A adolescência é uma das etapas da vida em que o ser humano se vê frágil diante das grandes e bruscas mudanças. Essa vulnerabilidade, quando não bem administrada, tem resultados emocionais, que, por vezes, geram certos comportamentos. Um deles é o comportamento autolesivo, caracterizado por agressões físicas ou emocionais que a pessoa causa a si mesma. Diversos cenários colaboram para essa prática, mas o que mais chama atenção para a realidade de hoje é a dependência da tecnologia. Segundo estudos, a forte ligação entre o indivíduo e a tecnologia faz com que haja um distanciamento entre as pessoas, abrindo brecha para atitudes extremas, como a autolesão. Para entender mais sobre o assunto, a Agência Sul-Americana de Notícias conversou com a psicóloga e mestre em psicologia Carolina Raupp, que desenvolveu estudos específicos sobre este tema em sua dissertação.
A que principais conclusões você chegou, em suas pesquisas, quanto às razões pelas quais adolescentes praticam o chamado comportamento autolesivo (CA)?
Pesquisadores encontraram diferentes razões para a prática dos CA. Na pesquisa que desenvolvi, a fala dos adolescentes indicou que um dos principais motivos era a dificuldade em lidar com emoções avassaladoras como a tristeza e a raiva. Já em relação à percepção delas quanto aos fatores ambientais, problemas familiares foram, também, associados como causa.
Esse comportamento está associado principalmente à depressão, certo?
Sim. A depressão pode ocorrer em todas as etapas da vida, mas nas etapas de transição e na adolescência existe maior vulnerabilidade. Um estudo identificou que a psicopatologia mais prevalente, associada aos comportamentos autolesivos, foi a depressão. Segundo o Instituto Nacional de Saúde Mental, mais de 90% das pessoas que cometem suicídio apresentam depressão, e este pode acontecer quando se intensifica a prática de autolesões.
E quanto a fatores de instabilidade e relacionamentos familiares ruins, especialmente entre os pais e os adolescentes? O que você detectou nessa área?
Os dados obtidos por meio da pesquisa reforçaram que a percepção da baixa qualidade das relações familiares, assim como a sensação de pouca coesão, são fatores de risco para os CA. A falta de manifestações de afeto e de apoio emocional, bem como a presença de conflito familiar, também foram percebidos como fatores facilitadores para a prática do comportamento.
O que você pode falar a respeito da chamada dependência tecnológica, muito comum nessa faixa etária, atualmente?
O celular é o objeto mais oferecido para acalmar o bebê, antes mesmo da mamadeira e da chupeta, ou seja, desde cedo os pequenos não estão sendo ensinados a lidar com a frustração, a administrar as próprias emoções. Nossa população mundial é de aproximadamente 7 bilhões de pessoas. No ano de 2016, havia o registro de 6 bilhões de celulares, ou seja, há celulares até onde a água potável não chegou. O uso excessivo de tecnologias leva a um estado de fluxo, um estado alterado de consciência. É fácil se tornar dependente e, consequentemente, elevar os problemas interpessoais, especialmente algum tipo de deterioração da vida familiar.
A dependência tecnológica tem relação com o comportamento autolesivo?
A dependência tecnológica facilmente pode gerar um afastamento entre as pessoas (autismo digital). É fácil utilizar eletrônicos como uma rota de fuga ou evitação, da mesma forma que pode ocorrer com os CA. Um estudo da Universidade de Cardiff, Reino Unido, descobriu que as pessoas que se autolesionam não apenas usam as mídias sociais para compartilhar imagens das lesões. Alguns usam as imagens como parte do “ritual” de autolesão. Outro estudo desenvolvido no Reino Unido, na Universidade de Oxford, evidenciou que há aumento de risco para o suicídio e autolesão entre os jovens que passam mais horas conectados na internet. Além disso, nestes casos se observaram métodos mais violentos de autolesão.
Esses quadros de autolesão podem levar um número considerável de adolescentes ao suicídio? E como isso se dá?
Em uma investigação realizada em uma amostra clínica de adolescentes com depressão, identificou-se que um histórico de CA antes do tratamento foi um dos maiores preditores para posteriores tentativas de suicídio. Alguns autores consideram os CA em um contínuo de um espectro suicidário, envolvendo um processo de dessensibilização em direção ao suicídio. Nem sempre acaba assim, mas existe uma elevação do risco nestes casos.
Que orientações você dá para os adolescentes e para os pais quanto a esse problema?
Aos adolescentes: observar se houve progressiva mudança no humor, diminuição no interesse ou prazer em fazer as coisas, cansaço, alteração no apetite e/ou sono, vontade de se isolar dos amigos e familiares, vontade de morrer etc. Procurar, então, alguma pessoa confiável para conversar e pedir ajuda. Caso se autolesione, encontrar estratégias de redução de danos para lidar com os impulsos. Por exemplo, segurar gelo até derreter quando o impulso para se machucar se tornar mais intenso.
Aos pais: olhar nos olhos, buscar formas de conectar coração a coração, conversar. Grande parte dos filhos atuais são filhos órfãos de pais vivos, que estão mais conectados com as redes sociais, trabalho e com o cansaço que com o coração dos seus filhos. Amar é cuidar. Amor indisponível não previne nem cura.
Qual o papel das igrejas e da religião em algum tipo de trabalho de apoio?
Entre as pessoas que entrevistei e atendi, as que pararam de se autolesionar o fizeram por consideração ao pedido e/ou afeto de alguém. Poucas contavam com o apoio familiar desejado. Desta forma, elas podem encontrar nas igrejas alguém que as “enxergue”, as considere e que também ajude a promover os vínculos familiares. O amor e a atenção oferecidos pelas pessoas da igreja podem ser ferramentas importantíssimas para o processo de cura. Até mesmo porque este amor pode apontar para o amor de um Deus que as ama incondicionalmente, que as fez com um propósito, doador de esperança e que não as deixa sós nos momentos de maior angústia. Enfim, podem encontrar alguém que percebam que se importa.
Felipe Lemos e Mauren Fernandes (via ASN)
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