“E foram para Jericó. Quando ele saía de Jericó, juntamente com os discípulos e numerosa multidão, Bartimeu, cego mendigo, filho de Timeu, estava assentado à beira do caminho e, ouvindo que era Jesus, o Nazareno, pôs-se a clamar: Jesus, Filho de Davi, tem compaixão de mim! E muitos o repreendiam, para que se calasse; mas ele cada vez gritava mais: Filho de Davi, tem misericórdia de mim! Parou Jesus e disse: Chamai-o. Chamaram, então, o cego, dizendo-lhe: Tem bom ânimo; levanta-te, Ele te chama. Lançando de si a capa, levantou-se de um salto e foi ter com Jesus. Perguntou-lhe Jesus: Que queres que Eu te faça? Respondeu o cego: Mestre, que eu torne a ver. Então, Jesus lhe disse: Vai a tua fé te salvou. E imediatamente tornou a ver e seguia a Jesus estrada fora” (Marcos 10:46-52).
Provavelmente a maioria de nós, numa ocasião ou em outra, já tentou imaginar o que significaria ser cego. Talvez, isto tenha sido quando criança. Nossa tradicional “cabra cega”, era a brincadeira preferida dos meus filhos quando pequenos. Vendar os olhos é comum em diversas brincadeiras das reuniões sociais, tal como, tentar formar pares de sapatos idênticos nas pernas de uma mesa ou colocar a calda em um animal desenhado no quadro. Certamente todos nós, por alguns minutos, tentamos imaginar o que significa viver sem visão, viver em trevas.
Nosso texto, contudo, descreve algo diferente. A situação de Bartimeu, o cego desta história exclusiva do Evangelho de Marcos, vive algo completamente diferente de nossas brincadeiras. Pessoas cegas, mendigando ao longo das estradas do antigo Oriente Médio, eram parte comum do cenário. A poeira e o brilho do sol, aliados a hábitos pouco higiênicos, espalhavam doenças contagiosas para os olhos. Bartimeu, provavelmente, segundo alguns intérpretes bíblicos, nunca havia visto anteriormente. E isso é inteiramente diferente do que simular cegueira por alguns instantes e, então, poder abrir os olhos. Bartimeu nunca fora capaz de ver, muito provavelmente, poucos de nós podemos entender como seria isso.
[Embora Mateus (20:29-34) e Lucas (18:35-43) se refiram a curas semelhantes em Jericó, a história de Marcos tem características exclusivas, pois é o único milagre de Jesus em que o beneficiado é tratado pelo nome. Também é a única história em que Jesus é chamado de “Filho de Davi” (o que pela tradição judaica, significava reconhecer ser Ele o Messias prometido). E é a única história onde a pessoa curada é ordenada a seguir Jesus. Essa narrativa em Marcos serve de clímax para o ministério de cura e ensino de Jesus e também como transição para a narrativa de sua jornada e destino em Jerusalém. Se tomarmos este como o quarto maior segmento (perícope) do Evangelho de Marcos, tal porção termina como começou em 8:22-26, com a história de uma cegueira sendo curada. Marcos provavelmente intencionou esse simbolismo, o qual indica que apenas aqueles que experimentam o milagre do poder de Jesus, mais claramente expresso na cruz e na ressurreição, têm os seus olhos abertos para a verdade. A história acrescenta ainda a dimensão de recepção do milagre: a importância da fé (v. 52). Tal fé significa persistir em clamar por Jesus a despeito de qualquer obstáculo (v. 47-48) e segui-Lo “pelo caminho” apesar de qualquer ameaça].
Este é o ultimo milagre de cura atribuído a Jesus no Evangelho de Marcos. O Senhor estava de passagem por Jericó, 24 quilômetros distante de Jerusalém, onde o último ato do drama da redenção iria tomar lugar. Então, a jornada é subitamente interrompida pelos gritos de Bartimeu, que estava assentado à margem da estrada. Possivelmente Bartimeu havia ouvido acerca da reputação de Jesus. Quando ele descobre que é precisamente Jesus que passava há uma pequena distancia, ele se lança na oportunidade, essa era a chance de sua vida.
