sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

PECADOS INVOLUNTÁRIOS E PECADOS INTENCIONAIS

É possível o cristão viver sem pecar? Para responder a essa pergunta, é necessário saber que existem dois tipos de pecados: intencional e involuntário. O pecado intencional é deliberado, resultado da escolha consciente de contrariar a vontade de Deus e seguir os ditames da própria inclinação pecaminosa. Trata-se do pecado da rebelião, muito bem descrito no hebraico como o pecado “da mão levantada” (Nm 15:30). A ideia talvez seja a do braço levantado e pulso cerrado em atitude de total desafio e afronta a Deus. Em português, a tradução ficou assim: “A pessoa que fizer alguma coisa atrevidamente”.

Já o pecado involuntário, ou acidental, é aquele que resulta da fraqueza da nossa natureza pecaminosa, e não de uma vontade deliberada de se opor a Deus. Aqui entra a questão mais fundamental quanto ao pecado: todos nós temos uma natureza pecaminosa, descrita por Paulo como a habitação interior do pecado (Rm 7:14, 17, 18, 20, 21), ou como a “lei do pecado” que existe em nós (Rm 7:23, 25; 8:2). Essa natureza é inteiramente oposta a Deus (Rm 8:7; Gl 5:17). Hereditária (Rm 5:12, 19; Ef 2:3), é como se, no momento em que Adão pecou, sua corrente sanguínea se tornasse envenenada, e nós sofremos desse envenenamento de sangue desde o momento em que nascemos.

Outra característica da natureza pecaminosa é sua universalidade. Nenhum dos descendentes de Adão, excetuando-se Cristo (Rm 8:3; 1Co 15:45-49), está isento dela, o que explica o fato de que todos, novamente à exceção de Cristo (Jo 8:46; Hb 4:15; 1Pe 2:22), “pecaram e carecem da glória de Deus” (Rm 3:23; cf. v. 10-12).

Essa natureza tem um caráter definitivo nesta vida. Paulo é claro ao afirmar que é somente por ocasião da segunda vinda de Cristo que os justos serão transformados, que a natureza pecaminosa será erradicada e o corpo finalmente redimido do cativeiro da corrupção (Rm 8:19-23; 1Co 15:20-23, 50-58).

Por ser tão contrária à vontade de Deus, a natureza pecaminosa impede perfeita obediência à lei divina. Talvez a passagem bíblica mais clara a esse respeito seja Romanos 7:14-25. Lendo-a com atenção, percebemos por que Paulo – ou o cristão convertido – é incapaz de satisfazer plenamente a justiça da lei. O tipo de pecado ali descrito não é o pecado intencional, mas o pecado que não queremos cometer e que acabamos cometendo por causa do pecado que habita em nós.

Outros textos bíblicos que falam do pecado involuntário são 1 João 5:17, 18 e 3:9. Sobre pecados intencionais, veja também Hebreus 10:26, 27 e 1 João 5:16, 17. Em 1 João 1:6-9, o apóstolo fala dos dois tipos de pecados, intencionais e involuntários.

Voltando à pergunta inicial, é possível viver sem pecado? A resposta é sim e não. Depende de qual pecado estamos falando. Se for do pecado intencional, a resposta é sim. Se for do pecado involuntário, a resposta é não. Pelo poder de Cristo, a pessoa pode ter sua vontade santificada ao ponto de que o pecado não mais será uma escolha, uma atitude deliberada de se opor à vontade de Deus, de se rebelar contra Ele.

Naturalmente, isso é um processo. Ninguém da noite para o dia será forte o bastante para nunca mais escolher pecar. É por isso que precisamos de arrependimento e confissão (1 Jo 1:9), bem como da intercessão de Cristo no santuário celestial (1 Jo 2:1). Porém, pela operação santificadora do Espírito Santo, podemos escolher não pecar mais, ou não permitir que nossa vontade nos leve a contrariar deliberadamente a vontade de Deus. Quando se encerrar o tempo de graça, os justos terão feito sua escolha definitiva ao lado de Deus e não vão mais mudá-la. O mesmo acontecerá com os ímpios: sua rejeição da oferta salvífica de Deus será definitiva e irrevogável (Ap 22:11).

Quanto aos pecados involuntários, que não são resultado da escolha, mas sim da natureza pecaminosa, a vitória completa só será obtida por ocasião da glorificação. Há poder em Jesus para sermos transformados, e santificação não é outra coisa senão o processo de regeneração do caráter operado pelo Espírito Santo, a transformação da natureza interior para que ela volte a refletir a imagem perfeita de Deus com a qual fomos criados (Rm 8:11). Tal transformação não se completa nesta vida, nem é inevitável. Mesmo que tenhamos nascidos de novo, ela pode ser comprometida por nossa negligência em manter comunhão com Deus e permitir que Ele continue operando em nós (Rm 6:12, 13; 8:13; 1Co 9:27; Gl 5:16).

