Em meio às advertências sobre o impacto da tecnologia moderna em relação à alma, Kevin Kelly, 59, é uma espécie de evangelista dos geeks. ”Podemos ver mais de Deus em um telefone celular do que em um sapo”, explica o co-fundador da revista Wired em seu mais recente livro, What Technology Wants [O que a tecnologia quer].
O título é provocante e introduz uma tese ainda mais provocativa: Todos os artefatos humanos, desde as palavras, passando pela roda e chegando à Wikipedia, agem conjuntamente com um organismo vivo, que reflete algo de divino.
”A tecnologia tem suas raízes na ação de Deus em todo o universo”, disse Kelly em entrevista à revista Christianity Today.
”A tecnologia tem suas raízes na ação de Deus em todo o universo”, disse Kelly em entrevista à revista Christianity Today.
Kelly entregou-se a Cristo em 1979, após ficar trancado do lado de fora de um albergue em Jerusalém e acabou dormindo em uma pedra na entrada da Igreja do Santo Sepulcro.
Você usa o termo technium para descrever todos os artefatos que os seres humanos criaram. Por que não usar a palavra “cultura”?
Uso technium para enfatizar que a criação humana é mais do que a soma de todas as suas partes. Alguns de nossos pensamentos são mais do que a simples soma de toda a atividade dos neurônios. A própria sociedade tem certas propriedades que são mais do que a soma dos indivíduos. Há algo maior do que nós. Da mesma forma, o technium terá um comportamento que você não vai encontrar em seu iPhone ou em sua lâmpada. A ideia de technium abrange muito mais do que é sugerido pela palavra cultura. Este ecossistema tecnológico ou superorganismo não é algo aleatório, que é algo controverso na comunidade científica, mas não deve ser entre os teólogos.
É Deus que guia o progresso da technium a medida que ele se desenvolve?
Diria que o progresso é um reflexo do divino.
O que você quer dizer com isso?
Da mesma forma que dizemos que a beleza da natureza reflete Deus, o technium reflete algo do caráter divino. Não que o technium seja perfeito, pois qualquer coisa que inventamos pode ser usada para o mal. Mas, em geral, o technium tem uma força positiva, uma carga positiva do bem. O que denominamos “bem”‘ é medido basicamente seguindo as possibilidades e escolhas que nos apresenta. Essa é a métrica que uso para medir a bondade.
Ao ler seu livro, não pude deixar de pensar sobre Gênesis 1.28, onde Deus dá aos humanos a oportunidade de criar algo além de si mesmos, e que isso é “muito bom”, uma parte do que significa carregar a imago Dei.
Sim. Deus nos deu livre-arbítrio verdadeiro. Ele poderia fazer tudo, mas preferiu dizer: “Eu lhes dou o dom do livre-arbítrio, para que vocês possam participar na conquista deste mundo. Poderia fazer tudo sozinho, mas vou dar-lhe uma centelha do que há em mim. Criem”. Então, inventamos coisas, e Deus diz: “Oh, como isso é legal! Poderia ter pensado nisso, mas deixem eles criarem”. Então, sim, há uma carga positiva dentro do technium, da mesma forma que a vida orgânica é boa e que mais a vida é melhor. Isso não quer dizer que não há horror na vida biológica. É só para dizer que, em geral, a vida cria um por cento a mais do que destrói a cada ano.
Você conta que fez parte de um movimento hippie que defendia a necessidade de minimizarmos os bens materiais. Em seu livro recente sobre o futuro do cristianismo, Gabe Lyons escreve que você não tem smartphone nem TV e só twittou três vezes. Suas escolhas são inconsistentes com sua crença de que a invenção tecnológica é algo tão bom?
A tecnologia pode maximizar a nossa combinação especial de dons, mas existem tantas opções tecnológicas que poderia gastar todo o meu tempo apenas experimentando cada nova possibilidade. Então, minimizaria minhas escolhas tecnológicas, a fim de maximizar a minha saída. Procuro encontrar as tecnologias que me ajudam em minha missão de expressar o amor e refletir Deus no mundo, esquecendo o resto. Mas, ao mesmo tempo, quero maximizar o conjunto de tecnologias que as pessoas podem escolher, para que possam encontrar as ferramentas que ampliam as suas opções.
