Aproximadamente 360 milhões de pessoas ao redor do mundo têm problema de audição, segundo a Organização Mundial de Saúde. E 1,1 bilhão de jovens correm esse risco por causa da exposição a ruídos excessivos. Mas o que não costuma ser contabilizado é outro tipo de perda auditiva: a surdez espiritual. Esse é um problema real que pode afetar todos nós.
Ouvir é uma experiência que começa cedo. Adam S. McHugh iniciou seu premiado livro The Listening Life (InterVarsity, 2015) com estas palavras:
“Ouvir vem primeiro. Você ouve mesmo antes de ter consciência disso. De dentro do útero, o bebê já ouve a voz dos pais. Depois do nascimento, ele passará os meses seguintes ouvindo as palavras que eles falam, sussurram e cantam para ele, até que um dia começará a ecoar essas palavras, uma sílaba imperfeita de cada vez.”
Entretanto, em algum momento, conforme o autor reconhece, começamos a violar essa regra e a inverter a ordem natural das coisas: em vez de ouvir, primeiro falamos. E alguns falam sem parar… Talvez seja por isso que Tiago (1:19) aconselha cada um a ser pronto para ouvir, mas cuidadoso ao falar.
Na antiguidade, em sociedades com baixo nível de alfabetização e limitado acesso a fontes escritas, a comunicação era basicamente oral. Portanto, ouvir era uma arte, e algumas pessoas chegavam a memorizar livros inteiros. Não é por acaso que a palavra “ouvir”, ao lado de suas variações, aparece mais de 1.500 vezes na Bíblia, a começar pelo primeiro “credo”: “Ouve, Israel” (Dt 6:4).
Jesus usou várias vezes a expressão “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça” (Mt 11:15; 13:9, 43; Mc 4:9, 23; Lc 8:8; 14:35). É como se Ele estivesse pedindo: “Preste atenção! Isto é importante.” A frase aparece repetidamente também em Apocalipse 2 e 3, incluindo o conhecido apelo de 3:20.
Para o apóstolo Paulo, a fé vem por ouvir a mensagem da Palavra (Rm 10:17). Naturalmente, ler a Palavra é um ato com um poder indiscutível. Porém, ouvi-la, no sentido literal e metafórico, tem um efeito maravilhoso. Ellen White comentou:
“A Bíblia é a voz de Deus a falar-nos exatamente como se pudéssemos ouvi-Lo com os nossos ouvidos.” (Nos Lugares Celestiais, p. 135)
Ao ouvir, concentramos a mente e o coração em algo ou alguém além de nós mesmos e o Espírito Santo nos impressiona a agir em determinada direção.
O problema é que, muitas vezes, apenas ouvimos, mas não escutamos. Há uma sutil diferença entre os dois verbos: enquanto o primeiro está mais ligado ao sentido físico e à captação do som, o segundo tem mais a ver com prestar atenção e compreender o significado, retendo a mensagem.
Os cristãos comprometidos acham que têm que falar, falar e falar, e em voz alta, o que é verdade. Mas a dimensão do ouvir não pode ser esquecida. Deus reclamou várias vezes de que Seu povo não O ouvia (Sl 81:11; Jr 17:23; Ez 3:27; Zc 7:11). Ser surdo por não querer ouvir é sinal de rebeldia.
Ouvir é uma disciplina espiritual que precisa ser resgatada e praticada. Não no sentido místico, mas no sentido de entender e obedecer. Se você quer que Deus o ouça, precisa primeiro aprender a ouvi-Lo. Isso exige atenção e senso de urgência. Certos sons, como gritos e choros, têm o poder de chamar nossa atenção imediatamente. A voz de Deus também deve ser ouvida com rapidez.
Marcos de Benedicto (Editorial da Revista Adventista de fevereiro de 2018)
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