segunda-feira, 30 de julho de 2018

As marcas do abuso emocional

Violência doméstica e abuso podem acontecer com qualquer pessoa. Mesmo assim, quase sempre esse problema é negligenciado, desculpado ou negado. Isso é especialmente verdadeiro quando o abuso é psicológico, e não físico. O abuso emocional é frequentemente minimizado, apesar de deixar cicatrizes profundas e duradouras.

Normalmente, o abuso emocional é muito difícil de ser reconhecido, até mesmo pela própria vítima, quanto mais por quem está à sua volta. Por acontecer de forma sutil, muitas vezes passa despercebido pelos familiares e amigos da vítima. Em geral, a vítima não pensa nem sente que o abuso é abuso, e vai se anestesiando em relação a ele. Essa forma de abuso afeta principalmente mulheres e crianças, não deixa marcas roxas, cortes nem ossos quebrados, mas deixa cicatrizes psicológicas profundas, destrói a autoconfiança e autoestima da pessoa certa que vive o abuso e das crianças que estão à sua volta, marcando um padrão futuro de comportamento: nas meninas, de permitirem ser abusadas pelos companheiros, e nos meninos, de serem futuros abusadores, apesar do sofrimento vivido na infância...

O abuso emocional é definido como qualquer julgamento, não importa a origem, que paralisa ou humilha uma pessoa, mantendo-a presa ao passado, ao mesmo tempo que o futuro só é visto através da perspectiva negativa do relacionamento abusivo. Quando está numa relação abusiva, o parceiro sempre se lembra daquilo que foi ruim, daquilo que o outro não fez certo, daquilo em que errou e afirma constantemente a incapacidade de fazer algo diferente do ruim.

O abuso emocional funciona como uma "lavagem cerebral" e a vítima aprende que tudo o que faz é errado, tudo é sua culpa, não sabe nem pode nada. Se as palavras do parceiro a fazem sentir-se pequena, sem valor ou humilhada, e se ele não a respeita nem leva em conta como você se sente, isso é abuso emocional. Mais importante ainda: isso é inaceitável.

Os relacionamentos abusivos são caracterizados por muito ciume, negação emocional, falta de intimidade, acessos de raiva, coerção sexual, infidelidade, ameaças, mentiras, promessas quebradas, jogos de poder e controle.

O abuso emocional é tão destruidor quanto o abuso físico, apesar de muito mais difícil de ser reconhecido. Por isso, também é difícil alguém se recuperar dele. Esse abuso é tipicamente alternado com declarações de amor e afirmações de que tudo vai mudar. Assim, o parceiro abusado fica "fisgado", preso nas promessas que nunca se cumprem.

Os relacionamentos abusivos pioram com o tempo. O abuso emocional e o verbal mudam, com frequência, para ameaças mais abertas ou para o abuso físico, particularmente em períodos de stress. Os abusadores são carentes e controladores; o abuso se intensifica quando eles sentem que vão perder o parceiro ou quando o relacionamento acaba (75% das mortes violentas de mulheres ocorrem depois da separação).

Os abusadores agem a partir de fortes sentimentos de inadequação e vergonha de si mesmos, e querem inferiorizar seus parceiros para, desta forma, sentir-se melhores.

Até que você consiga reconhecer o abuso emocional e verbal, você continuará a sofrê-lo em sua vida, porque vai continuar a deixar que amigos, conhecidos e estranhos a agridam de forma que a machuquem ou não levem em conta os seus sentimentos. Muitas vezes você até confunde ações abusivas contra você como realistas. Se você pensar: "Eles podem fazer isso porque é diferente para eles; não são assim tão ruins ou incapazes como eu" - isso é um julgamento abusivo. Qualquer julgamento que você faça sobre si mesma que negue sua habilidade para criar bons relacionamentos e uma vida positiva para você, é abusivo e errado.

