quarta-feira, 13 de junho de 2012

A Igreja Automática


O culto estava lindo. Era a primeira vez que eu visitava a Igreja Automática. Havia poucas pessoas, mas isso não tinha a menor importância. O que realmente importava era que a cerimônia começava e terminava na hora exata. Todos os equipamentos funcionavam com perfeição. Pontualmente às 8h30 da manhã, um sistema de automação abria os portões e as portas da igreja, e ligava o ar condicionado central. Às 8h45 era ligado aparelho de DVD conectado a um vídeo projetor, devidamente posicionado, e o serviço de cânticos era iniciado, tudo automático, sem precisar de intervenção humana nem regente.

A iluminação e a temperatura ambiente eram muito adequadas, tornando o lugar aconchegante. A plataforma, antigamente utilizada pela Escola Sabatina e o Culto Divino, foi substituída por uma ampla tela de projeção, mesmo porque ninguém iria utilizar mais aquele espaço, e as janelas laterais mais próximas foram devidamente escurecidas para melhorar a qualidade da imagem. A música era muito agradável. O sistema de som fora adquirido sob encomenda para o tamanho e formato do ambiente, utilizando a melhor tecnologia disponível. Instrumentos como piano ou outros instrumentos musicais de som ao vivo era coisa do passado, pois precisavam de pessoas para funcionar, e isso era ruim, porque pessoas erram ou faltam. Uma nova coleção de DVDs do Hinário foi adquirida para garantir confiabilidade em qualquer ocasião.

Ao terminar os momentos de louvor prévio, teve início a Escola Sabatina, transmitida via satélite. O informativo mundial era transmitido diretamente do local onde os fatos ocorreram, mostrando pessoas e lugares, dando mais realidade e uma melhor compreensão da mensagem.

As mensagens musicais eram videoclipes de cantores já consagrados, o que garantia a qualidade. Nesse ponto, a Igreja Automática era um espetáculo, um show. Cantores de outros países também se apresentavam. Cantavam em outros idiomas, com legendas, mas nem precisava, porque se alguém quisesse saber do que tratava a letra da música, poderia buscar a tradução na internet.

A lição era transmitida ao vivo via satélite, sendo portanto explanada de forma geral, e não havia momentos de divisão em unidades, porque isso tomaria muito tempo. Cada pessoa registrava seu estudo diário e trabalho missionário em um terminal na entrada. As ofertas e os dízimos também eram entregues na entrada, onde havia um terminal bancário para transferências eletrônicas. O dinheiro em espécie deixou de ser utilizado na igreja, sendo apenas utilizado na forma de cartões de crédito ou débito em conta. Essa medida deixou a igreja mais segura, evitando assaltos. Também fora contratado um seguro, e um bom sistema de câmaras de vigilância instalado, para impedir o roubo dos equipamentos. Como funcionava sem precisar de pessoas, essa igreja era tecnicamente à prova de erros.

Após o fim da lição, a Escola Sabatina era rapidamente encerrada, dando início ao Culto. Os anúncios incômodos foram substituídos por flashes rápidos inclusos no rodapé do telão, e enviados a cada membro presente por e-mail. Essa medida economizou vários minutos da programação. Os hinos congregacionais eram sempre regidos pelo DVD, assim como as mensagens de boas vindas, invocação e leitura de púlpito antes das ofertas.

As pessoas não cantavam muito, mas a música do DVD era tão bem produzida, e o volume um pouco mais alto, que não se ouvia muito a voz dos presentes. Na realidade eles nem precisavam cantar, já que o DVD vinha o play-back do hino com o vocal incluso. Assim, se um hino não fosse conhecido, se ninguém cantasse, não tinha a menor importância, o que realmente importava era que a programação era impecável e terminava no horário previsto.

O sermão era apresentado por um pastor muito conhecido, que havia produzido algumas séries de DVDs. Cada sábado era apresentado um dos sermões da série programada. Toda a programação era gravada com antecedência, e a igreja recebia um pacote de DVDs semestralmente. E o tempo era cronometrado: em exatos 25 minutos o sermão terminava. Assim, a Igreja Automática dependia menos do pastor que, às vezes, cometia o pecado de falar até quase meio dia.

