Hoje, o conceito de resiliência se tornou muito popular e é aplicado a uma variedade de aspectos, incluindo pessoas, famílias, natureza, materiais, cidades, nações... É estudado em psicologia, ecologia, engenharia, sociologia e ciência política, entre outras áreas. Com a fragilidade emocional dos povos e o colapso espiritual da civilização, mais do que nunca precisamos de resiliência.
Mas o que significa essa palavra insólita importada da física? Do latim resilire (“voltar ao que era”, “saltar para trás”), resiliência é a capacidade que uma pessoa, estrutura ou sistema tem de resistir às pressões, se recuperar de eventos disruptivos, responder aos desafios presentes e saber o que fazer diante de ameaças futuras. É o poder de retornar à forma original depois de ser submetido a um estado de tensão. É ser jogado na lona pelos golpes da vida, levantar, limpar o sangue do nariz e nocautear o “inimigo”, figuradamente. É voltar à tona e boiar quando os pesos da vida tentam submergir a gente no mar das dificuldades. Entre as imagens mais comuns do fenômeno, temos o elástico que volta ao normal depois de ter sido esticado, a planta que nasce num solo hostil, a árvore inclinada pelo vento sem se quebrar, a fênix que renasce das cinzas.
A resiliência não é exclusividade dos heróis. No dia a dia, todos nós mostramos algum traço dessa qualidade. Não existe um gene da resiliência, mas fatores genéticos e culturais podem ajudar a lidar com a adversidade. Cada um tem um mapa da sua história, uma trajetória única e irrepetível, uma jornada personalizada rumo à resiliência. O que tornou você emocionalmente forte ou frágil?
Felizmente, podemos desenvolver a resiliência. Assim como o corpo pode ser fortalecido quando vamos para a academia e nos exercitamos, o mesmo ocorre com nossa fibra mental. Nosso cérebro tem grande capacidade de se ajustar às situações adversas. Da mesma forma que reconhece códigos físicos/culturais como as letras do alfabeto e percebe significados nessas curvas e retas, ele aprende a lidar com os padrões dos eventos. As redes neuronais podem ser reprogramadas por experiências e hábitos. Você não pode controlar as circunstâncias, mas pode trabalhar suas reações.
Diferentes autores ressaltam distintas características relacionadas ao núcleo da resiliência. Por exemplo, no livro Resilience for Dummies (John Wiley & Sons, 2021, p. 17-20), a doutora Eva Selhub explora seis pilares: (1) robustez física, (2) equilíbrio emocional, (3) clareza e firmeza emocional, (4) conexão espiritual, (5) relacionamentos amoráveis e (6) liderança influente na comunidade.
Eu poderia citar outras qualidades, como um propósito significativo para vida, a persistência e a flexibilidade. No entanto, destaco a visão realista dos desapontamentos presentes e das recompensas futuras. Todos os grandes personagens da Bíblia tiveram um “antes” e um “depois”, e a vida deles foi reconfigurada por Deus com base em promessas de um novo dia. Conforme sublinha o apóstolo Paulo, nossos leves sofrimentos momentâneos não são nada em comparação com o eterno peso da glória futura e, por isso, fixamos o olhar no que não se vê (2Co 4:17, 18).
Personagens bíblicos resilientes
O exemplo de Jesus no Getsêmani ilustra bem esse ponto. Embora tornar-Se homem e salvar a humanidade fosse uma escolha, não havia prazer no sofrimento envolvido. “Meu Pai, se é possível, que passe de Mim este cálice!” foi o clamor de Cristo (Mt 26:39a). No entanto, o significado daquele ato e o sentido daquela entrega O fortaleceram para suportar aquele momento com dignidade: “Contudo, não seja como Eu quero, e sim como Tu queres” (v. 39b).
Na Bíblia encontramos diversos relatos de como seus personagens foram resilientes em diferentes situações que envolviam o sofrimento e a necessidade de lidar com as adversidades. De Moisés liderando um povo no deserto por 40 anos até os apóstolos em meio às perseguições e dificuldades que a obra missionária lhes apresentava, podemos encontrar uma galeria de exemplos dessa capacidade humana.
