terça-feira, 31 de outubro de 2023

REI DO NORTE & REI DO SUL

Ao estudarmos o capítulo 11 de Daniel, veremos que se trata de um texto desafiador. Alguns pontos devem ser apresentados no início. Primeiramente, esse capítulo está, em geral, em paralelo com os esboços proféticos anteriores do livro. Como nos capítulos 2, 7, 8 e 9, a mensagem profética se estende dos dias do profeta até o fim dos tempos. Em segundo lugar, uma sucessão de potências mundiais emerge; são poderes que muitas vezes oprimem o povo de Deus. Terceiro, cada esboço profético atinge o clímax com um final feliz. Em Daniel 2, a pedra destrói a estátua; em Daniel 7, o Filho do Homem recebe o reino; e em Daniel 8 e 9, o santuário celestial é purificado mediante a obra do Messias.

Em seguida, o capítulo 11 apresenta três pontos fundamentais. Primeiramente, ele apresenta os reis persas e discute o destino deles e o tempo do fim, quando o rei do Norte ataca o monte santo de Deus. Em segundo lugar, há a descrição de uma sucessão de batalhas entre o rei do Norte e o rei do Sul e como essas lutas afetam o povo de Deus. Em terceiro lugar, o capítulo conclui com um final feliz, quando o rei do Norte encara a sua ruína por meio do “glorioso monte santo” (Dn 11:45). Essa conclusão positiva sinaliza o fim do mal e o estabelecimento do reino eterno de Deus.

Profecias sobre a Pérsia e a Grécia
Gabriel disse a Daniel que três reis ainda se levantariam da Pérsia. Eles seriam seguidos pelo quarto rei, que seria o mais rico de todos e provocaria os gregos. Depois de Ciro, três sucessivos reis exerceram domínio sobre a Pérsia: Cambises II (530-522 a.C.), o falso Esmérdis (522 a.C.) e Dario I (522-486 a.C.). O quarto rei é Xerxes, mencionado no livro de Ester como Assuero. Ele era muito rico (Et 1:1-7) e comandou um vasto exército para invadir a Grécia, como previsto na profecia. Mas, apesar de seu poder, ele foi repelido por uma força menor de valentes soldados gregos.

Não é difícil reconhecer Alexandre, o Grande, como o poderoso rei que surge em Daniel 11:3 e que se torna o governante absoluto do mundo antigo. Aos 32 anos, ele morreu sem deixar um herdeiro para governar o império. Por isso, o reino foi dividido entre seus quatro generais: Seleuco ficou com a Síria e a Mesopotâmia; Ptolomeu, com o Egito; Lisímaco, com a Trácia e partes da Ásia Menor; e Cassandro, com a Macedônia e a Grécia.

O que podemos aprender com essa variedade de nomes, datas, lugares e eventos históricos? Primeiramente, aprendemos que a profecia foi cumprida como previsto pelo mensageiro divino. A Palavra de Deus nunca falha. Em segundo lugar, Deus é o Senhor da História. Podemos ter a impressão de que a sucessão de poderes políticos, líderes e reinos é impulsionada pela ambição de imperadores, ditadores e políticos de todos os tipos. No entanto, a Bíblia revela que Deus está no controle supremo e moverá a roda da História de acordo com Seu propósito divino, o que, em última análise, levará à erradicação do mal e ao estabelecimento do reino eterno de Deus.

Profecias sobre a Síria e o Egito
Após a morte de Alexandre, o Grande (323 a.C.), o vasto império grego foi dividido entre seus quatro generais. Dois deles, Seleuco, na Síria (Norte), e Ptolomeu, no Egito (Sul), conseguiram estabelecer dinastias que lutariam entre si pelo controle da terra.

A maioria dos estudantes da Bíblia compreende as guerras entre o rei do Norte e o rei do Sul profetizadas em Daniel 11:5-14 como se referindo às muitas batalhas envolvendo essas duas dinastias. Segundo a profecia, seria feita uma tentativa de unir essas duas dinastias pelo casamento, mas essa aliança duraria pouco (Dn 11:6). Fontes históricas nos informam que Antíoco II Teos (261-246 a.C.), neto de Seleuco I, casou-se com Berenice, filha do rei egípcio Ptolomeu II Filadelfo. No entanto, esse acordo não durou, e o conflito que envolvia diretamente o povo de Deus logo foi retomado. Portanto, Daniel 11 trata de alguns eventos importantes que afetariam a vida do povo de Deus durante séculos após a morte do profeta Daniel.

