quinta-feira, 19 de outubro de 2017

A igreja sem pecado

A igreja “sem pecado” está crescendo. Refiro-me àquela que não abandonou o pecado, mas somente a convicção do pecado.

Sem a consciência do pecado, a igreja não desperta para a necessidade de arrependimento. Sem arrependimento, não há conversão, avivamento, consagração, luta contra as tentações carnais, mundanas e diabólicas, enfim, não há santificação, “sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hb 12:14). Tampouco há redenção e regeneração do pecado. Para essa igreja, a obra de Cristo foi em vão, pois Ele veio ao mundo para “salvar o seu povo dos seus pecados” (Mt 1:21). Ele é “o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo 1:29).

Sim, o pecado não encontra lugar nessa igreja. Seus membros não se perguntam se certas práticas são ou não pecado. Oram por tudo, pedindo bênçãos, a cura de enfermidades e a provisão das necessidades materiais, mas não clamam a Deus para que o mal não exerça domínio sobre eles. De seus púlpitos não há sermões repreendendo o pecado. Há sermões e palestras sobre psicologia, saúde e autoajuda. Tudo isso é importante e tem seu lugar na vida humana, mas a vida espiritual não está doente por causa de baixa autoestima ou de falta de atividade física. Pessoas estão espiritualmente enfermas por causa do pecado. Sem um diagnóstico preciso, não se descobre o quão necessário o remédio é. E, para o pecado, o único remédio é Jesus Cristo.

O Senhor iniciou seu ministério público na Terra conclamando o povo a se arrepender de seus pecados (Mt 4:17). João Batista também inculcava nas pessoas a convicção dos pecados para então chamá-las ao arrependimento (Lc 3:7-19). No grande sermão do Dia do Pentecostes, quando provavelmente o maior número de decisões para Cristo aconteceu como resultado de uma única pregação, o apóstolo Pedro convenceu uma multidão plurinacional de que eles haviam cometido o maior pecado possível: crucificar aquele que é o Senhor e Cristo (At 2:36). Diante da constrangedora realidade com que os ouvintes eram confrontados, eles apelaram para Pedro e os demais apóstolos: “Que faremos?” (v. 37). Diagnóstico aceito, remédio prescrito: “Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em o nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo” (v. 38).

No entanto, se os pregadores bíblicos convenciam as pessoas de que eram pecadores, hoje há pregadores que induzem as pessoas a não acreditar que são pecadoras. Em alguns cultos, a problemática do ser humano é toda atribuída à atividade do demônio. Assim, a redenção se limita a uma sessão de libertação e exorcismo. Se a culpa recai sobre o diabo, não se sente a convicção do pecado. Afinal, a responsabilidade pelo que há de errado é colocada sobre outro ser. Assim, sem culpa, o pecador não se admite como tal, e, em vez de buscar a salvação do pecado, contenta-se em se ver livre da atuação do maligno, não reconhecendo que o grande problema, o pecado, permanece naturalmente dentro do coração humano.

Seduzido com o discurso materialista, outro ramo do cristianismo entende que o problema do ser humano é social, e que a mensagem de Cristo é para libertar as pessoas da miséria e da opressão econômicas. Novamente, pessoas são convencidas por uma teologia não bíblica de que a culpa é de capitalistas gananciosos, que acumulam para si os bens de produção, deixando os demais desprovidos de recursos para viver. Assim, convence-se de que se sofre porque é vítima, não pecador. Para quem pensa assim, a revolução, e não a santificação, é almejada como a plenitude da igreja.

Uma noção equivocada da graça de Deus desintegra no crente a necessidade de lutar contra o pecado. Alguns superestimam tanto a iniciativa de Deus em salvar, que anulam completamente a participação humana no processo. Assim, ninguém precisa se preocupar com o pecado. Afinal, Deus, sozinho, fatalmente vai salvar quem Ele escolheu salvar. Dessa perspectiva, o pecador deve ficar totalmente passivo, pois Deus fará toda a obra redentora. Isso pode ser bonito, mas não é bíblico!

É verdade que a salvação é responsabilidade inteiramente de Deus, mas o pecado é responsabilidade inteiramente do pecador. Deus tem a salvação, mas o ser humano tem o pecado. E qual é a participação humana em sua própria salvação? Entregar seus pecados a Deus é a única coisa que uma pessoa pode fazer por sua própria salvação. Deus jamais fará isso por ela. Precisamos da ajuda de Deus para renunciar ao pecado, mas jamais abandonaremos o mal se não lutarmos contra ele.

Há também quem evite a culpa do pecado reduzindo-o. Quantas vezes o pecado é restringido a uma roupa, uma comida, um produto, um ato. Tem cristão que se entende livre do pecado porque, para ele, pecado é apenas o que ele não gosta de fazer, a roupa que ele não veste, a comida que ele não come, o lugar aonde ele não vai. Mas a Bíblia ensina que o pecado habita a natureza humana (Rm 7:17, 20), e que não há nenhuma fibra do corpo humano que não esteja contaminada e corrompida (Is 1:6; Rm 3:10-17).

A Bíblia não apresenta as desordens emocionais e afetivas nem os problemas sociais como o grande problema da humanidade. Tampouco expõe que a missão de Cristo ao vir ao mundo foi nos libertar do diabo ou da exploração econômica.

A igreja sem pecado é a igreja sem Jesus, pois “Cristo Jesus veio para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal” (1Tm 1:15). Quanto maior for a convicção de um cristão de que ele é pecador e de que suas ações são corrompidas pelo pecado, e de que há urgente necessidade de abandonar o pecado, maior será a oportunidade de Deus em libertá-lo do pecado. Foi o que aconteceu com o publicano à porta do templo (Lc 18:9-14), com Zaqueu (Lc 19:1-10) e com a mulher adúltera (Jo 8:1-11) e é o que precisa acontecer com uma igreja que se acha rica e sem necessidade de coisa alguma (Ap 3:17), mas que precisa desesperadamente se arrepender e renunciar o pecado (v. 19).

Fernando Dias (via Revista Adventista)

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