Bartimeu começa a fazer tão grande alvoroço, ao saber que a multidão que passa é liderada por Jesus: “Filho de Davi, tem misericórdia de mim”, grita ele. O barulho é tão grande que a cena é vista como algo embaraçoso. A multidão inicialmente tenta fazê-lo se calar. Por que o teriam tentado silenciar? Teria sido o título messiânico atribuído a Jesus que os ofendeu? Ou simplesmente os seguidores de Jesus não queriam qualquer demora na jornada rumo à festa? Difícil saber. Ao contrário da multidão, Jesus não tenta silenciar Bartimeu. Isso implica também que Ele não rejeitou o título “Filho de Davi”. Acima do barulho da multidão Jesus escuta o pedido de socorro, e Marcos 10:49 registra: “parou, pois, Jesus e disse: Chamai-o”.
“Jesus parou”. Nessa ação verbal existe uma extraordinária eloquência. Ao parar, Jesus demonstra absoluto tributo à pessoa em necessidade. Ele para em completa atenção a este pobre cego, esquecido de todos, marginalizado pelo sistema social e religioso dos judeus. Esse cego era a personificação precisa do termo “marginalizado”: ficar à margem do caminho, enquanto os outros passavam e avançavam.
De acordo com o “dogma da retribuição” do judaísmo, esse desafortunado estava simplesmente pagando os pecados dos seus pais ou os seus próprios pecados. Em Levítico 21:17-21, por razões tipológicas, o sacerdócio era proibido aos cegos, coxos, desfigurados ou deformados, mas aquilo que era algo específico e particular foi generalizado. Entre os fariseus havia a crença de que eles não eram obrigados a ter piedade destas pessoas e alguns chegavam a se vangloriar por atirar pedras nelas.
Para os essênios, uma seita separatistas do judaísmo, que vivia em comunidades ao longo do mediterrâneo, os cegos e fisicamente defeituosos deviam ser completamente excluídos. No chamado “Manuscrito das Regras”, qualquer pessoa ferida na carne, paralíticos de pés ou mãos, aleijados, cegos e mudos, não podiam fazer parte da congregação. Ainda, de acordo com o manual “A guerra entre os filhos da luz contra os filhos das trevas”, nenhum coxo, aleijado ou cego, era digno de ajuntar-se aos eleitos na guerra escatológica contra e a hostes de belial. Nenhum deles poderia participar do banquete messiânico, assim como não podiam ter acesso ao templo em Jerusalém, exceto, para pedir esmolas nos seus arredores. (Jeremias sugere a existência de uma tradição proverbial ligada a 2Samuel 5:8, no texto da Septuaginta, que parecia impor limitações ao acesso dessas pessoas “à Casa do Senhor”. Mais tarde, cegos, aleijados, desfigurados, etc, seriam limitados à corte dos gentios e portões externos da área do templo – ver Atos 3:2).
Na história de Bartimeu, Jesus Se eleva acima de regras religiosas inventadas para segregar seres humanos. Ele para demonstrando absoluto tributo e respeito à pessoa em necessidade. Com esse ato Ele diz àquele pobre coitado: “você tem valor, você é importante”. Penso, às vezes, que se Deus fosse colocar uma etiqueta de preço nos seres humanos, mesmo naqueles que padrões humanos podem considerar como sem qualquer valor, o número seria tão grande que seria impossível ler. Em sua aceitação das pessoas Jesus proclamou que ninguém é excluído, a não exceto aqueles que decidem, por si mesmo, se excluir.
Jesus era Mestre na arte de parar em reverência e aceitação à pessoa humana, atribuindo valor aos que eram considerados sem qualquer valor. Jesus era especialista em atribuir valor aos “fragmentos” humanos. Mesmo na cruz, em meio à grande agonia, precisamente no momento exato do desfecho de todo o drama da encarnação, com todo o universo focalizado nesse instante. Mesmo estando ferido e em excruciante dor física e agonia mental, Se considerando abandonado por Deus e pelos seres humanos, Ele para por uma fração de tempo, Se esquece de Si e Se dirige a um dos ladrões que estava pregado na cruz ao seu lado. Outro fragmentado, outro pobre necessitado, solitário, abandonado e moribundo, também em seus últimos momentos. Nesse instante, Jesus faz do Calvário um tanque batismal, e promete: “Estarás comigo no paraíso!”(Lucas 23:43).
