quarta-feira, 10 de julho de 2019

Afinal, o Brasil é um Estado laico?

O presidente Jair Bolsonaro afirmou na manhã desta quarta-feira (10) que terá direito a indicar dois ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e que "um deles será terrivelmente evangélico". Bolsonaro se diz católico, apesar de ter se batizado anos atrás na Assembleia de Deus; sua esposa, Michelle Bolsonaro, é evangélica. "Muitos tentam nos deixar de lado dizendo que o Estado é laico. O estado é laico, mas nós somos cristãos", disse o presidente em culto evangélico na Câmara dos Deputados. As indicações de ministros do STF são uma atribuição do presidente. Os nomes, no entanto, precisam ser aprovados por uma sabatina no Senado.

Um Estado é considerado laico quando promove oficialmente a separação entre Estado e religião. A partir da ideia de laicidade, o Estado não permitiria a interferência de correntes religiosas em assuntos estatais, nem privilegiaria uma ou algumas religiões sobre as demais. O Estado laico trata todos os seus cidadãos igualmente, independentemente de sua escolha religiosa, e não deve dar preferência a indivíduos de certa religião.

O Estado também deve garantir e proteger a liberdade religiosa de cada cidadão, evitando que grupos religiosos exerçam interferência em questões políticas. Por outro lado, isso não significa dizer que o Estado é ateu, ou agnóstico. A descrença religiosa é tratada da mesma forma que os diversos tipos de crença.

Mesmo com maioria católica, com uma estimativa de 127 milhões de fiéis, o Brasil é oficialmente um Estado laico, ou seja, adota uma posição neutra no campo religioso, busca a imparcialidade nesses assuntos e não apoiando, nem discrimina nenhuma religião.

Apesar de citar Deus no preâmbulo, a Constituição Federal afirma no artigo 19, inciso I:

“É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.”

Esse trecho de nossa Constituição determina, portanto, que o Estado brasileiro não pode se manifestar religiosamente. Também vale notar que o artigo 5º, inciso VI também diz:

“É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;” 

Dessa forma, a liberdade religiosa na vida privada está completamente mantida, desde que devidamente separada do Estado. O Brasil tornou-se um Estado laico com o Decreto nº 119-A, de 07/01/1890, de autoria de Ruy Barbosa.

Josias Bittencourt, professor do curso de Direito do Unasp, campus Engenheiro Coelho (SP), explica como deve ser a relação entre Religião e Estado: "Muita gente comete o grande erro de interpretar os conceitos de Estado Laico e Liberdade Religiosa como sinônimos. Eles são conceitos interligados. O Estado Laico – que integra o conceito de Estado Democrático de Direito – tem como objetivo “separar” e “afastar” as mútuas interferências entre Religião e Estado. Por sua vez, a liberdade religiosa é o direito que todo cidadão possui de expressar e praticar a sua crença. Conforme a Constituição Federal do Brasil, o poder público está proibido de instituir (organizar) cultos, embaraçar (dificultar) a organização religiosa, e subvencionar (doar dinheiro, bens) às igrejas, mesquitas, sinagogas, etc. Acredito que o Estado Laico não é absolutamente neutro; defender a sua total imparcialidade é uma utopia, uma vez que se trata de uma entidade gerenciada por pessoas, que carregam consigo crenças políticas e religiosas. O Direito justo é o instrumento adequado para amenizar divergências e intolerâncias e gerenciar a relação entre Religião e Estado."

Ainda, segundo Bittencourt, "precisamos discutir formas mais adequadas para efetivar os conceitos de Estado Laico e Liberdade Religiosa. Há a necessidade de inibir as ações dos fundamentalistas e intolerantes político-religiosos e interpretar adequadamente as normas para aplicá-las na comunidade globalizada. Creio que no atual mundo globalizado alguns assuntos ganharão mais relevância e debates, como: (1) direito à vida; (2) verdade religiosa; (3) criacionismo e evolucionismo; (4) ensino religioso nas escolas; (5) casamento; (6) homossexualidade; (7) símbolos religiosos no espaço público; (8) dias santificados; (9) imunidade de impostos; e (10) indenização por danos morais. São temas conexos que, obviamente, não podem ser ignorados nem ficar alheios aos debates acadêmicos e sociais."

Como você pode perceber, a laicidade é um tema que gera muitas controvérsias, pois implica a manutenção de um equilíbrio tênue entre liberdade de crença e imparcialidade do Estado em relação à religião. Esse equilíbrio é delicado, mas tem como benefício esperado um Estado que respeita a diversidade de crença existente dentro da população.

Os adventistas do sétimo dia apoiam enfaticamente a separação Igreja-Estado. A Igreja possui o Departamento de Relações Públicas e Liberdade Religiosa que incentiva, onde for possível, a necessidade de um Estado laico. Por isso, a igreja tem sido ativa por mais de 100 anos em defender a liberdade de religião das pessoas independente de sua fé. 

No fim do século 19, em 21 de junho de 1889, nossos pioneiros fundaram a Associação de Liberdade Religiosa Nacional. Eles assinaram uma Declaração de Princípios, que incluía a declaração: “Acreditamos que é o certo e que deve ser o privilégio de todo homem adorar de acordo com o que dita a sua própria consciência.” A igreja publicou, então, sua primeira declaração de liberdade religiosa e organizou o Departamento de Assuntos Públicos e Liberdade Religiosa. Desde então, esse tem sido um assunto importante para os adventistas. Está profundamente arraigado na compreensão adventista da Bíblia, na sua história e é parte da vida da igreja.

Em 1893, foi organizada e patrocinada pela Igreja Adventista do Sétimo Dia a Associação Internacional de Liberdade Religiosa (Irla). Seu propósito é universal e não sectário dedicado à causa da liberdade religiosa. A Irla tem representação permanente nas Nações Unidas e organiza conferências, congressos, festivais de liberdade religiosa, além de ter vasta literatura publicada. Fazem parte da direção da Irla, em seu Conselho Administrativo, diversos segmentos religiosos. É uma organização sem fins lucrativos e está ativa por meio de seus afiliados em mais de 200 países.

O Seventh-day Adventist Church State Council (Conselho de Estado da IASD) serve para proteger os grupos religiosos da legislação que possam afetar suas práticas religiosas. Os adventistas promovem em todo o mundo simpósios nesse assunto. Nos Estados Unidos publicam uma revista especializada em liberdade religiosa, chamada Liberty.

Assista também ao vídeo do prof. Leandro Quadros falando sobre esse assunto:

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