terça-feira, 9 de setembro de 2025

O AMOR DE DEUS PELA JUSTIÇA

Amor e justiça caminham de mãos dadas
Muitos estão acostumados a pensar que o amor e a justiça são coisas opostas. Nessa perspectiva, não se pode ser totalmente justo e amoroso ao mesmo tempo. Nessa visão, o amor é permissivo e impede, ou pelo menos confunde, a devida aplicação da justiça. Por outro lado, muitos argumentam que a justiça deve ser objetiva e imparcial. Assim, necessariamente exclui qualquer manifestação autêntica de misericórdia e amor.

Esse entendimento, no entanto, não é a única (nem a melhor) forma de pensar a respeito da relação entre amor e justiça. Segundo a Bíblia, o amor e a justiça não estão desconectados nem se opõem, mas são combinados de forma coerente na descrição do caráter perfeito de Deus. No relato bíblico integral do amor e da justiça, um não pode ser compreendido adequadamente sem o outro. Uma pretensão de amor sem justiça significa ser parcial e tendencioso, enquanto a ideia de justiça sem amor é um legalismo frio. A Bíblia vai ainda um passo além na descrição do caráter divino. Deus não apenas combina perfeitamente amor e justiça, mas Ele ama a justiça (Sl 33:5; Is 61:8).

O termo hebraico traduzido como justiça, no Salmo 33:5 e em Isaías 61:8, é mishpat, que transmite a ideia de um governo íntegro e correto. As concepções modernas de governo democrático costumam separar as funções legislativa, judicial e executiva, mas a ideia bíblica de mishpat não está “restrita apenas aos processos judiciais”, mas se refere a “todas as funções do governo”. Nessa perspectiva, não havendo separação de funções, o governo nos tempos bíblicos estava centrado especialmente na figura do governante, e não em códigos legais. Além disso, o governante, que também era o juiz, exercia poderes executivos e judiciais. Em outras palavras, o governante/juiz não apenas tomava decisões judiciais, mas também as executava ou fazia com que fossem executadas. Por exemplo, quando Davi apelou a Deus como Juiz em sua disputa com Saul, ele não estava apenas pensando em uma decisão jurídica, mas na execução judicial de libertação e vindicação. Assim, Davi disse: “Que o Senhor Deus seja o meu Juiz e julgue entre nós dois. Que Ele examine e defenda a minha causa, me faça justiça e me livre das mãos do rei” (1Sm 24:15).

Se levarmos em conta essa compreensão mais ampla de justiça, dizer que Deus ama a justiça revela pelo menos duas ideias essenciais em nosso estudo a respeito Dele. Em primeiro lugar, a justiça divina não está apenas relacionada com códigos legais, mas diz respeito fundamentalmente ao coração e ao caráter de Deus. Em segundo lugar, Ele não ama apenas a deliberação da justiça, mas também sua execução.

A justiça amorosa requer constância
Se a justiça se refere a um governo sólido, com um julgamento e execução adequados, como vimos anteriormente, então deve excluir a possibilidade de decisões aleatórias ou arbitrárias por parte do governante. Nessa perspectiva, justiça exige constância e regularidade. Quando dizemos que Deus é imutável, geralmente citamos duas passagens bíblicas em especial, uma do AT e outra do NT: Malaquias 3:6 e Tiago 1:17. Quando se trata da doutrina de Deus, o conceito de imutabilidade está fortemente carregado de premissas filosóficas em diversas tradições da teologia cristã. No entanto, é seguro dizer que Malaquias 3:6 e Tiago 1:17 destacam que o caráter moral de Deus é constante e confiável. Ou seja, Ele é imutável em Seu caráter moral.

Malaquias 3 enfatiza a ideia da justiça de Deus. Ainda no fim do capítulo 2 é introduzida a questão da justiça divina: “Onde está o Deus da justiça?” (Ml 2:17). Em outras palavras, o que vai acontecer com “aqueles que fazem o mal”? Em resposta a essa questão fundamental, Malaquias 3 destaca a vinda do juízo divino: “Quem poderá suportar o dia da Sua vinda? E quem poderá subsistir quando Ele aparecer?” (Ml 3:2). O juízo tem em vista especialmente a história de rebeldia do povo de Deus, mas essa mensagem bastante séria pretende, na verdade, ser um apelo ao arrependimento. Portanto, a tônica do juízo futuro de Deus é, em última análise, cheia de esperança.

