quarta-feira, 19 de abril de 2017

Os índios, os jesuítas e a chegada do cristianismo no Brasil

Ao pisar no Brasil, a primeira ação tomada pelo navegador Pedro Álvares Cabral e seus tripulantes foi organizar uma missa que comemorava a chegada em novas terras. Nesse simples gesto, percebemos que os europeus não tinham somente um projeto de caráter econômico no Brasil. Sendo nação de forte fervor religioso católico, Portugal trouxe membros da Ordem de Jesus que teriam a incumbência de ampliar o número de fiéis no Novo Mundo. 

O alvo primordial dessa conversão seriam os índios, que desde as primeiras anotações feitas por Pero Vaz de Caminha são descritos como povos inocentes que iriam se converter sem maiores problemas. A relação entre Estado e Igreja nessa época era próxima, na medida em que ambas empreendiam medidas que colaboravam com seus interesses mútuos. Enquanto os jesuítas tinham apoio na catequização dos nativos, o Estado contava com auxílio clerical na exploração do território e na administração. 

Sob tal aspecto, devemos relembrar que o interesse da Igreja em ocupar e evangelizar o Novo Mundo se dava também pelas várias transformações ocorridas na Europa do século XVI. Nessa época, as religiões protestantes surgiam como uma alternativa ao milenar poderio religioso católico. Para reagir à significativa perda de fiéis, a Igreja aprovou a concepção da Ordem de Jesus, criada em 1534 por Inácio de Loyola, com objetivo de pregar o cristianismo nas Américas.
 
Ellen White escreveu no livro O Grande Conflito, pp. 234-235, advertências em relação aos jesuítas: 
"Em toda a cristandade o protestantismo estava ameaçado por temíveis adversários. Passados os primeiros triunfos da Reforma, Roma convocou novas forças, esperando ultimar sua destruição. Nesse tempo fora criada a ordem dos jesuítas - o mais cruel, sem escrúpulos e poderoso de todos os defensores do papado. Separados de laços terrestres e interesses humanos, insensíveis às exigências das afeições naturais, tendo inteiramente silenciadas a razão e a consciência, não conheciam regras nem restrições, além das da própria ordem, e nenhum dever, a não ser o de estender o seu poderio. O evangelho de Cristo havia habilitado seus adeptos a enfrentar o perigo e suportar sem desfalecer o sofrimento, pelo frio, fome, labutas e pobreza, a fim de desfraldar a bandeira da verdade, em face do instrumento de tortura, do calabouço e da fogueira. Para combater estas forças, o jesuitismo inspirou seus seguidores com um fanatismo que os habilitava a suportar semelhantes perigos, e opor ao poder da verdade todas as armas do engano. Não havia para eles crime grande demais para cometer, nenhum engano demasiado vil para praticar, disfarce algum por demais difícil para assumir. Votados à pobreza e humildade perpétuas, era seu estudado objetivo conseguir riqueza e poder para se dedicarem à subversão do protestantismo e restabelecimento da supremacia papal.
Quando apareciam como membros de sua ordem, ostentavam santidade, visitando prisões e hospitais, cuidando dos doentes e pobres, professando haver renunciado ao mundo, e levando o nome sagrado de Jesus, que andou fazendo o bem. Mas sob esse irrepreensível exterior, ocultavam-se frequentemente os mais criminosos e mortais propósitos. Era princípio fundamental da ordem que os fins justificam os meios. Por este código, a mentira, o roubo, o perjúrio, o assassínio, não somente eram perdoáveis, mas recomendáveis, quando serviam aos interesses da igreja. Sob vários disfarces, os jesuítas abriam caminho aos cargos do governo, subindo até conselheiros dos reis e moldando a política das nações. Tornavam-se servos para agirem como espias de seus senhores. Estabeleciam colégios para os filhos dos príncipes e nobres, e escolas para o povo comum; e os filhos de pais protestantes eram impelidos à observância dos ritos papais. Toda a pompa e ostentação exterior do culto romano eram levadas a efeito a fim de confundir a mente e deslumbrar e cativar a imaginação; e assim, a liberdade pela qual os pais tinham labutado e derramado seu sangue, era traída pelos filhos. Os jesuítas rapidamente se espalharam pela Europa e, aonde quer que iam, eram seguidos de uma revivificação do papado."
Seguindo atribuições diretas do rei Dom João III, o governador-geral, Tomé de Sousa, chegou ao Brasil em 1549 trazendo vários padres jesuítas que deveriam propagar a fé católica. Fundando colégios e missões pelo litoral e interior do Brasil, os jesuítas passaram a não só tratar da conversão dos nativos, bem como a administrar as principais instituições de ensino da época e auxiliar os mais importantes órgãos de administração e controle da metrópole.
"Sem qualquer respeito pelas práticas religiosas indígenas, os colonizadores procuraram impor a estes povos a religião católica. Os pajés ou xamãs, que são os líderes espirituais dos povos indígenas, foram discriminados e chamados de "representantes do diabo" pela igreja católica e pelos colonizadores portugueses..." (Extraído do livro 'O Jongo de Tamandaré: Guaratinguetá/SP', obra de autoria coletiva)
Mesmo salientando o apoio oficial, não podemos deixar de falar dos conflitos que envolveram os jesuítas e os colonizadores. Nas primeiras décadas da colonização, a enorme dificuldade para se obter mão de obra escrava africana motivou vários colonos a buscarem a força de trabalho compulsória dos índios. Logo de início, os jesuítas se opuseram a tal prática, já que a transformação dos índios em escravos dificultava imensamente o trabalho de evangelização. 

Na segunda metade do século XVIII, a presença dos jesuítas no Brasil sofreu um duro golpe. Nessa época, o influente ministro Marquês de Pombal decidiu que os jesuítas deveriam ser expulsos do Brasil por conta da grande autonomia política e econômica que conseguiam com a catequese. A justificativa para tal ação adveio da ocorrência das Guerras Guaraníticas, onde os padres das missões do sul armaram os índios contra as autoridades portuguesas em uma sangrenta guerra. 

Apesar desse episódio, a herança religiosa dos jesuítas ainda se encontra manifesta em vários setores da nossa sociedade. Muitas escolas tradicionais do país, bem como várias instituições de ensino superior espalhadas nos mais diversos pontos do território brasileiro, ainda são administradas por setores dirigentes da Igreja Católica. Somente no século XIX, foi que as escolas laicas passaram a ganhar maior espaço no cenário educacional brasileiro.

[Imagem: A Primeira Missa no Brasil, do pintor Victor Meirelles]

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