A Igreja Adventista do Sétimo dia surgiu em 1863 como movimento escatológico, enfatizando claramente a segunda vinda de Cristo. Passados quase 160 anos proclamando esse evento, continuamos esperando a concretização dele; e isso tem suscitado algumas interrogações: “Está demorando?” “Podemos apressar a segunda vinda de Jesus?” Na tentativa de responder a tais perguntas, têm sido sugeridas basicamente duas respostas. Alguns creem que Jesus ainda não veio porque está esperando que Seu povo se consagre e testemunhe diligentemente; ou seja, o povo é responsável pela demora. Em contraposição, outros sugerem que Cristo voltará somente de acordo com Sua determinação, e que nada podemos fazer para apressar ou retardar o momento estabelecido para Sua vinda.1
Deus no controle
Na defesa dessa posição, entre outros teólogos, Arnold Wallenkampf parece ressaltar a soberania absoluta de Deus, com respeito à parousia. Nesse sentido, a providência e a onisciência divinas parecem desempenhar papel fundamental. “Deus, por meio de Sua providência, preparará o momento da segunda vinda de Cristo… Nem por um instante devemos pensar que podemos mudar o que Ele planejou e estabeleceu.”2 Imaginar que “seres humanos pecadores sejam capazes de atar as mãos do Onipotente, ao ponto de Lhe impedir de levar a cabo Seus planos” é “o cúmulo da arrogância”. Crer que o ser humano pode desempenhar algum papel importante nesse sentido seria “blasfêmia”.3
Dentro desse pensamento, a concepção da demora é ilógica. Demora é um prolongamento de tempo além do previsto, o que supõe que houve fracasso no cumprimento do prazo antecipadamente estipulado. Percebe-se claramente que Wallenkampf parte de uma concepção atemporal de Deus. Para ele, “Deus é maior que o tempo. O tempo existe em Deus; não é que Deus vive no tempo…”4 Ele considera que, ainda que o ser humano fracione sua existência em tempos verbais: passado, presente e futuro, “não ocorre o mesmo com Deus. Para Deus, não há diferença entre passado, presente e futuro”.5
Esse pensamento conduz Wallenkampf a um conceito de soberania absoluta de Deus, em relação com os eventos do mundo.6 Ainda comentando a defesa da ideia de que Deus retarda a segunda vinda por causa do homem, ele assegura que “negamos com um golpe tanto Sua presciência como Sua onisciência. Ao refletir desse modo, rebaixamos nosso onisciente Deus a nosso próprio nível”.7 Ou seja, a segunda vinda tem que acontecer porque Deus, em Sua onisciência, a previu. Temos aqui um futuro fixo, fechado e invariável, determinado pela onisciência e providência de um Deus atemporal.
Essa postura tem graves consequências para a missão da igreja. Porém, Wallenkampf responde a esse questionamento, ao dizer que “às vezes damos a impressão de que a comissão evangélica é uma responsabilidade unicamente nossa”. Para ele, isso está longe de ser verdade. “A proclamaçãodo evangelho a todo o mundo é responsabilidade do Senhor”, ele diz.8 Aqui, a ênfase na providência absoluta de Deus desmerece a ação humana no cumprimento da missão.
Participação humana
No extremo oposto à posição de Wallenkampf, Herbert Douglass considera que tem havido realmente uma demora na “colheita” do mundo; mas tal demora não é causada por qualquer mudança de planos da parte de Deus. Se dependesse dEle, a colheita já teria acontecido décadas atrás.9 Essa posição está fundamentada na seguinte afirmação de Ellen White: “Cristo aguarda com fremente desejo a manifestação de Si mesmo em Sua igreja. Quando o caráter de Cristo se reproduzir perfeitamente em Seu povo, então virá para reclamá-lo como Seu.”10 Douglass aceita que o homem desempenha papel ativo na missão. Contudo, a principal preocupação dele não focaliza tanto a tarefa que o povo de Deus deve cumprir, mas o caráter que deve refletir.11 Nesse sentido, ele parece ter interesse secundário na missão que a igreja deve cumprir; ou seja, a ação da igreja nos acontecimentos do fim estaria relacionada com a condição que deve ter; não com a missão que deve cumprir.