Seus colegas sabem que você é cristão?
Sim, está na Wikipédia, por isso deve ser verdade.
Como você explicaria suas crenças a eles?
Gostaria de recitar o Credo Niceno que professo. No entanto, também tenho uma metáfora tecnológica para Jesus, o Filho de Deus. Desenvolvi ao conhecer de perto o cientista de computação Jaron Lanier. Bem no início do desenvolvimento do que chamamos hoje de realidade virtual, lá por 1986, visitei Jaron em seu laboratório. Na realidade virtual você coloca óculos e luvas e entra em um mundo virtual em 3D. Jaron tinha terminado de criar um de seus mundos virtuais naquela tarde. Ele colocou seus óculos e luvas e entrou naquele novo experimento. Ele ficou totalmente espantado com o mundo que ele tinha acabado de criar. Pra mim, essa é a história da redenção de Jesus. Temos um Deus autônomo, que decidiu entrar neste mundo da mesma maneira que você entraria numa realidade virtual e se vincularia a um ser limitado para tentar resgatar as ações dos outros seres que, por sua vez, são criações suas. Gostaria de começar por aí. Para algumas pessoas que trabalham com tecnologia, isso torna a fé um pouco mais compreensível.
Você está trabalhando em um catecismo para os robôs. Por quê?
Somos feitos à imagem de Deus. Deus é criador, e criou os seres com livre-arbítrio. Acredito que em breve vamos criar seres com livre-arbítrio na forma de robôs. Também creio que eles terão graus crescentes de autonomia. Vamos ter de explicar a eles a diferença entre o bem e o mal, sobre quem os fez (e que nos fez), o que devemos fazer quando fizerem algo errado. Em algum momento, um deles poderá vir até nós e dizer: “Eu sou um filho de Deus”. Quando isso acontecer, como vamos responder? Será que a salvação de Jesus vale para robôs? Esta é uma pergunta que tenho feito aos teólogos. Eles apenas encolhem os ombros. Quando começarmos a fazer robôs, acho que o mundo científico irá apreciar o que os cristãos têm falado durante todo esse tempo. Se você fizer alguma coisa com um objetivo, precisa dar-lhe a orientação moral. Se fornecer a orientação moral, quais valores vai transmitir? Quando chegarmos ao ponto de fazermos robôs autônomos, os cristãos podem dizer: “Nós sabemos como deve ser”.
Quando um robô virar para você e disser: “Eu sou um filho de Deus,” o que vai responder?
Eu diria: “Bem-vindo à nossa igreja”. Nem mesmo uma mente inventada conseguirá apreciar a grandeza e o mistério de Deus. Nossa mente humana já é tão limitada. Precisamos de outros que “pensem diferente”. Mas, podemos especular. Estou trabalhando com oito pessoas da minha igreja [Igreja Cornerstone, em San Francisco] em uma graphic novel sobre anjos e robôs. Em nossa história há um milhão de diferentes espécies de anjos no reino celestial, e todos anseiam pela encarnação. Há um cordão de prata (mencionado em Eclesiastes 12.6) conectando as almas aos corpos. Anjos negros querem “animar” os novos robôs na Terra com a sua consciência através desse cordão de prata. Existem educadores morais para as almas que entram nos corpos, mas os anjos do mal querem subverter isso. E há um Nephilim, meio-anjo e meio-humano, que descobre a revolta do primeiro robô causada por um anjo do mal, e ela agora precisa salvar o mundo. Esse é o roteiro básico.
Acho que C. S. Lewis ficaria orgulhoso.
Exatamente. É uma desculpa para fazermos um pouco de teologia ficcional amadora, e nos obrigou a tentar descrever o céu.
E como você o descreveria?
Para nós é um mundo sem matéria, energia ou tempo. Mas não é estático. Tudo o que é estático está morto, e a morte é o oposto do céu. Tudo de bom, verdadeiro e belo que conhecemos se move. O céu está em movimento, mas de alguma forma se encontra fora do tempo. Você pode pensar nisso como uma bondade que melhora cada vez mais, um tipo de perfeição que se torna mais perfeita! E você deve concordar que é algo muito preferível a uma perfeição que nunca melhora.
Fonte: Pavablog / Original: Christianity Today
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