Nesse contexto de juízo e esperança, o Senhor enfatiza que Ele não muda, e esse fato é exatamente a razão pela qual Seu povo não é destruído (Ml 3:6). A versão NET Bible traduz esse versículo da seguinte forma: “Eu, o Senhor, não volto atrás em Minhas promessas” (Ml 3:6). Essa paráfrase deixa claro que, pelo contexto da passagem, a aliança de Deus possui imutabilidade moral. O próximo versículo diz: “Voltem para Mim, e Eu voltarei para vocês” (Ml 3:7). A ênfase desse texto destaca uma mudança de atitude relacional e positiva da parte de Deus, que é o que Ele deseja fazer, dependendo do arrependimento do povo.

Tiago 1:17 também destaca a ideia de que Deus é constante e imutável em termos morais. O contexto desse capítulo indica que as tentações não são motivadas por Deus, pois Ele, de maneira consistente e constante, nos concede dádivas boas e perfeitas vindas do alto. Assim, em vez de uma combinação arbitrária de tentações e dádivas, Deus sempre nos oferece consistentemente apenas dádivas. Como o “Pai das luzes”, Ele não mostra nenhuma “variação ou sombra de mudança” (Tg 1:17). A conexão entre Deus como o Criador da luz e Sua constância também é mencionada no Salmo 136: 7-9. Esse Salmo repete várias vezes: “O Seu amor leal dura para sempre” (NVI). Nesses versículos, o salmista destaca o poder criativo e a constância de Deus: “Àquele que fez os grandes luzeiros, porque a Sua misericórdia dura para sempre. Fez o sol para presidir o dia, porque a sua misericórdia dura para sempre. Fez a lua e as estrelas para presidirem a noite, porque a Sua misericórdia dura para sempre” (Sl 136:7-9).

A justiça amorosa leva em conta o arrependimento
À primeira vista, algumas declarações do AT a esse respeito parecem apresentar ideias opostas. Por um lado, temos passagens que afirmam que o Senhor não muda: “Deus não é homem, para que minta; nem filho de homem, para que mude de ideia. Será que, tendo Ele prometido, não o fará? Ou, tendo falado, não o cumprirá?” (Nm 23:19). “Também a Glória de Israel não mente, nem muda de ideia, porque não é homem, para que mude de ideia” (1Sm 15:29). A ideia central desses textos bíblicos é que Deus não mente, o que está em harmonia com o ensino do NT sobre Deus, em Tito 1:2 e Hebreus 6:18.

Por outro lado, várias passagens do AT dizem que Deus “muda de ideia” (NAA) ou “Se arrepende” (ARA) no sentido de não trazer o juízo que havia anunciado contra aqueles que praticaram o mal. Um dos exemplos mais conhecidos é a misericórdia divina demonstrada a Nínive (Jn 3:10). Em Jonas 4, o próprio profeta questiona o arrependimento de Deus. Ao explicar por que tinha se recusado a anunciar o juízo divino contra Nínive, Jonas reforçou a misericórdia de Deus: “Ah! Senhor! Não foi isso que eu disse, estando ainda na minha terra? Por isso, me adiantei, fugindo para Társis, pois sabia que Tu és Deus bondoso e compassivo, tardio em irar-Se e grande em misericórdia, e que mudas de ideia quanto ao mal que anunciaste” (Jn 4:1, 2).