Ele para em atenção ao cego que clama por Ele, deixando claro, para sempre, que às necessidades humanas são do interesse divino. Jesus então chama Bartimeu. A multidão que antes o repreendera passa agora a encorajá-lo: “Tem bom ânimo. Levanta-te. Ele te chama” (Marcos10:49). A frase “tem bom ânimo” aparece sete vezes no Novo Testamento. Seis vezes vem dos lábios de Cristo, a sétima vez aparece aqui. Deixando para trás o manto, que poderia servir de obstáculo, o cego se dirige a Cristo. Cabeça jogada para traz, face apontada para o firmamento, olhos opacos e semiabertos. Batendo desconexo e a esmo com o seu bastão, Bartimeu se aproxima.
Na presença de Cristo é lhe feita uma estranha pergunta, a qual aparece como uma grande surpresa. É lógico pensar que Jesus já deveria conhecer tal resposta, mas contrariando o senso comum, Ele pergunta a Bartimeu, que continua, ali em pé, desamparado, com grande confusão estampada em sua face, o cajado patético ainda nas mãos tremulas: “Bartimeu”, diz Jesus, o “que queres que Eu te faça?” Esta é uma pergunta estranha para ser fazer a um cego que clama por misericórdia: “Que queres que Eu te faça?” Isto é perguntar o óbvio!
Podemos imaginar como Bartimeu se sentiu: “Este Jesus deve estar brincando. Minha cegueira é evidente a todos, e Ele, certamente sabe que ninguém deseja viver em trevas”. Provavelmente o cego pensou: “Este Jesus não é muito esperto ou Ele está sendo sarcástico”.
Imagine-se na situação de Bartimeu. Não era apenas a debilidade física, mas o estigma da doença. Vagando perdido por Jericó, imerso em trevas, imaginando como seria ter esposa ou filhos, se ele os tivesse. Dependendo de favores, resignado a todos os tipos de humilhação para conseguir sobreviver.
“Que queres que te faça?” Tal pergunta poderia ser entendida como um golpe novo em uma ferida antiga, mas Bartimeu eleva-se acima de qualquer melindre pessoal e responde seguro: “Mestre que eu veja!” Bartimeu responde à pergunta como se realmente cresse que Jesus não sabe o que ele desejava. Como resposta, Jesus lhe diz: “Vai, a tua fé te salvou. E imediatamente tornou a ver, e seguia a Jesus estrada fora” (Marcos 10:52).
Segundo ato
Esse é o fim da história. Aqui temos tudo o que é relatado acerca de Bartimeu, que, após tal evento, desaparece completamente da narrativa bíblica, e nos deixa com um considerável número de perguntas. Neste ponto nós devemos refletir para completar o quadro. O que significaria se você tivesse sido sempre cego e recebesse a visão? O que teria acontecido com Bartimeu depois disto?
Li certa vez um artigo escrito por um especialista em olhos que analisava o que significa uma pessoa cega passar a ver depois de prolongado convívio com as trevas. Eu imaginava que deveria haver uma alegria extraordinária. Poder, finalmente, ver uma árvore, uma casa ou ver uma pessoa. Em nossa imaginação, provavelmente, criamos um quadro de cores bastante róseas, quase romântico. Abrir os olhos, estas extraordinárias janelas, para discernir formas e cores. Mas não é isto que dizem os especialistas. Ver pela primeira vez é uma experiência extremamente perturbadora e frustrante.
