1. Cristianismo abstrato é aquele de quem acredita nas realidades espirituais mas não interage com elas. Por exemplo, acreditar em Deus pode ser o mesmo que acreditar na existência de Barak Obama sem nunca ter apertado sua mão, ou na existência da Austrália e no Amazonas sem nunca ter visitado o país ou navegado as águas do rio. Isto é, “acreditar na existência de” é diferente de “se relacionar com”. Quem acredita na existência de Deus, mas não se deixa afetar por Ele, não tem vantagem alguma sobre o diabo, que também acredita que Deus existe (Tiago 2.19).
2. Cristianismo abstrato é aquele baseado em ritualismo litúrgico, sem afeto: “Esse povo faz um grande show, dizendo as coisas certas, mas o coração deles não está nem aí para o que dizem. Fazem de conta que me adoram, mas é tudo encenação”, reclama Deus pela boca do profeta Isaías (29.13, A Mensagem) – espiritualidade sem lágrimas, culto sem paixão, devoção mecânica, rituais automatizados e bailado de bonecos.
3. Cristianismo abstrato é aquele onde as convicções doutrinais têm primazia sobre a prática da generosidade. A experiência de fé dogmática arrebata o fiel para o mundo das ideias, onde não existe corpo, carne e sangue, não existem pessoas, apenas grandes cérebros sem qualquer capacidade de amar. Gasta-se muito tempo discutindo se o teísmo é aberto ou fechado, e, conclusões feitas, surgem os julgamentos e as agressões pessoais que negligenciam a generosidade, a fraternidade, e a mínima educação e o respeito que devemos uns aos outros, todos esquecidos de que “o conhecimento traz orgulho, mas o amor edifica”, ou que “o coração humilde pode nos ajudar muito mais do que a mente orgulhosa” (1 Coríntios 8.1, A Mensagem).
4. Cristianismo abstrato é aquele que supervaloriza o moralismo em detrimento do engajamento social. O conceito de vida piedosa fica restrito aos pecados íntimos, notadamente relacionados com sexo, considerando os pecados estruturais e sociais, como a pobreza, a injustiça e a corrupção, coisa de menor importância. Os moralistas se escandalizam mais facilmente com homossexuais andando de mãos dadas na Avenida Paulista do que com mendigos embriagados estirados nas calçadas.
5. Cristianismo abstrato é aquele que proclama a expectativa do céu sem a consequente convocação para a responsabilidade histórica. A utopia do reino de Deus, que deveria ser inspiração para o cuidado da criação de Deus, é transformada em argumento de fuga escatológica: “Já que o mundo vai acabar mesmo, e vamos para o novo céu e a nova terra, que se dane o leontopithecus rosalia [mico-leão-dourado]”.
6. Cristianismo abstrato é aquele que se relaciona com o mundo dos espíritos sem a contrapartida da participação no mundo dos homens. Meu amigo tinha uma carranca do folclore peruano em seu gabinete pastoral. Alguém entrou na sala e disse que aquilo era coisa do diabo e deveria ser destruída. O pastor perguntou: “Em quem você votou na última eleição?”. Após a resposta, meu amigo concluiu: “Não adianta nada amarrar o diabo nas religiões celestiais e deixá-lo solto aqui em baixo”. Risos.
7. Cristianismo abstrato é aquele onde a religião está separada da vida. O mundo é dividido entre religioso e secular: de um lado ficam os santos redimidos pelo sangue do Cordeiro e do outro os pagãos que marcham céleres para o inferno. A igreja deixa de ser sal da terra e passa a ser “sal no saleiro”.
8. Cristianismo abstrato é aquele que se sustenta em clichês a respeito de como a vida deve ser sem a coragem para encarar a vida como ela é. O elevado padrão ético do evangelho não pode desconsiderar a realidade concreta das pessoas e das comunidades cristãs, que convivem com pedófilos, corruptos, abusadores, gente dissimulada e mau caráter de todo tipo e práticas imorais de toda sorte. Quem proclama o evangelho não pode brincar de “tapar o sol com a peneira”.
9. Cristianismo abstrato é aquele fundamentado no “eu” sem “nós”. Tem gente que confunde pessoalidade (“O Senhor é o meu pastor”) com individualismo (“O pão é nosso, não apenas meu”). O privatismo egocêntrico prevalece sobre a comunhão solidária, e todo mundo tenta se relacionar com Deus enquanto olha apenas para o próprio umbigo.
10. Cristianismo abstrato é aquele onde a religião é à la carte, sem sujeição à autoridade da revelação de Deus, que conhecemos como Bíblia. Quando cada um escolhe o que crer, de acordo com sua própria lógica e suposto bom senso, a mensagem cristã acaba sendo transformada num mix barato de folclore popular, filosofia em gotas, misticismo pagão e autoajuda espiritualista.
11. Cristianismo abstrato é aquele onde prevalecem as questões de foro íntimo sem satisfações comunitárias. Uma fé sem dimensões públicas, com ênfase exagerada em privacidade e preservação da intimidade, negligencia o fato de que “somos membros uns dos outros, e quando um membro do corpo sofre, todos os outros sofrem com ele; quando um membro é honrado, todos os outros se alegram com ele” (1 Coríntios 12.26).
12. Cristianismo abstrato é aquele onde existe carisma sem caráter. Muita profecia, muito exorcismo em nome de Jesus, sem submissão à vontade de Deus. Muita língua estranha que nem mesmo o Espírito Santo entende. No dia do juízo, muita gente cheia de carismas vai se espantar quando ouvir Jesus dizer: “Tudo o que vocês fizeram foi me usar para virar celebridades. Fora daqui” (Mateus 7.23, A Mensagem).
13. Cristianismo abstrato é aquele que tem um Deus de invocação e outros muitos de devoção. Tem muita gente que invoca o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo em suas orações, mas toma decisões no dia a dia e organiza a vida ao redor do dinheiro, da família, de um romance, da carreira profissional ou de qualquer outra pseudo sutil divindade idolátrica.
14. Cristianismo abstrato é aquele de quem ora: “Vem nós tudo, ao vosso reino nada” (ser servido versus servir). As pessoas ouviram que “Jesus Cristo é o Senhor” e acreditaram que nesse caso Ele pode fazer tudo por elas, em vez de concluírem o óbvio, a saber, que elas devem fazer tudo por Jesus.
15. Cristianismo abstrato é aquele que se contenta com “amor” a Deus sem amor ao próximo, esquecido de que “ver a face do irmão é como contemplar a face de Deus” (Gênesis 33.10), ou quem sabe, que a única maneira de contemplar a face de Deus é contemplando a face do irmão, pois para enxergar o Deus que não se vê, é preciso enxergar o irmão que está bem diante dos olhos (1 João 4.20).
Ed René Kivitz (via Missão Pós-Moderna)
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