A terminologia hebraica abrangente e colorida para pecado revela sua natureza devastadora. O rico vocabulário demonstra a complexidade do pecado. A linguagem bíblica mais forte para pecado — a trilogia do pecado — consiste nos seguintes termos: hattah (o termo mais comum para pecado no sentido de errar o alvo, desviar-se do caminho certo ou se perder da senda reta; a palavra grega hamartia expressa a mesma ideia), avon (transgressão, algo que é torto, distorcido ou desviado) e peshah (rebelião, revolta). Deus perdoa todas essas variantes pecaminosas e transgressões mencionadas em passagens cruciais das escrituras hebraicas (ver Êxodo 34:6; Levítico 16:21; Salmo 32:1, 2; Isaías 53:5, 6, 8-12; Daniel 9:24). Além dessas três palavras principais para pecado, a Bíblia contém termos adicionais que descrevem a complexidade do pecado e nossa natureza pecaminosa, por exemplo: maldade, culpa, perversidade, transgressão, impureza, engano, desonestidade, falsidade, ofensa, abominação, profanação, perversão, injustiça, erro, arrogância e fracasso.
De acordo com o relato da Criação em Gênesis, os seres humanos foram criados (1) para um relacionamento com Deus, (2) em total dependência Dele, (3) para desfrutar e cultivar Sua presença na vida. O pecado destrói esse modelo e arruína o belo projeto original que Deus estabeleceu para a felicidade, prosperidade e crescimento da humanidade.
Cinco definições bíblicas de pecado
É possível resumir os vários aspectos do problema do pecado em cinco definições bíblicas principais de pecado:
1. O pecado, segundo Gênesis 3, é uma relação rompida com Deus, uma tentativa de viver de forma independente e autônoma, longe de Deus (do grego autos, “próprio”, e nomos, “lei”, ou seja, ser a lei de si mesmo). É uma vida sem Deus, Sua autoridade e Sua lei. Destrói as qualidades básicas da vida e nega a presença de Deus (por isso, Adão e Eva se esconderam após pecarem). O pecado é, portanto, a descriação, o desfazimento da maravilhosa Criação de Deus. O pecado inverte todas as três funções e propósitos fundamentais da vida para os quais fomos criados: rompe uma comunhão de confiança com Deus, decide pela própria autoridade o que é certo ou errado e nos afasta da presença do Senhor. Assim, o mal nos separa de Deus e nos isola Dele.
O pecado surge como resultado da recusa da autoridade de Deus e da falta de vontade de reconhecê-Lo como o Criador, a quem somos e devemos prestar contas. A lei de Deus é quebrada primeiro na mente e depois no comportamento. A mesma ideia de Gênesis 3 é expressa por Paulo no Novo Testamento: “Tudo o que não provém da fé é pecado” (Romanos 14:23). Fé é uma relação de confiança com Deus, e quebrar a fé é pecado (Malaquias 2:10, 11). Deus comentou sobre o pecado de Moisés da mesma maneira: “Vocês não confiaram em mim o suficiente para me honrar como santo aos olhos dos israelitas” (Números 20:12). Portanto, pecado é desconfiança em Deus, descrença nele; é um estado de espírito com rejeição direta da lei de Deus.[1]
A Bíblia apresenta definições adicionais de pecado; no entanto, elas são, em princípio, uma elaboração e expansão da descrição acima, construídas sobre a teologia do pecado apresentada na narrativa da Queda.
2. A definição bem conhecida de pecado na Bíblia vem do apóstolo João (com base em Gênesis 3): pecado é a transgressão da lei (1 João 3:4; a palavra grega anomia significa literalmente “transgressão da lei”), um ato concreto de desobediência. É uma ação externa, um resultado visível de um relacionamento rompido, uma consequência de pensamentos errados, um efeito da fé quebrada e um produto da desconfiança. A pergunta de Deus: “Comestes da árvore da qual te ordenei que não comesses?” (Gênesis 3:11) revelou que a desobediência é o resultado do desrespeito ao mandamento de Deus. Dessa forma, o pecado é uma rebelião desafiadora e arrogante contra Deus, e uma rejeição orgulhosa de Sua palavra, vontade e autoridade. Isso foi bem explicado por Samuel a Saul, o primeiro rei de Israel, após sua desobediência: “Obedecer é melhor do que sacrificar. [...] A rebeldia é como o pecado da adivinhação, e a arrogância como a maldade da idolatria” (1 Samuel 15:22, 23). Viver em pecado significa viver sem se concentrar em Deus e cumprir a Sua vontade.
