segunda-feira, 5 de junho de 2023

A INVEJA QUE VIROU LEPRA

Após um ano e pouco mais de um mês do êxodo do povo de Israel, a nuvem do Senhor se levantou para que o povo de Deus iniciasse a sua jornada em direção à terra prometida de Canaã. O povo havia passado cerca de um ano acampado aos pés do Monte Sinai, a fim de que Deus desse a eles a sua lei, e estabelecesse a Constituição de Israel como uma nação. Agora, o povo estava em grande expectativa pela herança que havia sido prometida a seus pais Abraão, Isaque e Jacó.

Então, Deus dá ordens a Moisés, e o povo de Israel levantou acampamento, e começou a jornada para a terra prometida. Mas, com o passar dos dias, a expectativa foi dando lugar ao cansaço, e muitos começaram a reclamar da longa jornada. No meio de Israel havia um grupo de pessoas de outras nacionalidades, que não tinham o verdadeiro temor do Senhor. Eles incitaram o povo ao levantar a voz com o desejo de comer as carnes que comiam no Egito.

Deus enviou juízos sobre a parte do povo que reclamava, e o povo ficou aterrorizado. Moisés, orou para que Deus cessasse os juízos que caíram sobre esse “populacho” (Nm 11:1-3). Embora confiasse em Deus, o grande líder já estava sentindo efeitos profundos do estresse por causa do povo que estava se rebelando contra sua liderança. Sua estafa era tão profunda que Moisés chegou a pedir a morte.

Para ajudar a Moisés, Deus ordenou que ele designasse setenta anciãos para profetizar a Israel, a fim de que eles se arrependessem do seu pecado e se purificassem. Essa ordem, Deus deu diretamente a Moisés. Mas, parece que seus irmãos mais velhos Arão e Miriã ficaram um tanto enciumados.

"Moisés havia casado com uma mulher da Etiópia (cuxita), e Míriam e Arão começaram a criticá-lo por causa disso. Eles falaram: —Será que o Senhor tem falado somente por meio de Moisés? Será que não tem falado também por meio de nós? E o Senhor ouviu o que eles disseram" (Nm 12:1, 2).

Arão e Miriã eram tidos como líderes grandemente respeitados pelo povo. Arão participou da negociata de Moisés com o Faraó pela libertação de Israel. A sua linhagem foi instituída como a linhagem sacerdotal, os representantes diretos de Deus diante do povo. Miriã era muito sábia e firme nos princípios em que crescera. Tinha o dom da poesia e da música. Ambos foram dotados com o dom de profecia, e por determinação divina, estavam ligados a Moisés na condução do povo hebreu. “E pus diante de ti a Moisés, Arão e Miriã” (Mq 6:4). Então, por que eles demonstraram oposição contra Moisés, a ponto de influenciar parte do povo?

A sedição de Arão e Miriã ocorreu porque eles não tinham sido consultados na seleção dos setenta. Assim, os seus ciúmes se despertaram contra Moisés. Na organização desse conselho, entenderam que sua posição e autoridade haviam sido desprezadas. Consideravam que Moisés deveria consultá-los antes de realizar essa tarefa, pois criam que estavam no mesmo patamar de liderança de Moisés.

“Imediatamente o Senhor disse a Moisés, a Arão e a Miriã: Dirijam-se à Tenda do Encontro, vocês três. E os três foram para lá. Então o Senhor desceu numa coluna de nuvem e, pondo-se à entrada da Tenda, chamou Arão e Miriã. Os dois vieram à frente, e ele disse: Ouçam as minhas palavras: Quando entre vocês há um profeta do Senhor, a ele me revelo em visões, em sonhos falo com ele. Não é assim, porém, com meu servo Moisés, que é fiel em toda a minha casa. Com ele falo face a face, claramente, e não por enigmas; e ele vê a forma do Senhor. Por que não temeram criticar meu servo Moisés?” (Nm 12:4-8).

