Depois de tantos anos de cristianismo no mundo e de termos nascido já seguindo práticas que passamos a considerar comuns é sempre necessário repensarmos algumas coisas. O hábito, muitas vezes, anula a ação consciente. Então é importante que tomemos consciência de alguns dos nossos hábitos.
Há um grande perigo na religiosidade. Tornar-se genérica. Explico. É quando sua função no mundo deixa de ser específica e vira uma sopa diluída em muitas coisas, todas as coisas, esquecendo seu papel principal. Deus nos chamou para Seu Reino e nele temos funções específicas a exercer. Na Palavra, Entendemos que o Reino de Deus é um corpo, e dEle somos membros. Cada um com a sua função específica (Efésios 4:2-12, 1 Coríntios 12:4-11, Romanos 12). Não fomos feitos todos iguais e nem feitos para fazermos as mesmas coisas e é nessa pluralidade, com cada um exercendo sua função específica, que somos um só, o Corpo de Cristo: “Servi uns aos outros, cada um conforme o dom que recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus” (1 Pedro 4:10)… “para que, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus se torne conhecida (Efésios 3:10).
Percebeu o termo multiforme? O que a Bíblia está dizendo em Efésios é que a sabedoria de Deus assume múltiplas formas e isso se manifesta na igreja. E o texto de Pedro nos informa como essa sabedoria múltipla de Deus se manifesta na igreja, com a distribuição dos dons que faz de cada um de nós, um operador específico no Reino de Deus. Servos que servem uns aos outros, contribuindo com o que tenho na vida daquele que não tem o que me foi dado. E é usando o dom específico que recebemos que exercemos nosso propósito de vida no Reino de Deus.
Perceba, também, que essa diversidade toda converge em uma unidade: a igreja ou o corpo. Somos diversos e com dons específicos, mas nossos “serviços” e habilidades estão todos voltados para compor um único corpo. Que se move em uma única direção em uma orquestral harmonia. Em outras palavras, o que há de específico em mim e no meu dom não é para que eu me destaque dos outros, mas para que eu me misture com os outros encontre sentido no que faço com o outro para o Reino. Um único Reino. Meu dom não é para que eu me torne independente ou um agente autônomo do evangelho, mas para que componha com os outros “a edificação do corpo”. E esse Corpo é muito específico também, é o Corpo de Cristo.
Um só alvo
Por tudo isso somos chamados a ser o que Deus especificamente nos chamou a ser, para um objetivo específico de formarmos Seu Reino. O alvo é um só, embora as formas sejam múltiplas. Uma multiplicidade que se completa e não que se exclui. Não tem nada de genérico no Reino de Deus, pois as funções e objetivos são específicos.
Você já parou para pensar o quanto as ações da sua igreja podem ser genéricas? O quanto temos nos empenhado em inúmeras realizações com propósitos quaisquer e que não nos levam ao verdadeiro crescimento? Graças a Deus não é assim em todo lugar, mas infelizmente, na maioria dos lugares religiosos o que encontramos são ações genéricas. Cultos, eventos, shows, atividades e esforços sem propósito algum. É o fazer, pelo simples fazer. Programações cuja a única razão de existir é a própria programação.
E pode ser que na multiplicidade de dons a gente perca o alvo de vista, e cada um passe a enfatizar o “seu próprio”. Aí a igreja se divide em departamentos que estão todos “puxando a corda para o seu próprio lado”. A igreja, em vez de ser uma força centrípeta, em que todos giram em torno de Cristo, torna-se uma força centrífuga, onde todos se espalham para seus próprios interesses. E, assim, um começa a se enxergar mais valioso que o outro. Quem prega valoriza mais o sermão do que a canção, quem trabalha com os pobres mais importante do que quem arruma a igreja, quem faz evangelismo mais valioso do que quem ensina os irmãos e assim por diante. Nós nos separamos em nossas diferenças em vez de nos unir e isso faz da igreja um lugar genérico.
Ela se conduz como se não tivesse um propósito específico, mas como se estivesse cheia de propósitos distintos. Os cultos passam a ser todos genéricos, as músicas cantadas também, as ações e programações estão todas desconexas e a igreja fica inundada de datas diferentes para cumprir que não estão levando o “Corpo” a lugar nenhum. Nem um.