A primeira coisa que acontece, afirma aquele artigo, é uma séria desorientação. Desorientação mais severa mesmo do que perder a visão e tornar-se cego. Aquele que vê pela primeira vez, sofre de tonteira e cai. Segundo o artigo, tal pessoa irá sentir grande mal estar no estômago e enjoos. Em resumo, a pessoa que repentinamente recebe a visão, de inicio, é compelida a concluir que ver não é precisamente o que ela esperava.
Assim, podemos nos reencontrar com Bartimeu: apertado entre a multidão, tentando seguir a Jesus. Ele não consegue discernir direito para onde está indo. Ver lhe parece confuso e desorientador. Por vezes, ele tenta se orientar com o velho bastão numa das mãos, enquanto com a outra cobre os olhos para se proteger da luz que dolorosamente o incomoda. Quando vem a tarde, Bartimeu percebe que deve voltar para casa, e enfrenta uma nova dificuldade. Ele pode ver, mas não sabe como encontrar o caminho de sua casa. Seus prováveis auxiliares, certamente já o teriam abandonado, presumindo que por ele já poder ver não mais necessita deles. Além disso, Bartimeu não saberia como reconhecer sua casa. O fato é que ele enxerga, o que deve, agora, lhe estar trazendo grandes dificuldades em se organizar com a nova experiência da visão.
E o que você supõe que teria acontecido com Bartimeu uma semana depois? Ele começa a enfrentar novos problemas. As pessoas não estavam mais desejosas de esperá-lo ou cuidar dele, como faziam quando ele era cego. E acostumado a mendigar, agora se vê forçado a trabalhar. Quem daria esmola a um cego que agora vê? Mas, trabalhar como? Bartimeu não tinha nenhuma profissão. Ele não sabia fazer nada. Ele ainda dependia das pessoas, com o agravante de que ninguém mais toma tempo para ajudá-lo.
Em uma palavra, Bartimeu não está nada bem! Qual o seu problema? Ele começou a ver! As pessoas esperam que ele seja responsável, que tome conta de si mesmo, que entre na competição da vida, e acabe com sua dependência. Bartimeu então, podemos imaginar, começa a se perguntar se seu pedido a Jesus foi sábio. Ele sabia como se comportar sendo cego. Havia certa segurança vivendo nas trevas, mas agora ele não está mais seguro de si. A nova questão é: como se comportar quando você pode ver? A pergunta de Cristo, então, “que queres que eu te faça”, começa a fazer sentido para ele.
Muitas vezes me perguntei por que essa pequena história sobre Jesus e Bartimeu, aparece aqui em Marcos, apertada na narrativa? Esta é uma história curiosa, aquilo que se chama em teologia de um non sequitur, ou seja, algo que não se ajusta bem onde aparece. Jesus e seus discípulos estão a caminho de Jerusalém, onde a tragédia, a hostilidade e a oposição das autoridades do estabelecimento religioso, lhe esperam. A prisão, o julgamento ilegal, onde será covardemente espancado, humilhado, torturado e levado à cruz estavam a curta distancia dele. E aí, repentinamente, dentro desse contexto, aparece essa narrativa acerca de um homem cego a quem Jesus pergunta: “que queres que eu te faça?” Isso é realmente muito estranho.
Bem neste ponto eu e você entramos na história. Devemos lembrar que a Bíblia é uma grande tela. Seus vultos vão além deles mesmos, porque, em última análise, eles não são apenas eles próprios. Os personagens das Escrituras são representativos. Eles são tipos e parábolas apontando para verdades além de suas próprias histórias. Na verdade tais vultos são parte de cada um de nós, da maneira como agimos e reagimos, em nosso encontro com Cristo. Esta narrativa, de certa forma, é a nossa biografia. Você sabe o que Marcos está realmente dizendo com a história de Bartimeu? Marcos está afirmando que você e eu somos cegos. Nos termos de Jesus, você e eu não podemos ver, pois vivemos em trevas.
