quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

DEMOCRACIA SOB ATAQUE

Com bandeiras confederadas e, em alguns casos, portando armas, milhares de ativistas de extrema-direita incitados pelo presidente derrotado nas eleições de 2020, Donald Trump, e por outros membros destacados do Partido Republicano, como Ted Cruz, invadiram o Congresso americano, entrando em confronto com policiais no local. Ao menos quatro pessoas morreram durante a invasão. 

O presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, afirmou após a invasão que a democracia americana está sob ataque. “A democracia americana está sob um ataque sem precedentes” disse Biden em um pronunciamento. “É um ataque ao Estado de Direito igual poucas vezes vimos na história" continuou o democrata.

Trump, por meio de um comunicado nas redes sociais, prometeu na manhã desta quinta-feira (7) que “haverá uma transição ordeira em 20 de janeiro”, o dia em que ele deverá deixar a Casa Branca. “Embora eu discorde totalmente do resultado das eleições, e os fatos estão do meu lado, ainda assim haverá uma transição ordeira em 20 de janeiro”, disse o mesmo que com um discurso agressivo e Bíblia na mão, tentou recuperar voto de religiosos em junho do ano passado.

É impossível saber quais serão as consequências no longo prazo para os Estados Unidos e para o mundo – e o Brasil em particular.

2021 não será um ano fácil, mesmo sem contarmos com a pandemia da covid-19. A onda de choque dos acontecimentos nos EUA, independentemente do sucesso ou fracasso da tentativa de golpe perpetrada pelo trumpismo, será sentida em todas as partes. A desestabilização da democracia mais poderosa do mundo nos traz apenas incertezas. 

Claro, alguns podem dizer que os EUA estão tendo o que merecem ao passarem, ironicamente, pelo mesmo processo que eles financiaram e incitaram por mais de um século em boa parte do mundo. Âncoras de TV nos EUA pareciam embasbacados, não conseguiam entender como o país havia chegado a esse ponto, tampouco parecia passar pela cabeça deles que os Estados Unidos fizeram dezenas de países passarem pelo mesmo ou até pior. 

Mas, com os pés no chão, temos de entender que um golpe nos EUA (ou sua tentativa) pode levar a consequências terríveis por todo o mundo. Pior, sequer conseguimos prever quais seriam dado o ineditismo da situação. Se Trump tem tentado dar um golpe desde as eleições, agora ficou absolutamente claro que ele tem o apoio de milícias criminosas – e armadas – dispostas a consumar o golpe. 

Segundo José Antonio Lima, jornalista e professor de Relações Internacionais, "já se pode dizer desde a eleição [que um golpe está em curso] e hoje é o momento mais simbólico de uma empreitada que, por um lado, é tragicômica, mas por outro pode ter impactos de longo prazo na posição dos EUA como modelo." 

E fica a lição para os legisladores brasileiros: não se contemporiza com fascistas. Não se permite que milícias armadas se organizem, que grupelhos como os de Sara Winter se reúnam livremente às portas do Supremo Tribunal Federal. Acima de tudo, não é tolerável que uma central de ódio e fake news se organize e promova campanhas de desinformação de dentro do Palácio do Planalto – como é o caso do gabinete do ódio.

Em um país cujas instituições têm solidez duvidosa e cuja democracia é apenas recente – e cujos criminosos da ditadura passada não apenas não foram julgados e condenados, como são parte do atual governo e homenageados pelo próprio presidente –, eventos como o que se viu acontecer em Washington acendem no imaginário um perigo ainda maior.

A lição que fica da tentativa de golpe nos EUA é de que os democratas no Brasil precisam se mobilizar urgentemente para evitar que o cenário se repita no país.

Eis um assunto que merece a atenção da igreja. A democracia é um regime político em que os cidadãos participam de forma igual, direta ou indiretamente, no debate sobre propostas e na criação de leis e exercem o poder de governo por meio de eleições que permitem aos cidadãos que escolham seus representantes. A base da democracia, portanto, é a a garantia de condições sociais, econômicas e culturais que assegurem o exercício livre e igual da autodeterminação política.

Há exemplos que mostram que a democracia é um regime imperfeito. O estadista britânico Winston Churchill disse, certa vez, que “a democracia é o pior dos regimes políticos, mas não há nenhum sistema melhor que ela”. Diferente de regimes totalitários, no entanto, a democracia é aberta ao exercício de liberdades individuais. E a defesa dessas liberdades é uma oportunidade para a igreja exercer plenamente suas ações de evangelização. Princípios como Estado laico, separação da Igreja e do Estado e liberdade de consciência são valores democráticos. E é importante ressaltar que muitos desses valores surgiram com a Reforma Protestante. 

No livro Testemunhos Seletos, vol. 2, p. 152, Ellen G. White, escrevendo sobre a crise de liberdade que haverá de acontecer nos eventos finais da história humana, sugeriu que nossa atitude diante dessa crise não deveria ser de resignação e expectativa, mas de ativa promoção e defesa das liberdades. "É nosso dever fazer tudo ao nosso alcance, a fim de advertir contra o perigo iminente. Devemos esforçar-nos por destruir os preconceitos, assumindo a legítima atitude diante dos homens. Devemos esclarecer-lhes a questão propriamente dita em torno da qual gira a controvérsia, e deste modo lavrar o mais eficaz protesto contra medidas tendentes a restringir a liberdade de consciência”, ela escreveu.

Estar atentos a esses movimentos, fugir de ciladas que nos façam abraçar a intolerância, defender as liberdades como recurso indispensável para a evangelização em escala global e promover a pacificação como fator crucial para a defesa da liberdade de expressão parecem formar uma agenda das mais urgentes que a igreja tem nos dias atuais.

[Com informações de UOL | O Tempo | Valor]

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