No entanto, nenhum deles se compara a Jó, alguém que perdeu tudo, desde sua integridade física, passando por seus entes queridos e bens materiais. Ele provou o gosto amargo do sofrimento ao ponto de sentir-se desamparado até pelo próprio Deus, porém permaneceu firme. Foi provado e abalado pelas provas, mas as superou.
O diálogo final entre Deus e Jó (Jó 38 a 42) é emblemático no que diz respeito à maneira pela qual o ser humano pode encarar os sofrimentos da vida. Ao clamar por uma resposta, uma explicação, Jó recebeu de Deus outras perguntas sobre a ordem e as leis naturais do Universo, as quais ele mesmo não conseguia responder. A resposta de Deus através de outras perguntas é clara: você não é capaz de compreender nem mesmo as obras da Minha criação, como pode querer compreender Meus desígnios?
A fé na soberania divina, o esforço em enxergar a situação pela qual passava em um contexto mais amplo, sob a ótica do Todo Poderoso, foi o que permitiu a Jó encontrar um sentido em meio ao seu sofrimento, embora não tenha recebido respostas objetivas nem explicações para suas questões.
Em sua carta aos Romanos, o apóstolo Paulo descreveu um processo através do qual as tribulações humanas são convertidas em fontes de esperança. Ele mesmo experimentou isso em sua vida: “E não somente isto, mas também nos gloriamos nas tribulações, sabendo que a tribulação produz perseverança, a perseverança produz experiência e a experiência produz esperança. Ora, a esperança não nos deixa decepcionados, porque o amor de Deus é derramado em nosso coração pelo Espírito Santo, que nos foi dado” (Rm 5:3-5).
Ao comentar esse texto em Carta aos Romanos (Fonte Editorial, 2009, p. 245), o teólogo suíço Karl Barth afirmou que “a perspectiva espiritual muda o sinal matemático inscrito na frente da nossa tribulação. O que parece ser mero sofrimento humano transforma-se em obra de Deus. Os empecilhos da vida transformam-se em degraus para a vitória; o derribar dá lugar à nova edificação; a desilusão e o revés aguçam a esperança e o anseio pela volta do Senhor”.
Como evidenciam os exemplos de Paulo, Jó e outros tantos personagens das Escrituras, a fé pode ser um dos fatores de proteção importantes no processo de superação e na expressão da resiliência humana. Em seu livro Em Busca de Sentido, Viktor Frankl a menciona ao lado de outras atitudes como um dos elementos que o ajudaram (e também a outros companheiros de provações) a superar as adversidades em meio à sua via crucis. De alguma forma, podemos desenvolver a resiliência.
Conclusão
Nascemos com o potencial para ser resilientes, mas isso não significa que seremos. É em meio às dificuldades da vida que temos a oportunidade de desenvolver essa capacidade tão necessária para nossa sobrevivência, equilíbrio e bem-estar físico, mental e espiritual, principalmente nesses dias difíceis como os que o povo gaúcho está vivendo. A maior enchente já vivenciada pelo Rio Grande do Sul, em inúmeros municípios, revela o quão guerreiro e resiliente é o seu povo.
Tomara que as lágrimas nos olhos daqueles que perderam entes queridos, suas casas e seus bens, sejam secadas pela esperança de dias melhores, pela esperança de superação da dor e da angústia, pela esperança de reconstrução. Essa resiliência que vem do interior é formidável, mas a que vem de cima é inquebrantável. Deus é nossa fortaleza.
A chave para lidar com a incerteza está em aprender a confiar em Deus, independentemente de quanto possa parecer ruim a situação. Lembre-se de que Deus não permite nada que não possamos suportar (1Co 10:13) e que Ele está cuidando de nós o tempo todo, seja nos guiando em abundância e tranquilidade ou nos ajudando a atravessar os vales mais escuros (Sl 23). Ellen G. White diz: "Nos dias mais sombrios, quando as aparências se mostram mais adversas, tende fé em Deus. Ele está cumprindo Sua vontade, fazendo todo o bem em auxílio de Seu povo. A força dos que O amam e servem será renovada dia após dia. Pode e quer conceder a Seus servos todo o socorro de que carecem. Dar-lhes-á a sabedoria que suas variadas necessidades requerem" (A Ciência do Bom Viver, p. 482).
Deus sabe por que as coisas estão acontecendo como estão. E no futuro iremos compreender.
[Com informações do acervo da RA]
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