nós também estamos sendo convidados a esse cerimonial! Verdadeiramente abençoados “são aqueles que são convidados às bodas do Cordeiro”. Participar dessa festa de casamento é ser herdeiro de todas as alegrias da eternidade. E a alegria suprema, que a todas excede, é que os hóspedes “verão o Seu rosto, e na sua testa estará o Seu nome” (Ap 22:4).
5. “Bem-aventurado e santo aquele que tem parte na primeira ressurreição; sobre estes não tem poder a segunda morte” (Ap 20:6).
Bem-aventurados aqueles que têm parte “na primeira ressurreição”. Que encorajamento aos crentes fiéis que foram torturados ou queimados durante as cruéis perseguições que mancharam as páginas da história romana e medieval! Tribunais humanos poderiam privar um cristão de sua vida na Terra, mas nunca poderiam privá-lo de participar na primeira ressurreição. O fato de que alguns descem à sepultura em pleno vigor, enquanto outros enfrentam a morte quando a idade e a enfermidade roubaram todo o encanto da vida, não significa que Deus Se esqueceu dos Seus. Deus não esquece jamais. Os nomes dos Seus santos estão gravados nas palmas de Suas mãos, disse Isaías. “Preciosa é aos olhos do Senhor a morte dos Seus santos”, confirma o salmista (Sl 116:15).
Para muitos, a primeira morte é a bendita libertação de sofrimento inexprimível. Para o justo, a morte é o raiar de uma nova manhã brilhante, com a promessa de vida eterna. “Não vos maravilheis disso, porque vem a hora em que todos que estão nos sepulcros ouvirão a Sua voz. E os que fizeram o bem sairão para a ressurreição da vida.” Mas Jesus acrescentou: “E os que fizeram o mal, para a ressurreição da condenação” (João 5:28 e 29).
A primeira ressurreição, portanto, fala de vida e regozijo para todo o sempre. Ter parte nela é um privilégio inestimável. É por isso que o evangelho é de fato “novas de grande alegria”. Com isto em vista é que Cristo morreu a morte do Calvário, para que pudéssemos participar da vida de Deus. O filósofo inglês C. Joad, depois de gastar muitos anos no labirinto do ceticismo, voltou-se para o cristianismo quando reconheceu que a mensagem fundamental do Novo Testamento é “a vida eterna, por Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 6:23). É a nota triunfal em cada evangelho. Soa com um crescendo persistente em cada epístola e culmina com o glorioso final do Apocalipse.
6. “Bem-aventurado aquele que guarda as palavras da profecia deste livro” (Ap 22:7).
O profeta está chegando ao ponto final de sua mensagem. Sua preocupação principal era a de formular, em palavras inteligíveis, o conteúdo daquelas visões celestes que lhe foram dadas em Patmos, as quais abraçaram, num panorama abrangente, acontecimentos até onde o tempo mergulha na eternidade. Foi difícil para João descrever o desenrolar da grande controvérsia entre a luz e as trevas que começou no Céu e transferiu-se para o palco deste planeta, assumindo aspectos mutantes, mas essencialmente envolvendo os mesmos atores. Muito mais difícil, porém, foi descrever a restauração de todas as coisas depois do milênio, a descida da Nova Jerusalém e as glórias da Santa Cidade com “o rio da água da vida, brilhante como cristal, que sai do trono de Deus e do Cordeiro” (Ap 22:1). Mas quer elas se refiram aos portentos no Céu ou na Terra, as palavras do Apocalipse, a despeito de seu simbolismo obscuro, tinham em vista um grande alvo: fortalecer a igreja e cada crente individual para as crises sucessivas no conflito dos séculos.
Bem-aventurado, portanto, é aquele que guarda as palavras da profecia deste livro. De Júlio César, o historiador Suetônio relata que, quando ele ia subindo para o edifício do Senado, naquela manhã fatal de março, um mensageiro apertou em suas mãos uma nota advertindo-o da conspiração contra sua vida. César estava tão preocupado com os negócios importantes do governo que não quis tomar tempo para lê-la. Mais de um soldado perdeu a vida porque instruções enfiadas em seu bolso foram ignoradas. Todas as advertências, todos os convites da graça contidos no Apocalipse, de nada valerão se não forem lidos. De outro lado, um enriquecimento espiritual compensará todos aqueles que examinam essas profecias como a tesouros escondidos.
7. “Bem-aventurados aqueles que lavam as suas vestiduras no sangue do Cordeiro, para que tenham direito à árvore da vida e possam entrar na cidade pelas portas” (Ap 22:14).
Esta é a leitura nos melhores manuscritos, embora outros bons manuscritos também rezem: “Bem-aventurados são aqueles que guardam seus mandamentos.” É difícil palmilhar as veredas da vida sem manchar nossas vestes com a nódoa do pecado. Porém, desde o Calvário há uma “fonte aberta” para todos que “queiram lavar-se do pecado e da impureza” (Zc 13:1). Antes da última ceia, quando Jesus estava lavando os pés de Seus discípulos, Ele disse a Pedro: “Se Eu não te lavar, não tens parte comigo” (João 13:8). Pedro imediatamente compreendeu que o lavar dos pés era um símbolo da purificação do pecado, no coração. João também o compreendeu, pois em sua primeira epístola usou a mesma expressão: “E o sangue de Jesus, Seu Filho, nos purifica de todo pecado” (1 João 1:7).
Ter as vestes lavadas expressa a relação mais sagrada do discípulo para com o seu Senhor. Significa aceitar em sua plenitude o poder purificador de Seu sangue. Se vestes sujas denotam uma vida manchada pelo pecado, vestes lavadas simbolizam uma vida totalmente rendida a Cristo.
Todo aquele cujo coração foi purificado por Cristo, guardará voluntariamente Seus mandamentos. É a resposta espontânea de um coração regenerado pela graça de Cristo.
Aqueles, pois, cujas vestes foram lavadas, “têm direito à árvore da vida”. No simbolismo das Escrituras, partilhar da árvore da vida é desfrutar a vida eterna, da qual Deus é a única fonte. É obter a vitória sobre o último inimigo do homem, a saber, a morte. Desta experiência Paulo escreveu: “Porque convém que isto que é corruptível se revista da incorruptibilidade e que isto que é mortal se revista da imortalidade” (1Co 15:53).
Com esta última bem-aventurança, João deixa o crente dentro dos portais da cidade celeste, herdeiro de todas as bênçãos que um Deus amorável tem em reserva para os Seus. As glórias inefáveis do Céu são suas, em Cristo.
Siegfried J. Schwantes (via Revista Adventista)
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