Faz alguns anos, o U.S. News & World Report publicou, como artigo de capa, o tópico sobre a espiritualidade no mundo atual, informando que a religião, em muitas partes do mundo, tomou um manto de psicologia popular. Muitas congregações crescem oferecendo uma teologia açucarada, com uma dieta light de sermões preocupados com temas como “realização pessoal”, como ser “melhor parceiro”, “melhor empregado”, “melhor chefe” e “amigo” e até como “perder peso”. Mesmo admitindo que alguns desses tópicos possam ser uma preocupação da igreja, eles não podem ser o foco central da pregação.
Muitos pregadores modernos têm enfatizado unilateralmente os atributos da misericórdia, perdão e amor de Deus, mas negligenciado igual ênfase em Sua justiça, santidade e inimizade contra o pecado. Poderia ser que, na tentativa de agradar as pessoas e nos tornarmos simpáticos aos que queremos alcançar, estejamos comprometendo os ensinos das Escrituras? É evidente que, como o contexto em que pregamos muda, devemos fazer ajustes em nossa forma de apresentar o evangelho, mas isso não muda sua essência. Enquanto métodos de comunicação podem variar, o fundamento da verdade bíblica deve permanecer inalterável.
Em nossa pregação, não mudamos Deus nem Sua verdade. Devemos manter em equilíbrio dois polos da proclamação cristã; de um lado, manter a identidade, o caráter bíblico do conteúdo proclamado; de outro, manter a relevância, que é o relacionamento da revelação com o contexto humano atual. Muitos querem ser relevantes sem ter identidade bíblica. Outros querem reter a identidade, mas no processo deixam de ser relevantes. Os dois perigos são reais. A preocupação com a relevância tende a levar à “contextualização pragmática” do evangelho, conduzindo à utilização de recursos estranhos à Palavra de Deus.
A atual superficialidade no conhecimento das Escrituras tem contribuído, mais do que qualquer outra coisa, para obliterar a consciência profético-doutrinária da denominação. O estudo objetivo (doutrinário) da Bíblia tem sido substituído por uma leitura pietista (existencialista), destinada quase que exclusivamente a alimentar um relacionamento místico e subjetivo com Cristo. Consequentemente, os sermões de muitas de nossas igrejas tornaram-se mais leves, substituindo, em grande parte, o conteúdo doutrinário da Bíblia pelas experiências pessoais do próprio pregador.
Deveríamos imitar mais de perto o exemplo deixado por Cristo em Seu relacionamento com a verdade. Ellen White afirma: “Em Seus ensinos, Cristo não sermonizava, como fazem os ministros atualmente. Sua tarefa era a de edificar sobre a estrutura da verdade. Ele ajuntou as preciosas pedras da verdade, de que o inimigo se havia apossado e colocado na estrutura do erro, recolocando-as na estrutura da verdade, para que todos os que recebessem a palavra fossem por ela enriquecidos" (Mensagens Escolhidas 1, p. 206).
O outro perigo é a tentativa de ser “bíblico” e cair na bibliolatria, respondendo a perguntas que ninguém está fazendo. Ou tentar responder, no século 21, a questões do século 19. De qualquer maneira, devemos entender que o único evangelho capaz de satisfazer às necessidades humanas é o evangelho real, ministrado em sua fórmula original, sem açucaramentos ou diluições.
Charles Spurgeon, o Príncipe dos Pregadores (como era conhecido por muitos), disse: "Evitai o evangelho açucarado, assim como evitaríeis um açúcar amaciado pelo chumbo. Procurai o evangelho que rasga e rompe e corta e fere, entalha e até mesmo mata, pois esse é o evangelho que também vivifica."
Creio, particularmente, que a superficialidade doutrinária que enfrentamos hoje é uma das mais importantes estratégias satânicas para deixar-nos despreparados para os eventos finais, sem condições de expormos, de forma convincente, a base bíblica de nossas doutrinas. "Porque os tais são falsos apóstolos, obreiros fraudulentos, transfigurando-se em apóstolos de Cristo. E não é de admirar, pois o próprio Satanás se transforma em anjo de luz" (2 Coríntios 11:13, 14).
Concluo com este pensamento de Ellen G. White extraído do livro Os Ungidos (pp. 60-61). Ela nos adverte:
"A voz severa de repreensão é necessária ainda hoje, pois pecados terríveis têm separado de Deus o povo. A infidelidade virou moda. ‘Não queremos que esse homem seja nosso rei’ (Lc 19:14), milhares afirmam. Os sermões superficiais pregados com tanta frequência não causam efeito duradouro; a trombeta não dá um sonido certo. O coração das pessoas não é atingido pelas claras, cortantes verdades da Palavra de Deus.
Muitos dizem: ‘Por que precisamos falar de forma tão clara?’ isso é o mesmo que perguntar: ‘Por que João Batista teve que provocar a ira de Herodias, dizendo a Herodes que ele estava errado em viver com a mulher de se irmão?’ Aquele que preparou o caminho para o ministério de Cristo perdeu a vida por falar com clareza.
Os que deveriam ser guardiões da lei de Deus têm usado esse argumento até que finalmente permitem que a comodidade torne o lugar da fidelidade, e o pecado continue a ser praticado sem reprovação. Quando será a voz da fiel reprovação ouvida novamente na igreja?
‘Você é esse homem’ (2Sm 12:7). Raramente se ouve nos púlpitos de hoje, raramente se lê nas publicações atuais, palavras tão claras como essas, ditas por Natã a Davi. Os mensageiros do Senhor não dão resultados enquanto não se arrependem do desejo de agradar aos outros, pois isso faz com que encubram a verdade.
Não é por amor ao próximo que os pastores amenizam a mensagem sob sua responsabilidade, mas porque são condescendentes consigo mesmos e amam a vida fácil. O verdadeiro amor busca primeiro a honra a Deus e a salvação do próximo. Os que possuem esse amor não deixaram de falar a verdade para fugirem dos resultados desagradáveis de falar com clareza. Quando as pessoas estão em perigo, os pastores de Deus falarão a palavra que lhes é ordenada, recusando desculpar o mal.
Ah, se todo pastor tivesse a coragem de Elias! Os pastores deve repreender, corrigir e exortar ‘com toda a paciência e doutrina’ (2Tm 4:2). Em nome de Cristo eles devem animar o obediente e advertir o desobediente. Ele não devem dar valor algum aos interesses mundanos, mas prosseguir com fé. Não devem falar suas próprias palavras, mas sua mensagem deve ser: ‘Assim diz o Senhor’ (Êx 4:2). Deus chama pessoas como Elias, Natã e João Batista – pessoas que levarão fielmente Sua mensagem sem temer as consequências, pessoas que falarão a verdade, ainda que isso signifique sacrificar tudo que possuem."
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