Na mitologia grega, Narciso, ou o autoadmirador, ficou conhecido pela sua beleza e também pela impossibilidade de se contemplar, pois segundo o mito, isso lhe renderia vida longa. Se ele estivesse vivo hoje, talvez o mito grego o levasse a morte instantânea. Isto porque, com a tecnologia, as pessoas buscaram outras formas de se autoadimirarem, sobretudo com a explosão das redes sociais.
A moda agora é o selfie, palavra substantivada do Self “eu” em inglês, mais o sufixo ie, uma espécie de autorretrato feito com câmeras ou celulares [Selfie virou palavra do ano em 2013, segundo o dicionário Oxford]. Tal prática, porém, denota a que ponto a superficialidade humana tem chegado, com pessoas extremamente preocupadas em sair bem na foto, enquanto outras questões humanas são esquecidas por essa sociedade cibernética e fotoshopada.
[Ao longo de 60 segundos, Andy Martin revela os riscos que uma pessoa obcecada por sua própria imagem pode correr. Tudo de uma maneira muito bem humorada, e que até pode gerar um pouco de reflexão (e não reflexo) naqueles que frequentemente fazem selfies]
Antes de qualquer coisa, é crucial destacar a importância da fotografia na história. Foi a partir dela que grandes momentos da humanidade foram eternizados e até hoje podem ser cultuados por outras gerações. O problema não reside ai, mas sim nos rumos que a fotografia vem tomando. Se antes se registrava grandes feitos, agora os feitos são registrados no fundo do quintal, no banheiro, dentro do elevador, na escola, ou em qualquer lugar que se considere importante. O modismo é tão grande que há até redes sociais específicas para esse tipo de prática, onde pessoas agrupadas, alegres e sorridentes, posam para as lentes de um dado aparelho.
A priori, o primeiro ponto negativista dessa questão é a necessidade de se estar sempre bem na foto. Cabelos posicionados no lugar certo, maquiagem e olhar #SensualSemSerVulgar, para as meninas. Entre os meninos, ocorre à mesma coisa: a exibição dos atributos físicos em espelhos, geralmente sem camisa, em poses às vezes discretas, mas com a intenção similar a das meninas, se autorretratar. Acontece que esses modelos vivos apenas perpetuam a mensagem perversa das indústrias da moda e da mídia, as quais impelem a todo instante o ideal de beleza a ser seguido e, claro, fotografado. Logo, muitas vezes induzidos por esse contexto, muitos cedem aos encantos desse mundo, sem perceber os perigos que circundam tal problemática.
Com isso, vem à segunda questão, o público alvo. Inevitavelmente, os jovens são os mais atingidos por isso tudo, principalmente numa era como esta da qual eles são inseridos nas redes sociais antes mesmo de virem ao mundo. Incipiente, a juventude é o alvo e, ao mesmo tempo, o propagador dessa escravidão da moda ditada pela indústria cultural. Então, sem terem o domínio sobre suas escolhas, adolescentes de várias idades se introduzem na net em fotos provocantes, mostrando suas intimidades corporais para quem quiser ver, curtir e compartilhar. O perigo disso mora na precoce iniciação da sexualidade sem a orientação devida de um adulto. Ou seja, inconscientemente, muitos servem de modelos nessa vitrine chamada de internet, porém nem sempre os ganhos com isso se limitam apenas a curtidas e compartilhadas.
Tão recente quanto o Selfie é o Sexting, anglicismo que se caracteriza pelo envio de imagens sensuais e/ou sexuais de pessoas através de celulares ou pelas redes sociais. Entre as vítimas mais comuns dessa prática estão também os adolescentes. Rapazes e moças que se autofotografam e publicam suas fotos nas muitas páginas virtuais existentes estão suscetíveis aos ataques de aproveitadores, que aliciam jovens para o mundo da prostituição, ou pior, se apropriam de suas imagens para utilizá-las em sites pornográficos. Diante disso, percebe-se que, sem saberem, muitos desses indivíduos são prostituídos pelo convidativo mundo virtual.
Entregues as curtições, pessoas de várias idades e classes sociais, se fotografam e expõe seu corpo e intimidades para quem quiser ver. Na verdade, as palavras curtir e compartilhar são dignas de análise, visto que hipnoticamente exercem um poder sobre o internauta. Quando se fala em curtir, lembra-se logo de algo alegre, de diversão, curtição enfim. Por isso, quando se expõe algo na net, principalmente em fotos, os indivíduos não enxergam isso com periculosidade, mas como mais uma curtição dessa atmosfera feliz e plastificada. Pior ainda é quando é compartilhada, pois tal ato traz implicitamente a mensagem de que foi partilhado com outro algo que é bom ou digno de ser revisto. Ora, nem tudo o que é curtido e compartilhado na net é ruim, mas será que curtir fotos sensuais e compartilhá-las é legal? Melhor ainda, será que é bacana tirar tais fotos.
Claro que o Selfie não tem a intenção de incitar práticas promíscuas entre as pessoas. Em tese, a ideia é moldurar momentos marcantes entre aqueles que são considerados importantes. Esse fenômeno virtual não pode ser crucificado pela promiscuidade do nosso país, pois esta tem outras raízes. Entretanto, por traz dessa inocente atividade há mensagens subliminares que merecem ser analisadas com cautela, sobretudo numa sociedade envolta em cirurgias plásticas, implantes disso e daquilo, anabolizantes cada vez mais potentes e encarceradas em academias. Ou seja, se o usuário não tiver ciência de que publicar fotos fazendo caras e bocas pode ser algo perigoso, tanto para quem faz como para quem ver do outro lado, ele estará assumindo o risco de perpetuar uma sexualidade doentia nesses meios virtuais.
Além disso, há a superficialidade em torno dessa questão. Enquanto no passado buscava-se o interior do ser humano, seus dilemas e frustrações, agora é o externo que importa. A busca pela imagem perfeita, pelo ângulo exato, fez do homem moderno um manequim de si mesmo, inexpressivo, apenas refletindo uma couraça sem falhas estéticas, mas carente, sem rumo, nem direção. É quando fica nítida a frase de Caetano Veloso, quando este diz “é que Narciso acha feio o que não é espelho”. O ser humano da modernidade tem medo de se ver de verdade, preferindo se esconder em sorrisos fingidos, poses forçadas e belezas cirúrgicas ao invés de encarar quem ele realmente é. E esse autoengano tem resultado em perfis lotados nas redes sociais, mas relações vazias, contatos vagos e humanos cada vez mais desorientados.
Talvez isso tudo seja apenas um fenômeno passageiro, igual a muitos outros que surgem e desaparecem nas redes sociais. Seja como for, enquanto estiver latente, o Selfie, ou qualquer outro modismo, merece uma acurada reflexão. Pois, nem tudo na rede social deve ser encarado como brincadeira. Há coisas que, mesmo divertidas, escondem práticas perversas. Também não se devem criar pânicos desnecessários sobre tal fenômeno. Como dito, ele não é o principal responsável pela doentia sexualidade social dos indivíduos. Ele é apenas mais um vírus diante de tantos neste contexto. Cabe, então, a cada um fazer o uso consciente desse meio e não se entregar a superficialidade existente nele. Há muitas coisas que devem ser fotografadas e eternizadas e, nem sempre são belas, pois a vida só tem sentido porque suas belezas nem sempre são agradáveis aos olhos.
Diogo Didier - Ser Feliz é Ser Livre
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