Resumindo, a partir de uma pressuposição atemporal para o ser de Deus, Wallenkampf desemboca no conceito de soberania absoluta, na qual Deus é responsável por todo passo dado na execução de Seu plano. Isso leva a desmerecer a participação humana no plano da salvação. Sendo Deus o único responsável pela pregação do evangelho, não é importante o que o ser humano possa fazer em relação à missão.
Por outro lado, Douglass enfatiza o elemento humano. Deus espera, durante gerações, que Seu povo alcance o padrão imposto pela vida de Jesus enquanto esteve na Terra. Essa postura tampouco enfatiza o papel que o povo de Deus deve desempenhar no cumprimento da missão. Isso lhe interessa apenas indiretamente, a título de uma motivação a mais para alcançar o caráter de Cristo.
Limite da temporalidade
Na Bíblia, as palavras traduzidas como “eternidade” (‘olãm no Antigo Testamento e aiõn no Novo) têm claro significado temporal, e basicamente se referem a um período limitado ou ininterrupto. Além disso, é preciso esclarecer que, mesmo que a eternidade seja concebida em termos temporais, isso não significa que a Bíblia a identifique com o tempo que o ser humano experimenta como limite de seu ser finito. Deus experimenta o tempo de modo qualitativa e quantitativamente distinto da maneira do homem. Ele não nega o tempo, mas o integra e ultrapassa (Sl 103:15-17; Jó 36:26). Essa visão temporal de Deus considera que Ele pode Se relacionar direta e pessoalmente com o homem dentro da história humana, de tal maneira que tanto Deus como os seres humanos partilham a mesma história.
De acordo com a Bíblia, o conhecimento de Deus é perfeito (Jó 37:16). O conhecimento prévio se refere à capacidade que Ele tem de incluir em Sua onisciência não apenas as realidades passadas e presentes, mas também as futuras; mesmo aquelas que são livres ações dos seres humanos (At 2:33; Rm 8:29; 11:2). A afirmação da presciência de Deus não é nem contraditória nem logicamente incompatível com a liberdade humana. Aqueles que percebem uma contradição insuperável implicitamente assumem que Deus conhece da mesma forma que nós conhecemos.
A concepção bíblica não identifica predestinação com presciência, como se Deus predestinasse cada coisa que conhece. Ele não predetermina o destino humano. Paulo diferencia entre presciência e predestinação (Rm 8:29). Nessa visão, o destino do ser humano não apenas implica os planos e as obras de salvação, mas também a livre resposta de fé ao chamado do Espírito Santo.
Em relação com a providência, Deus não controla a história humana no sentido de que planeja e executa tudo o que nela sucede. Ele Se relaciona pessoalmente e dirige a história humana para seu objetivo. Deus não força os seres humanos, muito menos o curso da História. Se considerarmos que a força não somente é incompatível com a liberdade, mas também com o amor, os objetivos de Deus na História não são alcançados forçando a liberdade humana.
Ao contrário disso, ao participar ativamente na História, Deus trabalha pela salvação em diferentes níveis: individual, social e cósmico. Então, se pensarmos dentro do limite da temporalidade (que implica contingência), os resultados não estão predeterminados.12 Contudo, não estamos na incerteza quanto ao futuro da História. A vitória de Cristo na cruz é o fundamento da certeza acerca do futuro.
Podemos dizer que, de acordo com as Escrituras, Deus dirige a história humana, dentro do seu fluxo e complexidade; não desde o Céu, por meio de decretos eternos e irresistíveis. Ele decide trabalhar temporalmente na História, por meio de Sua igreja e com a cooperação dela.13
Podemos apressar?
Se considerarmos seriamente o contexto temporal das Escrituras, além do conceito de presciência e providência divinas, devemos reconhecer que Deus decide trabalhar com o ser humano, dentro da história humana, para alcançar alguns dos Seus objetivos. Nesse sentido, existem alguns propósitos que devem ser cumpridos em relação com a segunda vinda de Jesus; propósitos nos quais Deus decidiu trabalhar em cooperação com o ser humano. A pregação do evangelho (Mt 24:14) é um deles.