Ninguém levava mais a Bíblia e o Hinário para a igreja, porque todas as passagens bíblicas eram mostradas no telão, assim como as letras dos hinos cantados. O estudo diário da Bíblia e da lição também deixou de ser muito importante, porque a lição apresentada vinha com muito mais informação do que nas lições impressas. E as Meditações Matinais eram também produzidas em CD, possibilitando serem ouvidas no som do carro enquanto as pessoas iam ao trabalho, dispensando o culto familiar, que tomava tempo.

O trabalho missionário, esse sim, teve uma mudança radical. Nada de distribuir folhetos, ministrar cursos e estudos bíblicos. Se uma pessoa mostrasse interesse, bastava fazer uma cópia do DVD com uma série de estudos bíblicos e doar para o interessado, dizendo que ao terminar de assistir o DVD, se estivesse interessado no batismo, bastaria passar um e-mail para o endereço apresentado no último estudo, e agendar o batismo. Pessoas com espírito verdadeiramente missionário já andavam com uma ou duas cópias do DVD, prontas para qualquer eventualidade. Estudos doutrinários em livros do Espírito de Profecia também eram coisa do passado. Ninguém precisava saber muito para responder perguntas, bastava ter o DVD certo, que tudo se resolvia.

O engenheiro responsável pelo projeto da Igreja Automática estava também trabalhando em um módulo chamado Igreja em Casa, para ser assistido via internet, dispensando a presença das pessoas no local da igreja, o que seria ainda muito mais cômodo e econômico. Um segundo passo do módulo Igreja em Casa poderia ser transmitido com hora agendada, dispensando a obrigatoriedade do horário, permitindo dormir até mais tarde no sábado, e assistir a programação durante o almoço, por exemplo. Esse módulo seria pago, dispensando o assinante das ofertas.

Uma forma de batismo virtual também já estava sendo estudada, a fim de diminuir ainda mais a dependência do pastor. Sem pastor, a estrutura de distritos e associação também deixaria de fazer sentido, bastando um único estúdio produzir o material e distribuir pelo país inteiro. Imagine quanta economia. Isso também garantia que todos recebessem o mesmo conteúdo a cada culto.

A Igreja Automática tinha sua programação destinada a alimentar espiritualmente os membros da igreja de forma coletiva. Necessidades individuais teriam que procurar alguma outra solução de forma particular. Uma coleção de DVDs estava à disposição para os mais variados fins, como cerimônia fúnebre, aniversário, apresentação de crianças, as principais datas comemorativas e até para tirar dúvidas sobre assuntos doutrinários específicos. O lema da Igreja Automática era: “há sempre um DVD para você”.

Antes da Igreja Automática, havia a necessidade de preparo espiritual individual, do culto familiar, do estudo da Bíblia e da atuação do Espírito Santo na vida de cada cristão para dar-lhe o poder de testemunhar. Naqueles tempos, um discípulo precisava apenas de uma Bíblia para evangelizar. Sua vida era o reflexo do que pregava. Um pastor ou um irmão era mais conhecido pela conduta, pelo conhecimento e pela forma como se relacionava com as pessoas. Hoje os equipamentos e a tecnologia substituíram quase tudo isso. O contato pessoal está sendo substituído pelo virtual, e o conhecimento pelo equipamento. O povo outrora conhecido como o povo da Bíblia, atualmente é o povo do DVD, do notebook e do vídeo-projetor. A julgar pelo rumo que estamos tomando, aonde realmente chegaremos?

Nota do Autor:

Este artigo foi escrito com o propósito de causar uma reflexão ou discussão sobre o uso de recursos substituindo pessoas, e da impessoalidade a que estamos sujeitos a viver dentro da igreja. Nunca foi seu propósito combater o uso de recursos, tecnológicos ou não, ou atacar qualquer igreja, cargo, função ou pessoa, apenas evitar o exagero.

Osmar Santos - Comportamento Cristão

Um comentário:

  1. Este texto mostra exatamente do que eu tenho falado, mostra as coisas das quais temo que aconteçam. Sei que parece estranho aos olhos das outras pessoas na igreja, porém, meu marido e eu, insistimos em levar, abrir e ler nossos hinários. Não tentamos impor a ninguém um comportamento, mas desejamos aquele calor do contato pessoal com Deus e com a igreja. Continuaremos a fazer isto, tanto com hinários como com as bíblias, pois sabemos que num futuro bem próximo, a tecnologia não nos favorecerá, não será algo positivo, pois muitas modificações estão sendo feitas e precisaremos ter tudo guardado em nossas mentes e coração!
    Flavia Pereira

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