3. O pecado é um estado inato para os seres humanos. Isso já se reflete em Gênesis 5:1-3, onde se afirma que Adão foi criado à imagem de Deus, mas Sete nasceu à imagem de Adão, seu pai. A diferença entre Adão ser criado à imagem de Deus (Gênesis 1) e Sete ser feito à imagem de Adão (Gênesis 5) pode ser explicada pelo evento que provocou essa mudança: a queda no pecado, conforme descrito em Gênesis 3. Após o pecado de Adão e Eva, nossa natureza humana foi corrompida, e sua posteridade nasceu com uma natureza pecaminosa. Davi afirma isso claramente: “Certamente eu nasci em pecado, e em iniquidade me concebeu minha mãe” (Salmo 51:5). Também no Salmo 58:3, Davi fala sobre a atitude errada dos ímpios para com Deus: “Desde o nascimento os ímpios se desviam; desde o ventre materno se desviam, espalhando mentiras”. Antes do nosso arrependimento, todas as nossas vestes estão imundas (Isaías 64:6); Antes da regeneração, nosso coração está pervertido e nos engana (Jeremias 17:9). O caminho parece reto aos homens, mas seu fim é a morte (Provérbios 14:12). Não somos capazes de mudar nossa natureza, assim como um leopardo não pode trocar de pele (Jeremias 13:23). Sem exceção, somos todos pecadores (Eclesiastes 7:20; Romanos 3:23; 1 João 1:8). Temos medo de Deus por natureza (Gênesis 3:10); nascemos alienados dEle e mortos em nossos pecados (Efésios 2:1, 12, 19).[2]
O apóstolo Paulo explica isso claramente em Romanos 7:15-20, quando declara que o pecado reside em nossa natureza humana. Os seres humanos nascem com uma natureza pecaminosa e, consequentemente, nascem como pecadores, separados de Deus e necessitados de salvação. Como pecadores, amamos e praticamos o pecado, e nossa natureza pecaminosa é caracterizada por egoísmo, tendências ao mal, propensões ao pecado e inclinações para o mal. O poder do pecado nos escraviza (Romanos 5:6; 6:6, 7, 14; 7:25). Não apenas uma parte do ser humano pecou, mas a pessoa inteira; portanto, tudo é afetado e corrompido pelo pecado.
Tiago reforça essa mesma verdade ao explicar que o pecado começa com os desejos íntimos da nossa natureza pecaminosa, que o “desejo maligno” reside dentro de nós e, quando cultivado, produz pecado, a busca pelo fruto proibido. Esse desejo errado ainda não é pecado (a menos que seja acalentado), mas quando cedemos a ele, leva a ações erradas e à morte (Tiago 1:14, 15). Somos culpados quando nos entregamos a esses desejos malignos e nos associamos a eles.
4. Pecado é a negligência em fazer o bem, a omissão em fazer o que é certo (Tiago 4:17). Envolve uma atitude de indiferença. Essa atitude também pode ser chamada de apatia ou tibieza (Apocalipse 3:15-18). O cristianismo é mais do que apenas não fazer coisas erradas (Tiago 1:27), pois a verdadeira religião consiste em fazer o que é bom, certo e proveitoso (Miquéias 6:8; João 5:29; Tito 3:8; Tiago 1:27; cf. Filipenses 4:5, 6). O cristianismo é uma religião ativa. O Deus vivo é um Deus de ação; portanto, Ele deseja seguidores proativos. Conhecer a verdade e praticar boas obras devem sempre andar de mãos dadas (Gálatas 5:4; Tiago 1:27; 1 Pedro 2:9; Efésios 2:10).