Ciclo do abuso
* Abuso - O parceiro agride com palavras, atitudes ou comportamentos agressivos e/ou que humilham. O abuso é um jogo de poder para mostrar "quem manda".
* Culpa - Depois do abuso, o parceiro sente culpa, mas não pelo que fez. Ele está mais preocupado com a possibilidade de ser pego e com as consequências causadas pelo comportamento abusivo.
* Comportamento "normal" - O abusador faz de tudo para conseguir o controle novamente e manter a vítima no relacionamento. Ele pode agir como se nada tivesse acontecido, ou ele pode agir muito sedutoramente, jogando todo o seu charme sobre a parceira. Essa lua-de-mel, esse momento de doce paz, pode dar a esperança de que ele realmente mudou de vez (quantas vezes isso aconteceu?).
* Fantasia e planejamento - O abusador começa a fantasiar sobre a maneira de abusar novamente da parceira. Gasta muito tempo pensando sobre o que ela fez de errado, com quem ela anda conversando no celular e como ela vai pagar pelo mal feio. Então, ele planeja transformar a fantasia do abuso em realidade.
* Armadilha - O abusador fica à espreita e põe seu plano em ação, criando uma situação em que ele possa justificar o abuso.

E o ciclo continua... As desculpas e gestos de amor entre os episódios tornam a situação muito difícil de ser mudada. Fica sempre a esperança da mudança, e com o tempo a pressão abusada fica como que anestesiada, entendendo e aceitando que a relação funciona assim - para receber um pouco de amor e carinho, precisa se submeter a um período de dor e sofrimento. Ele faz a parceira acreditar que ela é tudo para ele, que ele realmente a ama. Entretando, o perigo de permanecer na relação existe e é bem real.

Formas de abuso emocional
* Colocar para baixo, chamar nomes, fazer pensar que está louca, fazer jogos mentais.
* Ameaças de machucar física ou emocionalmente. Ameaças de divórcio, traição, suicídio, levar as crianças embora, contar a todos sobre intimidades.
* Deixar com medo através do olhar, gesto, voz alta, quebrar coisas, destruir propriedades, dirigir em alta velocidade.
* Ameaçar fazê-la de empregada. Tomar todas as grandes decisões, agir como "mestre da casa", negligenciar responsabilidades com trabalho, cuidado dos filhos e responsabilidades da casa.
* Padrões abusivos de sedução. Forçar a fazer coisas contra sua vontade. Criticar performance sexual. Contar sobre relacionamentos fora da relação.
* Não deixar que você trabalhe ou atrapalhar seu trabalho, controlar seu acesso ao dinheiro, esconder investimentos.
* Controlar o que você faz, com quem sai, com quem se encontra, com quem fala. Negar acesso ao carro. Deliberadamente afastar dos seus contatos de apoio.

Como você se recupera do abuso emocional?
1. Entenda que a mudança é inevitável e que você tem forças para fazer as mudanças que quer e precisa fazer. Com certeza, você não vai conseguir todas de uma só vez, porque até pode nem saber exatamente o que quer e precisa. Você pode começar a fazer uma ou outra pequena mudança para ver como se sente. Comece, talvez, a cuidar um pouco de você, sentar à mesa para tomar o café da manhã, fazer um exercício, tomar um banho gostoso e demorado.

2. Comece a reprogramar sua mente. Você pode esperar até que as coisas melhorem para começar a acreditar que elas vão melhorar; ou pode acelerar a marcha da sua recuperação começando a acreditar nas melhoras, independentemente das mudanças. Mesmo que o quadro continue o mesmo, ou tenha mudado muito pouco, a grande diferença será como você se sente a respeito dele. Sua atitude mental fará essa diferença.

3. Procure ajuda e apoio. Existem grupos de apoio, terapeutas, conselheiros, amigas e outros profissionais de saúde que entendem o quanto você está sofrendo e poderão ajudá-la. Não confunda: abuso emocional é violência doméstica, sim.

4. Procure informações. Você não é a unica a estar nas mãos de um parceiro abusador. Alguns batem, outros não, mas todos se comportam de modo muito parecido. Todos dizem mais ou menos as mesmas coisas cruéis. Você logo vai perceber que, como todos trabalham com o mesmo script, o que eles dizem não é sobre você, mas sobre eles.

