A pandemia ainda não acabou. Mas diante da melhora do cenário epidemiológico da Covid-19 no Brasil, já estamos podendo abrir mão da proteção das máscaras em alguns ambientes quando saímos de casa. Mas existem outras “máscaras” que já deveriam ter sido arrancadas há muito tempo pelo povo de Deus. “Às vezes, escondemos nosso medo, nossa fraqueza e nossa dúvida até de nós mesmos”, escreveu David Kornfield. “Deus, em Sua misericórdia, permite [...] circunstâncias difíceis e provas que nos ajudem a reconhecer nossas máscaras” (Aprofundando a Restauração da Alma Através de Grupos de Apoio [Mundo Cristão, 2008], p. 46).
Representar diversos papéis sem ter a vida plenamente ancorada em nenhum deles faz parte da “modernidade líquida”, termo cunhado pelo falecido sociólogo Zygmunt Bauman. Assim como o pensador polonês, eruditos como o também falecido britânico-jamaicano Stuart Hazl e outros acadêmicos analisaram esses traços das relações humanas na contemporaniedade.
No entanto, uma mensagem solene e atualizadíssima, dirigida a nós pelo próprio Cristo há 2 mil anos, mostra que o autoengano das máscaras é perigoso (Ap 3:15). Por essa razão, é preciso que analisemos à luz da Bíblia algumas das máscaras que podemos estar usando, ainda que inconscientemente:
1. Máscara da autossuficiência. Na carta à igreja de Laodiceia, o Senhor advertiu: “Você diz: ‘Sou rico, estou bem de vida e não preciso de nada.’ Mas você não sabe que é infeliz, sim, miserável, pobre, cego” (Ap 3:17). Pessoas podem se enxergar como bem-sucedidas e autossuficientes; porém, essa autopercepção pode não corresponder à realidade.
2. Máscara da falsa piedade. Próximo à volta de Jesus, conforme advertiu o apóstolo Paulo, as pessoas teriam a aparência de piedade, mas negariam o poder da verdadeira santidade (2Tm 3:5). “Cristãos de fachada” são superficiais.
3. Máscara do negacionismo escatológico. Na pandemia, entre os milhões de mortos ao redor do mundo, muitos deles perderam a vida porque negaram a existência do novo coronavírus e o perigo que ele representava. Imprudência e loucura é também negar os incontáveis sinais que apontam para a proximidade da volta de Jesus (Lc 12:45 e 46).
4. Máscara da falsa fraternidade. A atual crise sanitária global despertou o que há de melhor e pior na humanidade. Vimos a solidariedade de empresários ricos e mesmo de pessoas pobres que doaram alimentos e dinheiro para socorrer os mais vulneráveis. Por outro lado, testemunhamos a ganância e insensibilidade de alguns líderes religiosos que pressionaram governos para que, no auge da propagação do vírus no Brasil, flexibilizassem as regras para a reabertura dos templos.
O fato é que Deus e o mundo esperam mais autenticidade da igreja. “Muita gente vem do mundo porque não aguenta mais viver com máscaras, mas se decepciona ao descobrir a realidade da igreja”, afirmou José Armando S. Cidaco (Um Grito Pela Vida da Igreja [CPAD, 1996], p. 51).
Em seu livro emblemático Vivendo Sem Máscaras (Betânia, 1987, p. 55), depois de citar o fato de um templo evangélico nos Estados Unidos ter virado um mero restaurante, Charles R. Swindoll faz uma análise acurada da condição atual da igreja de Cristo: “Aquela igreja, por exemplo, tinha sido implantada naquele bairro com um alvo claro – ser sal e irradiar luz para a comunidade. Mas agora [...] o sal que ela possui está num saleiro de vidro, no balcão. Sua luz é uma placa em gás neon.”
5. Máscara da indiferença e acomodação. Segundo Israel Belo de Azevedo, o cristão “morno” tem três marcas: indiferença, claudicância e acomodação (Tem Mensagem Para Você [Hagnos, 2011], p. 130). Comentando sobre essa última característica, ele escreveu que o “morno está satisfeito com a vida que leva”, não percebe sua pobreza espiritual, “chega a ter orgulho de sua vida” e “vive para o rito”. Em resumo, ele vive de aparências e mero ritualismo.