A luz do sol penetra até 100 metros por dentro do mar, dali para frente, predominam trevas impenetráveis, nas chamadas profundezas abissais. As criaturas que nascem e vivem nestas regiões de trevas, em contato prolongado com a escuridão, tem o nervo ótico atrofiado e perdido para sempre. O contato com as trevas tem efeito devastador sobre a visão. A nossa situação é consideravelmente pior. Nascemos espiritualmente cegos e o contato permanente com a escuridão nos torna duas vezes criaturas das trevas. Você está surpreso? Não se surpreenda. Ser cego é provavelmente o que nós queremos. Ser cego, afinal, não é tão mal assim, porque quando somos cegos não podemos ver as coisas como elas realmente são. Em outras palavras, não somos “incomodados” pela visão. Na maioria das vezes, não queremos ver o que não gostamos de enfrentar. Portanto, é conveniente ser cego. É conveniente não ver a Deus e a sua vontade ou mesmo a nós próprios, sem as máscaras de que tanto gostamos.
Mas quando a nossa cegueira é curada começamos a ver as coisas que realmente não gostaríamos de ver. E aí já não podemos facilmente fugir delas ou pretender que elas não existam. Passamos a ver as coisas que não podíamos ver antes. Porque, afinal, Jesus disse que a menos que nasçamos de novo não poderemos “ver o Reino de Deus” (João 3:3). O Reino de Deus, nos lábios de Jesus Cristo, não é uma questão de geografia. Não é primeiramente um lugar, mas um relacionamento com a pessoa do Rei, que nos convoca para maior dedicação, maior pureza e maior integridade. A visão nos leva a um confronto inevitável com Deus, conosco e com as coisas enterradas nos porões de nossas trevas. É provavelmente por isto que a visão nos parece tão ameaçadora. Segundo a Bíblia: “e o julgamento é este: a luz veio ao mundo, e os homens amaram antes as trevas que a luz, porque as suas obras eram más” (João 3:19).
Blaise Pascal está correto ao afirmar que não é a incredulidade que gera a desobediência. Ao contrário, é a desobediência que gera a incredulidade. Frequentemente buscamos desacreditar a luz ou exageramos nossas dúvidas, simplesmente porque nos escusamos de qualquer mudança. A luz nos coloca face a face com nossos gostos, preferências, escolhas e hábitos. A visão nos leva ao confronto com a verdade de que há coisas para serem consertadas em nossa vida, família, trabalho e relacionamentos.
Em nosso encontro com Cristo, Ele nos faz a perturbadora pergunta: “Que queres que Eu te faça?” Considerando que Cristo nunca impõe Sua vontade, Ele nos pergunta se realmente queremos ver. A pergunta de Cristo a Bartimeu não é, afinal, tão estranha. A questão é realmente muito simples e compreensível, mas difícil de ser respondida. Muitos não querem se “desorientar”. Não querem “sentir a tonteira” daqueles que passam a ver. “Cair ou sentir dores no estômago”. Não queremos ver, porque não queremos pagar o preço da visão. O que realmente nos incomoda em Cristo não é, como muitos alegam, aquilo que não entendemos, mas precisamente aquilo que entendemos, mas não queremos mudar.
Ele pergunta: “Que queres que Eu te faça?” Muitos tendem a dizer: “Nada Senhor. Está tudo bem do jeito que está. Eu não enxergo, mas está tudo bem. Realmente não preciso de nada”. Essa é frequentemente a nossa resposta. Convivemos bem com as trevas. Rejeitamos a luz porque ela interfere com nossas ideias de liberdade. Queremos ser deixados em paz em nossas trevas. Não é de admirar que Jesus tenha, em outra ocasião, afirmado ter vindo ao mundo para juízo, a fim de que os que não veem, mas querem ver, vejam e os que pensam que veem, continuem cegos (João 9:39).
Assim, como Bartimeu, diante da possibilidade da visão, podemos ter outra atitude. “Mestre, abre-me os olhos, pra que eu veja. Eu sei que há um preço na visão. Eu sei que não vou gostar das coisas da luz. De ver as coisas sobre Deus e sobre mim, que tenho evitado há tempos. Coisas a respeito de outras pessoas que tenho usado e explorado. Mas Senhor, eu quero ir para a luz e poder ver. Porque, só então serei um discípulo dAquele que disse ser a luz do mundo. Mestre, abre-me os olhos!”
