quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Religião e política não se misturam?


Religião e política se misturam sim. Mas com limites.

O evangelho tem implicações sociais. E suas interpretações também. O capitalismo, por exemplo, descende de uma visão religiosa de mundo, especificamente o puritanismo protestante. Religião não pode ser engavetada como um detalhe periférico sem importância. A menos que todos engavetem igualmente suas ideologias, inclusive aquelas diretamente ligadas à política, pois a vida "política" lida com questões morais e religiosas.

A candidata Luciana Genro criticou o pastor Everaldo por misturar política e religião, e na sequência quis saber a opinião dele sobre o preconceito e a discriminação aos gays. Uma questão moral. Eduardo Jorge pediu a opinião de Aécio sobre o aborto, outra questão moral. Todos eles possuem uma posição pautada numa visão de mundo, numa “ideologia”. As decisões políticas sobre questões morais estão pautadas em códigos morais, e não existe neutralidade nesse campo. A “moralidade no vácuo” é mito.

O liberal, progressista, socialista etc. decidem baseados na sua plataforma de pressuposições, na sua visão de mundo. O religioso está proibido de fazê-lo. Mas quem disse que uma cosmovisão religiosa deve ser considerada inferior a cosmovisões filosóficas/ideológicas?

O cristianismo, por exemplo, é uma cosmovisão ampla, que afetou e moldou tudo, inclusive a política, a democracia e o conceito de Estado e sociedade. A nossa democracia não é grega; é liberal, tem o dedo religioso desde o início.

Os religiosos votam, usam serviços públicos, pagam impostos, vivem em uma democracia que existe no mundo, não fora dele. É errado misturar política com cristianismo? Só se for errado misturar política com marxismo/humanismo/positivismo/materialismo. Se declarar "evangélico" ou "pastor" é impróprio, mas se declarar socialista, marxista, liberal é legal? Por quê?

Religiosos não podem influenciar o Estado, mas ateus materialistas, comunistas, abortistas etc. podem? Por quê? Todas essas visões têm implicações morais e religiosas. Portanto, esse choro aí é apenas um eco equivocado do iluminismo e da sofisticada revolução humanista sem religião que criou um paraíso na terra (ironic).

A meu ver, o erro da mistura "religião + política" está na imposição, no Estado religioso (como o Estado Islâmico), no desrespeito às liberdades garantidas por um Estado laico, em tomar decisões privilegiando os interesses de um grupo religioso em detrimento do interesse comum. Ou tomar decisões coletivas sem atentar para as reais necessidades das minorias.

Como adventista, descendente do ramo radical da Reforma Protestante, defendo a separação da igreja e do Estado. Mas religião e política se misturam sim. Sempre se misturaram. O que precisamos discutir é como essa mistura deve acontecer. Na hora do voto, o meu cristianismo vai junto comigo.


Nota: A matéria de capa da Revista Adventista de setembro reflete sobre o papel político do cristão. Quem assina o texto é o doutor em educação John Wesley Taylor V, que atua como diretor associado do departamento de educação da sede mundial da Igreja Adventista. Taylor apresenta as principais posturas cristãs sobre a relação entre fé e política e um panorama das histórias bíblicas que oferecem orientações sobre o tema. No fim, ele sugere uma participação muito mais ativa dos cristãos na vida pública, por meio da preservação do meio ambiente e promoção da justiça, moralidade e paz. A edição deste mês estará disponível em breve no site: http://www.revistaadventista.com.br/

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