ENGANADOS ATÉ O FIM
Tudo isso que acabamos de analisar pode ser resumido em uma palavra: formalismo. Trata-se de um pecado sutil e perigosíssimo, pois entra na congregação de Deus com a aparência de espiritualidade e devoção. O formalismo é perigoso porque não se opõe aos ritos da religião; ao contrário, até enfatiza os cultos e as cerimônias. Tem cara de legalidade, mas é uma religiosidade vazia. É a troca da religião prática (Tg 1:27; Ez 16:49; Mt 25:34-46) pelas práticas da religião (Lc 18:10-12).
Portanto, o formalismo não é um inimigo visível, externo, que age de fora para dentro na comunidade. Seu perigo está na aparência de normalidade. É o autoengano (falsa avaliação de si mesmo) que leva à autoindulgência (tolerar as próprias faltas) e à lenta morte espiritual. Em outras palavras, é a apostasia travestida de religiosidade. Em seu sermão profético, Jesus disse que essa foi a condição dos antediluvianos e será a condição de milhares de pessoas, inclusive entre o professo povo do advento (Mt 24:37-39).
No livro A Igreja Desviada: Um Chamado Urgente Para Uma Nova Reforma (Mundo Cristão, 2012, p. 195), Charles Swindoll descreve uma visita que fez ao Museu do Holocausto em Israel: “O que mais me chamou a atenção foi uma declaração impressa em um dos documentos oficiais distribuídos aos guardas nazistas que cuidavam dos campos de concentração: ‘A lei dos campos de concentração é fazer com que aqueles que caminham para a morte sejam enganados até o fim.’”
DESMASCARADOS
Na mensagem apresentada por Jesus para João como uma prevenção aos enganos finais, faz sentido Ele Se apresentar como “a Fiel Testemunha” (Ap 1:5) e Aquele que tem “os olhos como chama de fogo” (Ap 1:14). Isso significa dizer que a avaliação que Cristo faz de Laodiceia é precisa, inquestionável e infalível. Podemos confiar Nele, pois não fala com base em conjecturas, falsas informações ou falácias humanas; mas, sim, em Seu próprio conhecimento (Ap 2:2, 9, 13; 3:1, 8).
Por fim, Cristo diz para nós, Laodiceia, membros da Sua última igreja: “Eu sei o que vocês têm feito. Sei que não são nem frios nem quentes. Como gostaria que fossem uma coisa ou outra! Mas, porque são apenas mornos, nem frios nem quentes, vou logo vomitá-los da Minha boca” (Ap 3:15 e 16, NTLH). Devemos nos ver representados nas exortações, advertências e repreensões que o Senhor fez em Suas cartas às sete igrejas do Apocalipse. Afinal, será que não abandonamos nosso primeiro amor (igreja de Éfeso), temos nome de que estamos vivos, quando na realidade estamos mortos (igreja de Sardes) e estamos cegos em relação à nossa condição espiritual deplorável?
Somos a sétima igreja. A mensagem é para cada um de nós e, portanto, precisamos aceitá-la com toda humildade, conforme fez Ellen White, cofundadora da Igreja Adventista: “A mensagem à igreja de Laodiceia é aplicável à nossa condição. Quão claramente é pintada a situação dos que julgam ter toda a verdade, que se orgulham no conhecimento da Palavra de Deus, ao passo que seu poder santificador não foi sentido em sua vida! Falta em seu coração o fervor do amor de Deus, mas é esse mesmo fervor de amor que torna o povo de Deus a luz do mundo” (Fé e Obras, p. 82 e 83).
A pioneira adventista completa a advertência divina: “Aqui estão representados aqueles que se orgulham na posse de conhecimento e vantagens espirituais. Não corresponderam, porém, às imerecidas bênçãos que Deus lhes tem concedido. Têm estado possuídos de rebelião, ingratidão e esquecimento de Deus, e todavia Ele os tem tratado como um pai amoroso e perdoador trata um filho ingrato e corrompido. Resistiram à Sua graça, abusaram de Seus privilégios, desprezaram Suas oportunidades, e têm-se satisfeito com descansar contentes, em lamentável ingratidão, vazio formalismo e hipócrita insinceridade” (Fé e Obras, p. 84).
Sim, é hora de tirar a máscara, Laodiceia! Porque uma coisa é certeira e inapelável: ou retiramos a(s) máscara(s) enquanto é tempo ou muito em breve seremos desmascarados. De todos os piores pecados cometidos pelo povo de Deus ao longo dos tempos, Laodiceia corre o risco de cometer mais um: deixar Jesus do lado de fora. Portanto, fica o apelo do Mestre: “Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a Minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele, Comigo” (Ap 3:20).
Adaptação de texto de Elizeu C. Lira (via Revista Adventista)
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