5. Comece a contar suas bênçãos. Sim, você passou por situações inimagináveis, dor e sofrimento que você não merecia. Sem duvida alguma, você ainda está ferida, mas tem uma escolha. Você pode ficar olhando a dor, ou pode começar a olhar para as coisas pelas quais podem agradecer e celebrar. Até aqui o Senhor a protegeu - você está saindo dessa situação. Reserve um tempo no seu dia, pode ser a ultima coisa do seu dia. Seja agradecida a Deus pela saúde, pela saúde dos seus filhos, pelo sorriso de uma criança, por qualquer coisa boa que tenha acontecido no seu dia. Agradeça a Deus por um agrado recebido, pelo sol brilhante, a beleza de uma flor. Se você se comprometer a ser grata a Deus por dez bênçãos recebidas, você vai precisar procurar por elas. Ao criar esse hábito, verá quantas mais você vai encontrar.

Essas ideias são só o começo. Todas essas sugestões são para afastar você da sua dor, da sua mente de vítima para a conscientização de que é uma pessoa de valor e de que há muitas coisas para você conseguir e conquistar na vida. A jornada de recuperação do abuso emocional é uma jornada para longe do medo, da vergonha, da humilhação e da incapacidade para a crença em você e numa vida melhor para você e seus filhos. Você não sabe o que a aguarda no futuro, mas tenha certeza de que será muito, muito mais feliz do que pode imaginar agora.

Cláudia Bruscagin (via Revista Quebrando o Silêncio)

Nota: Leia também o que diz Ellen G. White para os maridos abusivos, ditatoriais, dominadores, egoístas e intolerantes no livro O Lar Adventista, p. 225-227:

"Tua vida seria muito mais feliz se não sentisses que estás investido de absoluta autoridade porque és marido e pai. Tua conduta mostra que interpretas mal tua posição de marido, isto é, laço de união do lar. És nervoso e ditatorial e muitas vezes manifestas grande falta de senso, de maneira que em qualquer tempo que considerares tua conduta nessas ocasiões, ela não pode parecer razoável para com tua esposa e teus filhos. Uma vez havendo tomado uma posição, raramente te mostras disposto a dela afastar-te. Estás determinado a executar teus planos, quando muitas vezes não estás seguindo reto curso e devias notá-lo. O que necessitas é mais, muito mais, de amor, de longanimidade, e menos de determinação de seguir tua maneira de sentir tanto em palavras como em obras. No curso que estás agora perseguindo, em vez de seres um laço de união da família, serás como um torno para comprimir e martirizar a outros. 

Procurando forçar outros a seguir tuas idéias em todo sentido, muitas vezes fazes maior mal do que se abrisses mão desses pontos. Isto é verdade mesmo quando tuas idéias são corretas em si mesmas, mas não o são em muitas coisas; eles são sobrecarregados como resultado das peculiaridades de tua administração; assim inculcas as coisas erradas de maneira forte e irrazoável. 

Tens pontos de vista peculiares com respeito à condução da família. Exerces um poder independente, arbitrário, que não permite liberdade de opiniões em torno de ti. Pensas que és suficiente para ser a cabeça em tua família e entendes que tua cabeça é suficiente para mover cada membro, como uma máquina funciona nas mãos do operador. Ditas e assumes autoridade. Isto desagrada o Céu e fere os santos anjos. Tens-te conduzido em tua família como se unicamente fosses capaz de autogoverno. Ofendes-te se tua esposa se aventura a opor-se a tuas opiniões ou questione tuas decisões.

Esperas demasiado de tua esposa e filhos. Censuras demais. Se encorajasses em vós mesmo um temperamento alegre e feliz e lhes falasses bondosa e ternamente, levarias para teu lar luz em vez de sombras, tristezas e infelicidade. Preocupas-te demasiado com tua opinião; tomas posições extremas, e não tens permitido que tua esposa tenha no seio de tua família o peso que deveria ter. Não tens encorajado o teu próprio respeito por tua esposa nem educado os filhos para que lhe respeitem o julgamento. Não a tendes feito tua igual, antes tens tomado em tuas mãos as rédeas do governo e controle, e as tens mantido firmemente. Não possuis disposição de afeição e simpatia. Necessitas cultivar esses traços de caráter se queres ser um vencedor e se desejas as bênçãos de Deus em tua família."

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