Novamente, podemos perguntar por que o Senhor revelou antecipadamente todos esses detalhes sobre as guerras envolvendo reinos que lutariam entre si pela supremacia naquela parte do mundo. A razão é simples: essas guerras afetariam o povo de Deus. Então, o Senhor anunciou de antemão os muitos desafios que Seu povo enfrentaria nos anos futuros. Além disso, Deus é o Senhor da História e, ao compararmos o registro profético com os eventos históricos, podemos ver novamente que a palavra profética foi cumprida. O Deus que predisse as vicissitudes daqueles reinos helenísticos que lutaram entre si é o Senhor que conhece o futuro. Ele é digno de nossa confiança e fé. É um Deus grande, não um ídolo fabricado pela imaginação humana. Ele não apenas dirige o curso dos eventos históricos, mas também pode dirigir nossa vida se permitirmos que Ele assim o faça.

Roma e o Príncipe da aliança
Uma transição no poder dos reis helenistas para Roma pagã parece ser descrita em Daniel 11:16: “O que, pois, vier contra ele fará o que bem quiser, e ninguém poderá resistir a ele; estará na terra gloriosa, e tudo estará em suas mãos”. A “terra gloriosa” é Jerusalém, região em que existiu o antigo Israel, e o novo poder que ocupou essa região foi Roma pagã. O mesmo evento também é representado na expansão horizontal do chifre pequeno, que atinge a “terra gloriosa” (Dn 8:9). Portanto, parece claro que o poder no comando do mundo naquele momento era Roma pagã.

Algumas pistas adicionais no texto bíblico reforçam essa percepção. Por exemplo, a expressão “um cobrador de impostos” (Dn 11:20, NVI) deve ser uma referência a César Augusto. Foi durante o seu reinado que Jesus nasceu, visto que Maria e José viajaram para Belém para a realização do censo (Dn 11:20). Além disso, de acordo com a profecia, esse governante seria sucedido por um “homem vil” (Dn 11:21). Como mostra a história, Augusto foi sucedido por Tibério, seu filho adotivo. Tibério é conhecido por ter sido um homem excêntrico e vil.

Um fato ainda mais importante é que, de acordo com o texto bíblico, durante o reinado de Tibério, o “príncipe da aliança” seria quebrado (Dn 11:22). Isso claramente se refere à crucificação de Cristo, também chamado de “Ungido” e “Príncipe” (Dn 9:25; veja também Mt 27:33-50), visto que Ele foi morto durante o reinado de Tibério. A referência a Jesus nessa passagem como “o Príncipe da aliança” é um indicador impressionante que mostra o fluxo de eventos históricos, dando novamente aos leitores uma evidência poderosa da surpreendente presciência de Deus. Se Ele teve razão a respeito de tudo o que ocorreu antes em cumprimento dessas profecias, podemos certamente confiar em Suas declarações quanto ao que ocorrerá no futuro.

O próximo poder
Daniel 11:29-39 se refere a um novo sistema de poder. Embora esse sistema esteja em continuidade com o Império Romano pagão e tenha herdado algumas características de seu antecessor, parece ser diferente em alguns aspectos. O texto bíblico afirma: “Não será nesta última vez como foi na primeira” (Dn 11:29). Ao examinarmos com mais profundidade, descobrimos que ele atua como um poder religioso, mirando seu ataque principalmente em Deus e em Seu povo. Vejamos algumas ações perpetradas por esse rei.

Primeiro, ele se indignaria “contra a santa aliança” (Dn 11:30). Essa deve ser uma referência à aliança divina de salvação, à qual esse rei se opõe.

Em segundo lugar, esse rei produziria forças que profanariam o santuário [...] e tirariam “o sacrifício diário” (Dn 11:31). Observamos em Daniel 8 que o chifre pequeno derrubou o fundamento do “santuário” de Deus e “tirou o sacrifício diário” (Dn 8:11). Isso deve ser entendido como um ataque espiritual contra o ministério de Cristo no santuário celestial.

Em terceiro lugar, como consequência de seu ataque ao santuário, esse poder estabelece a “abominação desoladora” no templo de Deus (Dn 11:31). A expressão paralela, “transgressão assoladora”, aponta para os atos de apostasia e rebelião cometidos pelo chifre pequeno (Dn 8:13).

Em quarto lugar, esse poder persegue o povo de Deus: “Alguns dos sábios cairão para serem provados, purificados e embranquecidos, até ao tempo do fim” (Dn 11:35). Isso nos lembra do chifre pequeno, que lançou por terra uma parte do exército e das estrelas e os pisou (Dn 8:10; compare com Dn 7:25).