Deus confiou essa missão à igreja, capacitando-a para cumpri-la. Nesse contexto, tem sentido a declaração de Ellen White: “Dando o evangelho ao mundo, está em nosso poder apressar a volta de nosso Senhor. Não nos cabe apenas aguardar, mas apressar o dia de Deus.”14 Então, o desfecho da missão é uma tarefa que Deus decidiu realizar em conjunto com Seu povo.
Se o Senhor deseja trabalhar com Seu povo para alcançar alguns objetivos relacionados com a segunda vinda de Jesus, é claro que o homem também pode impedir ou retardar essa tarefa. Essa visão está em concordância com outras declarações de Ellen White: “Houvesse a igreja de Cristo feito a obra que lhe era designada, como Ele ordenou, o mundo inteiro haveria sido antes advertido, e o Senhor Jesus teria vindo à Terra em poder e grande glória.”15 “Quando o caráter de Cristo se reproduzir perfeitamente em Seu povo, então virá para reclamá-lo como Seu.”16
Ao compreendermos a maneira pela qual Deus decidiu realizar Seu plano de salvação, podemos perceber o papel que o homem desempenha na terminação da obra. Ele decidiu trabalhar com o ser humano em relação com Seus objetivos para a Sua segunda vinda, capacitando Seu povo para a tarefa que lhe compete desempenhar.
Apesar disso, Ellen White nos dá a garantia de que “o mundo não está sem um governante. O programa dos sucessos futuros está nas mãos do Senhor. A Majestade do Céu tem sob Sua direção o destino das nações e os negócios de Sua igreja”17 Deus atuará com todo poder através do ser humano e respeitando sua liberdade, para alcançar Seus objetivos. Isso deve animar a igreja, considerando que Deus lhe tem dado o privilégio de participar no plano da salvação. Por meio de nossa fidelidade no cumprimento da missão, a igreja pode apressar seu encontro com o Salvador.
Marcos Blanco (via Revista Ministério, Jan-Fev 2012, pp. 22-24)
Referências:
1 Ver Carlos A. Steger, La ‘demora’ de la segunda venida, Logos, anos 3, 4 (1999-2000), p. 10-15.
2 Arnold Wallenkampf, La Demora Aparente (Buenos Aires, Aces, 1997), p. 140.
3 Ibid., p. 136.
4 Ibid., p. 53.
5 Ibid.
6 Ibid., p. 121.
7 Ibid., p. 120, 121.
8 Ibid., p. 105.
9 Herbert Douglass, Man of Faith – the showcase of God’s grace, em: Perfection: The Impossible Possibility (Nashville, Tennessee: Southern Publishing Association, 1975), p. 20.
10 Ellen G. White, Parábolas de Jesus, p. 69.
11 Herbert Douglass, The End: The Unique Voice for Adventist About the Return of Jesus (Mountain View, Califórnia: Pacific Press Publishing Association, 1979), p. 74.
12 Deus não podia salvar o homem por um decreto de Sua soberania. Pelo contrário, devia produzir a salvação do homem no tempo e na História. A salvação não apenas ocorre por meio da encarnação e morte de Cristo, que incluem o tempo e o risco total, tudo no limite da contingência temporal: “Mas nosso Salvador Se revestiu da humanidade com todas as contingências da mesma. Tomou a natureza do homem com a possibilidade de ceder à tentação” (Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações, p. 95).
13 Ver Canale, Hacia el fundamento teológico de la misión Cristiana, em Werner Vyhmeister (editor) Misión de la Iglesia Adventista, (Entre Rios: Editorial CAP, 1980), p. 182-210.
14 Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações, p. 633, 634.
15 Ibid., p. 634.
16 Ellen G. White, Parábolas de Jesus, p. 69.
17 _________, Testemunhos Seletos, v. 2, p. 352.
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