Arão e Miriã eram pessoas de oração e comunhão com Deus, mas Deus falava face a face apenas com Moisés; e foi diante dele que Deus fez passar toda a sua glória. Além disso, eles não estavam sentindo o peso da liderança que Moisés sentia. No auge da fadiga, consciente da sua fraqueza, fez de Deus o seu conselheiro. Arão, contudo, não confiava tanto em Deus como Moisés. Ele havia fracassado quando assumiu a responsabilidade de cuidar do povo no Sinai. Em vez de se manter firme, talhou um bezerro de ouro e condescendeu com um culto idólatra bem na frente do monte de Deus. Agora, em vez de alegre submissão a Deus, e gratidão pelo que eles haviam recebido, deixaram-se levar pelo desejo de exaltação própria.

Ellen G. White assim descreve: "Cedendo ao espírito de descontentamento, Miriã achou motivos de queixa nos acontecimentos que Deus de maneira especial dirigira. O casamento de Moisés lhe fora desagradável. O haver ele escolhido uma mulher de outra nação, em vez de tomar esposa dentre os hebreus, foi uma ofensa à sua família e ao orgulho nacional. Zípora era tratada com mal-disfarçado desprezo. Embora fosse chamada 'mulher cuxita' (Nm 12:1), era a esposa de Moisés midianita e, assim, descendente de Abraão. Na aparência pessoal ela diferia dos hebreus, tendo a pele de cor um pouco mais escura. Se bem não fosse israelita, Zípora era adoradora do verdadeiro Deus. Tinha disposição tímida, acanhada, e era gentil, afetuosa, e grandemente sensível à vista do sofrimento; e foi por esta razão que Moisés, quando a caminho para o Egito, consentiu que ela voltasse a Midiã. Ele quis poupar-lhe a dor de testemunhar os juízos que deveriam cair sobre os egípcios" (Patriarcas e Profetas, p. 276). 

Alguns estudiosos têm entendido que este verso indica que Moisés tomou uma mulher africana negra, em adição a sua esposa midianita, Zípora (Êx 2:16, 21), ou após a sua morte. Contudo, o texto bíblico não relata a morte de Zípora e Moisés recentemente conversara com seu cunhado midianita (Nm 10:29).

O capítulo 18 de Êxodo descreve Jetro em visita à Moisés, vendo o excesso de atividades que ele tinha e lhe questionando e aconselhando (Ler Êx 18:14-24). Assim, ele ajudou Moisés a organizar um sistema de governo representativo para o povo. Miriã se ofendeu com essa situação, e sentiu sua autoridade diminuída. Assim, aproveitou-se do seu preconceito para usar Zípora como argumento, e diminuir a autoridade de Moisés diante do povo. “Quem é Moisés para achar que é melhor que nós? Ele nem mesmo é casado com uma de seu sangue! Antes, preferiu se casar com uma etíope qualquer que nem faz parte da nossa linhagem”.

Moisés suportou tudo isso com muita mansidão, a despeito do seu cansaço. Nas quatro décadas de exílio em Midiã, cuidando dos rebanhos e aprendendo de Deus aos pés de Jetro, Moisés deixou o orgulho e a pompa de um príncipe do Egito para depositar toda a sua confiança no Senhor. Essa foi a chave para seu sucesso extraordinário como líder: a liderança servidora e a autoridade por influência.

Deus “guiará os mansos retamente, e aos mansos ensinará o seu caminho (Sl 25:9). “Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus. Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra” (Mt 5:3, 5). “Se algum de vós tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente, e dele não esconde o rosto, e ser-lhe-á dada” (Tg 1:5). Esta promessa é dada somente àqueles que estão dispostos a desconfiar de si mesmos e seguir inteiramente ao Senhor.