Em quinto lugar, esse rei se levantaria e se engrandeceria “sobre todo deus; contra o Deus dos deuses [falaria] coisas incríveis” (Dn 11:36). Foi previsto também que o chifre pequeno falaria “com insolência” (Dn 7:8), até mesmo contra Deus (Dn 7:25).

Eventos finais
A parte final (Dn 11:40-45) mostra que o longo conflito entre o rei do Norte e o rei do Sul atinge seu clímax no tempo do fim. A essa altura, o rei do Norte vence o rei do Sul e lança o ataque final contra o monte Sião. Como a maioria dos eventos aqui descritos se encontra no futuro, a sua interpretação permanece incerta; assim, devemos evitar o dogmatismo. No entanto, é possível delinear os amplos contornos da profecia aplicando dois princípios básicos de interpretação. Primeiro, devemos entender que os eventos preditos na profecia são retratados com a linguagem e figuras derivadas da realidade do Israel do Antigo Testamento e de suas instituições. Em segundo lugar, essas figuras e a linguagem devem ser interpretadas como símbolos de realidades eclesiológicas (da igreja) universais e presentes nos ensinamentos de Jesus.

De acordo com esses princípios apresentados, o rei do Sul representa o Egito, conforme indicado de maneira sistemática ao longo da profecia. O rei do Norte, por sua vez, deve ser identificado com Babilônia, que aparece no Antigo Testamento como as forças do Norte (Jr 1:14; Jr 4:5-7; Jr 6:1; Jr 10:22; Jr 13:20; Jr 16:15; Jr 20:4; Jr 23:8; Jr 25:9, 12). Fundada por Ninrode, Babilônia se tornou um centro de religião pagã e o pior inimigo de Jerusalém. No simbolismo apocalíptico, Babilônia passou a representar tanto Roma pagã quanto Roma papal. Assim, a essa altura do cronograma profético, que é o tempo do fim, Babilônia/o rei do Norte simboliza o papado e suas forças de apoio. O Egito, por sua vez, representa as forças que fazem oposição ao papado, mas que finalmente são dominadas por ele. Desse modo, entre outras possibilidades, como o antigo Império Otomano, o Egito muito provavelmente representa o ateísmo e o secularismo.

Quando o rei do Norte invade a “terra gloriosa”, está escrito que “Edom, e Moabe, e as primícias dos filhos de Amom” (Dn 11:41) conseguem escapar de seu grande poder. Como essas três nações há muito deixaram de existir, elas devem ser interpretadas como símbolos de entidades escatológicas mais amplas. Para melhor compreendermos o simbolismo relacionado a essas nações, devemos observar que a “terra gloriosa” não é um espaço geográfico no Oriente Médio, mas um símbolo do povo remanescente de Deus. De igual forma, “Edom, e Moabe, e [...] Amom” não significam grupos étnicos ou povos, mas representam aqueles que resistirão à sedução de Babilônia e virão de diferentes religiões e tradições filosóficas para se juntarem ao remanescente nos últimos dias.

A batalha final desse longo conflito acontecerá quando o rei do Norte armar “as suas tendas palacianas entre os mares contra o glorioso monte santo” (Dn 11:45). Esse cenário lembra os reis estrangeiros que, vindos do Norte, atacaram Jerusalém. Senaqueribe, por exemplo, armou suas tendas militares em Laquis, que ficava entre o mar Mediterrâneo e Jerusalém. Essas imagens simbolizam o confronto final das forças da Babilônia espiritual (o papado e seus aliados) contra o povo de Deus. “O glorioso monte santo” representa o povo do Senhor sob o comando de Cristo. Assim, com uma linguagem que lembra a experiência do antigo Israel e Judá, a profecia retrata o ataque de Babilônia no tempo do fim contra o povo de Deus. Mas o inimigo fracassará; “chegará ao seu fim, e não haverá quem o socorra” (Dn 11:45).

Concluimos com este pensamento de Ellen White: “Nos registros da História humana, o desenvolvimento das nações, o nascimento e a queda dos impérios aparecem como que dependendo da vontade e do poder do homem. O decorrer dos acontecimentos parece determinado, em grande medida, por seu poder, ambição ou capricho. Mas na Palavra de Deus a cortina é afastada, e podemos ver acima, por detrás e pelos lados, as partidas e contrapartidas de interesse, poder e desejo humanos – os agentes do Todo-Misericordioso – executando paciente e silenciosamente os conselhos de Sua própria vontade” (Profetas e Reis, p. 499, 500).

[via CPB]

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