Jesus Cristo entrou em nosso mundo. Sua presença, Sua vida, ministério, ensinos, e Sua morte e ressurreição foram o “relâmpago” da revelação de Deus nas nossas trevas. Aqueles que veem o Seu clarão, passam a experimentar a vida de forma diferente. Após nosso encontro com Jesus, as trevas ao nosso redor nunca mais serão as mesmas. Nosso vazio interior. Nossa falta de propósito e solidão. Nossa impotência diante das perplexidades e absurdos da vida e o próprio medo da morte terão sido mudados para sempre. Depois de Cristo, as trevas nunca mais serão as mesmas. Ele é como a luz do Sol. Não cremos nela apenas porque a vemos, mas porque através dela vemos todas as coisas.
Para ponderar
Segundo o testemunho das Escrituras, Satanás, o deus deste século, cega o entendimento das pessoas, para que não lhes resplandeça a luz do evangelho (2 Coríntios 4:4). Isso significa que desde a queda da raça humana, registrada em Gênesis 3, todas as pessoas que nasceram e vão nascer no planeta Terra, naturalmente são criaturas das trevas. Como Cristo disse, não podemos ver (João 3:3), pois Satanás cegou e ainda cega as pessoas de tal forma que elas não podem ver o que elas são na verdade. Somos incapazes de ver que nossa vida avança para o desastre.
Há ainda um aspecto mais deplorável na condição humana. Não apenas não vemos, mas nos tornamos acostumados com as trevas e passamos a crer que esta é a forma natural das coisas. Nos acostumamos de tal forma com nossas insanidades que o antinatural, se torna o natural. E. Stanley Jones conta que conheceu, na Índia, um homem que se acostumou a andar numa bicicleta de guidão torto, o qual se fosse endireitado, o homem cairia. Ele se tornou, segundo Jones, “naturalizado na tortura”. Para aqueles que são naturalizados na tortura do mundo, sua filosofia, gostos, opiniões, conselhos e estilo, além dos seus sedutores deuses contrafeitos que tanto gostamos de cultuar, como divindades absolutas (sexo, sucesso, dinheiro, poder e consumo), é impossível ver clara e corretamente. O realismo de Cristo se torna idealístico. De fato, o Seu realismo é simplesmente incompreensível e sem sentido para todos os que estão presos nas trevas da pequena concha em que vivem.
Visão espiritual é possível apenas através do novo nascimento (que não é primariamente o que Deus exige, mas o que Ele nos oferece), experiência na qual o Senhor restaura, ou melhor ainda, ressuscita em nós, aquilo que originalmente morreu no Éden (Gênesis 3:3). Cristo nos oferece visão, mas Ele não a impõe. Daí Sua pergunta a Bartimeu, que, em última análise, é um tipo da pergunta que Ele faz a todos nós: “Que queres que Eu te faça?” Cristo vem a nós como luz (João 4:4-5:9). Ele ilumina nossas trevas para que vejamos todas as nossas distorções, a feiúra do pecado e seu caráter destrutivo. Ele revela as riquezas de Sua glória, para que vejamos, afinal, que o pecado não é natural à nossa verdadeira essência como criaturas de Deus.
A visão que Cristo nos oferece, como a verdadeira luz (João 8:12), nos ajuda a ver o que realmente é importante, além de impedir que sejamos enganados com a ideia de que tudo está como deveria ser. Muitos podem estar satisfeitos nas trevas, enquanto outros estão satisfeitos na sua justiça própria, que, por ironia, é outro tipo de cegueira, talvez até mais difícil de ser curada. Nossa necessidade de visão espiritual cobre um enorme campo e aspectos da vida na medida em que avançamos em santificação. A visão, de certa forma, como a própria santificação, é gradativa. Não há ponto final nela, assim como é permanente o desafio de Cristo cada vez que Ele nos pergunta: “Que queres que Eu te faça?”
Amin Rodor (via O Incomparável Jesus Cristo)
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