“Então a ira do Senhor acendeu-se contra eles, e ele os deixou. Quando a nuvem se afastou da Tenda, Miriã estava leprosa; sua aparência era como a da neve. Arão voltou-se para Miriã, viu que ela estava com lepra e disse a Moisés: Por favor, meu senhor, não nos castigue pelo pecado que tão tolamente cometemos. Não permita que ela fique como um feto abortado que sai do ventre da sua mãe com a metade do corpo destruída. Então Moisés clamou ao Senhor: Ó Deus, por misericórdia, concede-lhe a cura” (Nm 12:9-13)! Depois de um doloroso processo de cura, Miriã foi readmitida no acampamento de Israel (v. 14-16).

Miriã fora a instigadora da crítica contra Moisés. Por ter sido a “primeira dama de Israel” (ver Êx 15:20-21), provavelmente tenha sentido ciúmes da esposa de Moisés. A punição divina de Miriã foi uma doença que tornou sua pele como neve (“branco/branca” não se encontra no original em hebraico) porque estava como se tivesse escamas (comparar com Lv 13; 2Rs 5:27; 2Cr 26:19-21). A punição por desprezar uma pele escura foi adequada ao crime (Andrews Study Bible).

A indignação de Deus manifestada sobre Miriã era um aviso para que todo o povo abandonasse essa rebelião. Se a inveja e descontentamento de Miriã não houvessem sido repreendidos de forma tão séria, poderia ser o fim de uma nação unida sob a mesma bandeira de Deus. Ellen G. White adverte: "A inveja é uma das mais satânicas características que podem existir no coração humano, e uma das mais funestas em seus efeitos. Diz o sábio: “Cruel é o furor e a impetuosa ira, mas quem parará perante a inveja?” (Pv 27:4). Foi a inveja que a princípio causou a discórdia no Céu, e a condescendência com a mesma acarretou males indizíveis entre os homens. “Onde há inveja e espírito faccioso aí há perturbação e toda a obra perversa” (Tg 3:16)" (Patriarcas e Profetas, p. 278).

Não deve ser considerado coisa vã falar mal de outros, ou fazer-nos juízes de seus intuitos ou ações. “Quem fala mal de um irmão, e julga a seu irmão, fala mal da lei, e julga a lei; e, se tu julgas a lei, não és observador da lei, mas juiz” (Tg 4:11). Não há senão um juiz, a saber, Aquele que “trará à luz as coisas ocultas das trevas, e manifestará os desígnios dos corações” (1Co 4:5). E qualquer que tomar a si o julgar e condenar seus semelhantes, está usurpando a prerrogativa do Criador.

Assumir a posição de juiz e julgar os outros de acordo com o seu ponto de vista é algo muito arriscado, porque você pode estar errado. Essa situação se agrava porque não nos atemos apenas em avaliar os fatos. Nos divertimos em julgar as motivações que vão no coração de quem está sendo acusado. Se você emite uma condenação sem as devidas evidências, você está trazendo para si a responsabilidade pela condenação dessa pessoa. Se você estiver errado, pela lei de Deus você vai ser julgado (Mt 7:1-5), pois você está tomando para si uma prerrogativa judicial que pertence somente a Deus. Tome mais cuidado ainda ao acusar aqueles a quem Deus chamou para seu serviço, pois “nem mesmo os anjos, maiores em força e autoridade”, ousam falar contra eles (2Pe 2:10, 11). Portanto, não assuma um fardo tão pesado. Deixe que Deus, em seu amor e onisciência, julgue com sabedoria cada coração, pois a sua graça e a sua justiça são infinitamente maiores do que podemos medir.

Ellen G. White conclui: "A Bíblia nos ensina especialmente a nos precavermos quanto a fazer acusações contra aqueles a quem Deus chamou para agirem como Seus embaixadores. Aquele que pôs sobre os homens a pesada responsabilidade de chefes e instrutores de Seu povo, responsabilizará o povo pela maneira por que tratam os Seus servos. Devemos honrar aqueles a quem Deus honrou. O juízo que caiu sobre Miriã deveria ser uma repreensão a todos os que se entregam à inveja, e murmuram contra aqueles sobre quem Deus põe o encargo de Sua obra" (Patriarcas e Profetas, p. 278).

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