5. O pecado por excelência é não crer em Jesus Cristo, pois Ele é a única solução para a nossa pecaminosidade (João 16:8, 9). Os seres humanos não podem se ajudar, curar o problema do pecado e sarar suas próprias feridas. Cristo é o único e exclusivo Salvador do mundo (Atos 4:12; 16:31; Romanos 8:1; 1 João 5:12, 13). Rejeitar o Seu sacrifício supremo por nós — a Sua morte na cruz — é como se afogar no oceano e, quando o socorro chega, recusar a oferta de salvação. Pecado é a incredulidade em Jesus, a recusa da Sua ação salvadora em nosso favor, porque Ele é o único que pode nos resgatar da escravidão do pecado. Deixar de aceitar Jesus como Salvador pessoal e permanecer no pecado é fatal (Provérbios 24:16; João 3:36).
Somente quando compreendemos a verdadeira natureza do pecado podemos nos conhecer melhor e admirar ainda mais o que Jesus fez e está fazendo por nós, em nós e através de nós. A compreensão de que a solução para o problema do pecado exigiu a encarnação e a morte de Jesus Cristo (Gênesis 3:15; Isaías 53:1-6; João 3:16; Romanos 6:23; 2 Coríntios 5:21) nos ajuda a enxergar a verdadeira e terrível natureza do pecado, com toda a sua seriedade e profundidade. Deus teve que deixar Sua posição no céu, viver como um ser humano e passar por imenso sofrimento e morte para nos salvar e nos libertar do poder do pecado. Essa solução teve um custo extremamente alto — custou a vida do Filho de Deus, Jesus Cristo.
Conclusão
Onde o primeiro Adão falhou, o segundo Adão venceu (Rm 5:14-21; 1Co 15:22, 45-49). O que os humanos perderam no Jardim do Éden, Cristo veio restaurar na cruz. Nossa nova e verdadeira identidade pode e deve ser moldada e edificada de acordo com a vitória conquistada por Jesus Cristo (2Co 5:17). Deus não nos deixou à mercê do poder de Satanás e do pecado — o Espírito de Deus traz a vitória quando, pela fé, nos apegamos a Deus e à Sua Palavra, pois somente o Espírito Santo e a Palavra de Deus podem produzir a verdadeira vida (Ez 36:25-27; Rm 8:4, 14). A solução para o pecado envolve não apenas o perdão, mas também a renovação e a restauração da imagem de Deus e a libertação da escravidão e dos vícios do pecado. Uma nova vida é orientada pela Palavra e pelo Espírito (Rm 8:2-6; Cl 3:1-4, 10).
Nossa natureza pecaminosa não muda nem desaparece por meio da conversão ou do arrependimento. Contudo, nossa natureza pecaminosa, tendências ou inclinações (herdadas ou cultivadas) podem ser controladas pelo poder do Espírito Santo, Sua Palavra e a graça de Deus (Romanos 7:25; 8:1-11). Até a Segunda Vinda, teremos nossa natureza pecaminosa, e somente então os crentes serão completamente transformados e receberão um corpo incorruptível (1 Coríntios 15:50-57; Filipenses 3:20, 21; 1 João 3:2-5). Enquanto isso, porém, podemos ter plena confiança em Cristo, que nos liberta do pecado.
Referências
[1] Ellen G. White define com precisão o primeiro pecado de Adão e Eva no Jardim do Éden como “desconfiança na bondade de Deus, descrença em Sua palavra e rejeição de Sua autoridade, que fizeram de nossos primeiros pais transgressores e que trouxeram ao mundo o conhecimento do mal” (Educação, p. 25). A natureza do pecado é, portanto, explicada pelo conceito de um relacionamento rompido e um estado de espírito hostil em relação a Deus. Veja também o artigo “Pecado” em The Ellen G. White Encyclopedia, pp. 1164-1167.
[2] Somente Jesus nasceu como “o santo” (Lucas 1:35); todos os humanos nascem hostis a Deus (Romanos 8:7) e mortos em seu pecado (Salmo 51:5; Efésios 2:1-3).