Jonas 4:2 contém pelo menos três razões importantes pelas quais essa “mudança” ou “arrependimento” da parte de Deus não deveria ser uma surpresa. Em primeiro lugar, o próprio Jonas indica que suspeitava, desde o início, que aconteceria exatamente isso. Essa suspeita de que Deus iria manifestar Sua misericórdia foi a verdadeira razão pela qual Jonas fugiu para Társis. Em segundo lugar, a declaração do profeta sobre Deus remete a Êxodo 32:14 e 34:6, 7, onde Deus havia “mudado de ideia” ou “Se arrependido” em relação ao próprio Israel. Portanto, bem antes de demonstrar misericórdia por Nínive, Deus havia feito o mesmo por Israel. Em terceiro lugar, esse tipo de arrependimento não significa que Deus tenha mentido sobre os juízos que Ele havia anunciado, pois Ele explica em Jeremias 18:7-10: “No momento em que Eu falar a respeito de uma nação ou de um reino para o arrancar, derrubar e destruir, se essa nação se converter da maldade contra a qual Eu falei, também Eu mudarei de ideia a respeito do mal que pensava fazer-lhe. E, no momento em que Eu falar a respeito de uma nação ou de um reino, para o edificar e plantar, se ele fizer o que é mau aos Meus olhos e não obedecer à Minha voz, então Eu mudarei de ideia quanto ao bem que havia prometido fazer.” Portanto, Deus muda Suas ações para com as pessoas, em termos relacionais, se elas mudarem sua atitude para com Ele também em termos relacionais.

Apegue-se ao amor e à justiça
As Escrituras ensinam que o Senhor “é Deus; Ele é o Deus fiel, que guarda a aliança e a misericórdia até mil gerações aos que O amam e cumprem os Seus mandamentos” (Dt 7:9). Seu caráter de bondade e amor foi demonstrado de forma suprema por Jesus na cruz. De acordo com o Salmo 100:5, “o Senhor é bom, e o Seu amor leal dura para sempre; a Sua fidelidade permanece por todas as gerações”. Assim, podemos confiar em Deus, pois Ele dá apenas boas dádivas aos Seus filhos. Na verdade, Ele concede coisas boas até mesmo àqueles que se posicionam como Seus inimigos.

O amor de Deus é perfeito. O amor imperfeito é aquele que expressamos apenas a quem nos ama. O Senhor, porém, ama até mesmo os que O odeiam, inclusive os que se colocam como Seus inimigos. Seu amor é completo e, portanto, perfeito. Embora o amor e a misericórdia de Deus excedam grandemente todas as expectativas razoáveis, nunca anulam nem contradizem a justiça. Pelo contrário, o amor divino une a justiça e a misericórdia (Sl 85:10). Da mesma forma, a Bíblia exorta: “Siga o amor e a justiça, e espere sempre no seu Deus” (Os 12:6; Lc 11:42).

No fim, o próprio Deus trará justiça perfeita. Romanos 2:5 ensina que o Seu “justo juízo” será revelado. Por fim, os redimidos cantarão: “Grandes e admiráveis são as Tuas obras, Senhor Deus, Todo-Poderoso! Justos e verdadeiros são os Teus caminhos, ó Rei das nações! Quem não temerá e não glorificará o Teu nome, ó Senhor? Pois só Tu és santo. Por isso, todas as nações virão e se prostrarão diante de Ti, porque os Teus atos de justiça se fizeram manifestos” (Ap 15:3, 4; compare com Ap 19:1, 2).

Ellen G. White conclui: “Deus uniu nosso coração a Ele por meio de incontáveis provas no céu e na Terra. Através das coisas da natureza e dos mais profundos e ternos laços que o coração humano pode conhecer, Deus procura revelar-Se a nós. Embora de maneira incompleta, isso representa Seu amor. Apesar de todas essas evidências, o inimigo do bem cegou o entendimento das pessoas, de modo que elas passaram a olhar para Deus com medo e a considerá-Lo inflexível e incapaz de perdoar. Satanás levou o ser humano a pensar que Deus é um ser cujo principal atributo é a justiça severa, como se Ele fosse um juiz austero, um credor duro e implacável. Ele retratou o Criador como Alguém que fica vigiando desconfiado, buscando erros e falhas nas pessoas para que possa condená-las. Foi para remover essa sombra escura e revelar ao mundo o infinito amor de Deus que Jesus veio viver com a humanidade” (Caminho a Cristo, p. 8).

Nenhum comentário:

Postar um comentário