Vou fazer uma confissão pública aqui. Sou chamado para pregar em vários lugares, e muitas vezes me frustro ao receber o convite. Acontece, que na grande maioria das vezes eu pergunto porque estou sendo convidado. Esperando ouvir um motivo pelo qual minha presença será relevante. Mas, na desesperadora maioria das vezes, não ouço razões do tipo: Porque estamos decididos a ensinar os jovens a gostar de ler a Bíblia ou Porque precisamos que nos fale sobre aquele tema específico que sabemos que você pode contribuir. Não! Na maioria das vezes escuto: “Porque queremos fazer um programa legal (forma), dinâmico (forma), animado (forma), que encha de pessoas (alvo)”. Uma igreja preocupada com formas de programação primeiro do que com o objetivo final está tomada da doença da fé genérica. Os cultos são qualquer coisa, o conteúdo é qualquer coisa, a transformação pode ser qualquer uma, desde que tenha uma boa e atraente aparência, um formato arrebatador. Quando o objetivo perde espaço para a forma, a forma pode colocar tudo a perder.
E quando o alvo é genérico? Quando tudo o que queremos é público? Mas de que serve uma multidão que não pode ser transformada? De que serve conduzir uma multidão para lugar nenhum? O alvo do Reino de Deus é a transformação de vidas e não um auditório lotado.
Às vezes insisto em perguntar: “mas o que querem que eu fale lá?” e ouço a terrível resposta: “é livre pastor, pregue o que quiser”. Poder escolher o que pregar é sempre bom para o pregador, mas o pregador é chamado para fazer o bem onde ele está sendo chamado e não para fazer o bem a si mesmo. A questão não é o que é bom para o pregador, mas o que é bom para a igreja. E como saberá o pregador que necessidades atender em um lugar desconhecido? Muitos esperam que o Espírito Santo sopre ao pregador, mas as coisas não funcionam assim. Relegamos ao Espírito Santo responsabilidades que são dadas a nós. Cabe aos líderes de cada igreja enxergar suas necessidades e buscar levar a igreja para o alvo. Sobre eles Ellen White disse: “Sua obra é demasiado genérica e muitas vezes dispersiva” (Testemunhos para a Igreja, Volume 1, página 432). O púlpito é franqueado a qualquer um com qualquer mensagem, os cultos se tornam dispersos e genéricos. Na tentativa de se chegar em todos os lugares, não se chega a lugar algum. É por isso que na maioria desses casos recuso esse tipo de convite, e quando não consigo escapar dessa cilada, prossigo desestimulado, apelando em oração para que Deus me ajude a ser útil em um lugar que nem mesmo sabe para onde vai ou do que precisa.
“Carecemos hoje de muitos Neemias na igreja — não de homens capazes de pregar e orar apenas, mas de homens cujas orações e sermões sejam fundamentados em firme e sincero propósito” (Serviço Cristão, página 177). “A igreja e o mundo carecem de toda a influência, todos os talentos que Deus nos concedeu. Tudo que temos deve ser aplicado ao Seu uso. Ao apresentar o evangelho, excluí todas as vossas opiniões particulares. Temos uma mensagem mundial, e o Senhor quer que os Seus servos mantenham como sagrado o depósito que lhes confiou” (Conselhos sobre Regime Alimentar, página 209).
Uma religião genérica é dispersiva! Passam anos, o volume de ações aumentam, os eventos ficam maiores, as programações mais caras, o calendário abarrotado, e cada um fazendo o que acha melhor, sem uma unidade de propósito. Nós, adventistas do sétimo dia, temos um propósito histórico e profético de existir na cristandade, estamos vivendo para esse propósito ou estamos “atirando para todos os lados? E sua igreja? Tem sido uma metralhadora atirando sem rumo? Precisamos mudar de uma fé genérica para uma fé com foco. Use os seus dons para unir a igreja em torno do propósito que Deus tem para vocês.
Cada culto, cada oração, cada programação, cada evento, cada reunião, cada ação é sobre a liderança de Cristo em um único propósito. Que propósito é esse? Não sabem?
Nunca saberão enquanto, juntos, como igreja e em oração, não sentarem para avaliar quais são os dons que Deus lhes deu e para onde irão juntamente com esses dons!
Diego Barreto (via O Reino)
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