Um dia, felizmente, o pecado será eliminado em todas as suas dimensões.

Wilson Parorschi (via Revista Adventista - Título original: Vida impecável)

Vejamos também esta análise de Ángel Manuel Rodriguez da Revista Adventist World:

Os principais termos bíblicos para “pecado não intencional” no Antigo Testamento são o substantivo shagagah (engano, erro) e o verbo shagag/shagah (errar, enganar ou induzir ao erro). O significado desses termos é, de certo modo, uma questão de debate. Examinaremos o uso tanto do substantivo como do verbo e comentaremos a frase “pecado arrogante”. Isso pode ajudar a esclarecer o significado de pecado involuntário.

1. Shagagah: Esse substantivo tem sido traduzido de diferentes formas: “ignorância” (ARA), “inadvertência” (BJ e AA), “sem querer” (NTLH), “sem intenção” (NVI). A tendência é compreendê-lo como expressando a ideia de ignorância ou falta de intenção. Essa interpretação encontra apoio em algumas expressões paralelas usadas juntamente com a palavra. Em alguns casos, dizem que a pessoa não sabia (Levítico 5:17), não tinha conhecimento (Josué 20:3), não tinha consciência do pecado cometido (Levítico 5:2) ou que ele ou ela souberam mais tarde (Levítico 5:3).

Mas o substantivo shagagah é usado no contexto do pecado consciente, quando a pessoa tem consciência de que pecou (Levítico 4:22-23). O elemento da intencionalidade pode estar presente nesse caso em particular, mas não em outros (Números 35:11; Deuteronômio 19:4-5). Isso sugere que esse substantivo designa pecado involuntário ou cometido por ignorar a lei, pecado involuntário ou mesmo inadvertido. Necessariamente, isso não exclui consciência e intenção.

2. O verbo Shagag/Shagah: Esse verbo se refere ao pecado inconsciente (Jó 6:24; 19:4; Ezequiel 45:20). Porém, designa mais frequentemente o pecado como um erro que, embora evitável, não foi evitado. Isaías usa esse paralelo com o verbo “cambalear”, descrevendo o cambaleio da pessoa bêbada (Isaías 28:7 NVI). Essa é uma conduta involuntária porque, como resultado do efeito do álcool, a pessoa é incapaz de andar ereta. Em outro caso, pela falta de pastores ou líderes, o rebanho de ovelhas se desvia do caminho e se dispersa (Ezequiel 34:5). Elas não têm autocontrole e orientação. O livro de Provérbios declara que a falta de disciplina faz com que a pessoa cambaleie (Provérbios 5:23; conforme 19:27). Isso também acontece quando uma pessoa é indiferente para com Deus (Salmos 119:67; conforme verso 21).

Esses textos parecem descrever a condição comum do ser humano que só pode ser melhorada mediante autodisciplina. Em certo sentido esse tipo de comportamento é involuntário; por nós mesmo só nos perdemos e fazemos o que é errado. Esse tipo de pecado não é apenas um pecado de ignorância. Saul, após saber que Davi havia poupado sua vida, tentou se reconciliar com ele e confessou: “Pequei […] não tornarei a fazer-te mal; […] tenho procedido como louco e errado [shagah] excessivamente” (1Samuel 26:21 ARA). Ele chamou sua tentativa de matar Davi de erro, embora tenha intencionalmente procurado tirar sua vida. A falta de autocontrole levou Saul a atacar Davi.

3. Pecado Arrogante: O pecado “involuntário” é contrastado com o pecado arrogante (Números 15:30-31), representado pela atitude rebelde e desafiadora contra Deus, manifestada pelo total desrespeito por Ele e por Sua vontade. Para esse tipo de pecado não há expiação e a pessoa é desconectada permanentemente do povo de Deus. Ele pode ser intencional ou não, mas o principal significado do verbo é o fato de que a pessoa errou e necessita de expiação.

O pecado “involuntário” parece designar pecados cometidos como resultado de uma natureza humana que é fraca e incapaz de controlar-se. A pessoa não estava rompendo com o Senhor, pois o pecado foi resultado da fragilidade humana. Nessa condição, eles pecaram sem saber, sem querer, sem saber o que estavam fazendo. Talvez possamos nos referir a eles como pecadores involuntários. A falta de autocontrole ou intencionalidade, e até mesmo ignorância, não é desculpa para esse pecado, mas o perdão está sempre disponível para ele (conforme 1João 2:1-2). O Senhor pode nos dar vitória sobre nossa natureza caída: “Eu Te busco de todo o coração; não permitas que eu me desvie [shagah] dos Teus mandamentos” (Salmos 119:10 NIV).

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