Passados exatos 132 anos da sanção da Lei Áurea pela princesa Isabel, em 13 de maio de 1888, os brasileiros ainda convivem com a escravidão ou com uma condição análoga a ela rotineiramente e a desigualdade entre negros e brancos continua escandalosa. A lei imperial 3.353 solucionou o grande problema da liberdade dos escravos, mas manteve os indivíduos das duas raças profundamente desiguais e sem condições de competir, com permanente desvantagem para os negros — empurrados para o ponto mais baixo da pirâmide social. O Brasil foi o último país americano a abolir a escravidão. E também foi o lugar que mais recebeu escravos africanos ao longo de sua história. Calcula-se que entre 1550 e 1860 cerca de 4,8 milhões de pessoas tenham sido trazidas contra a vontade da África para o Brasil. As relações de poder do velho sistema se entranharam na cultura nacional e deixaram um passivo gigantesco de injustiça e preconceito, encoberto pelo mito da democracia racial, que até hoje não foi superado.
“A Lei Áurea foi uma lei muito breve, muito conservadora, não veio acompanhada de nenhum projeto de inclusão social e nem foi capaz de redimir desigualdades assentadas ou apagar hierarquias naturalizadas”, diz a historiadora Lilia Moritz Schwarcz, organizadora, junto com Flávio dos Santos Gomes, do “Dicionário da Escravidão e Liberdade” (Companhia das Letras), lançado a propósito da efeméride abolicionista. “E o racismo estrutural que experimentamos hoje no Brasil não é só herança — novas formas de racismo estão sendo construídas e se expressam na educação, na saúde ou nos números da violência contra os jovens.” Em muitos aspectos, a Lei Áurea condenou uma grande parte da população a permanecer nas margens da sociedade. A condição de trabalho do liberto continuou extremamente precária e para o negro não houve nenhum tipo de proteção legal, trabalhista e social.
Estima-se que 160 mil pessoas no Brasil sofram, atualmente, com condições de trabalho análogas à escravidão. Negros e pardos, de acordo com dados do Ministério Público do Trabalho, representam mais de 64% das cerca de 43 mil pessoas que foram resgatadas dessa situação degradante nos últimos 15 anos. É possível identificar o trabalho escravo contemporâneo quando o trabalhador tem jornadas de trabalho exaustivas, servidão por dívidas, retenção de documentos, confusão do local de moradia com o de trabalho, ameaças e muitas outras situações que tiram a dignidade do ser humano.
Em 1888 tomamos uma decisão deliberada de deixar uma parte da população para trás. A pergunta que nos resta é: hoje, em 2020, com 55,8% da população composta por negros, em meio ao contexto de pandemia, iremos finalmente considerar a população negra como parte integrante do país, honrar o seu direito à cidadania, escutar a sua voz?
Enfim, como diria Martin Luther King, eu tenho um sonho! Sonho com o dia em que todos os brasileiros, brancos ou negros, terão igualdade de direitos, sejam reconhecidos como cidadãos e possam viver em plenitude a sua existência.
As Escrituras ensinam claramente que todas as pessoas foram criadas à imagem de Deus, que “de um só fez toda a geração dos homens, para habitar sobre toda a face da Terra” (Atos 17:26). E também deixa bem claro que "não existe diferença entre judeus e não judeus, entre escravos e pessoas livres, entre homens e mulheres: todos vocês são um só por estarem unidos com Cristo Jesus" (Gálatas 3:28).
Deus estabeleceu liberdade e igualdade. O homem é que não consegue implementar isso. Até hoje.
Ilustração: Francisco Rodrigues dos Santos, trabalhador rural de Roraima: condições degradantes em regime análogo à escravidão (Crédito: Mario Tama)
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