sexta-feira, 29 de julho de 2022

RESPEITO

No dom de Seu Filho para nossa redenção, Deus mostrou quão alto valor dá Ele a toda alma humana, e não dá direito a homem algum de falar desprezivelmente de outro. Veremos faltas e fraquezas nos que nos rodeiam, mas Deus reivindica toda alma como Sua propriedade — Sua pela criação, e duplamente Sua como comprada com o precioso sangue de Cristo. Todos foram criados à Sua imagem, e mesmo os mais degradados devem ser tratados com respeito e ternura. Deus nos considerará responsáveis mesmo por uma palavra proferida em desprezo a respeito de uma alma por quem Cristo depôs a vida. Jesus diz que quem quer que condene seu irmão como apóstata ou desprezador de Deus, mostra ser ele mesmo digno da mesma condenação.1

Enquanto deixarmos predominar na lembrança os atos desagradáveis e injustos de outros, nos parecerá impossível amá-los como Cristo nos ama. Se, porém, nossos pensamentos se fixarem no extraordinário amor e piedade de Cristo para conosco, esse mesmo espírito irradiará de nós para os nossos semelhantes. Cumpre-nos amar e respeitar uns aos outros, apesar das faltas e imperfeições que não podemos deixar de notar neles. Necessitamos cultivar a humildade e a desconfiança de nós mesmos, bem como paciente benevolência para com as faltas do próximo. Isso destruirá em nós todo o mesquinho egoísmo, tornando-nos magnânimos e generosos.2

Os seres humanos, dados eles próprios ao mal, são inclinados a tratar duramente com os tentados e os que erram. Eles não podem ler o coração; não conhecem suas lutas e pesares. Necessitam aprender a respeito da repreensão que é amor, do golpe que fere para curar, da advertência que fala de esperança.3

O Senhor deseja que Seu povo siga outros métodos que não os que levam a condenar o erro, mesmo que a condenação seja justa. Ele quer que façamos alguma coisa mais do que atirar a nossos adversários, acusações que só servem para mais os afastar da verdade. A obra que Cristo veio fazer em nosso mundo, não foi erguer barreiras, nem lançar constantemente em rosto ao povo o fato de que se acham em erro. Aquele que espera esclarecer um povo iludido, deve-se aproximar dele, e por ele trabalhar com amor. Essa pessoa deve tornar-se um centro de santa influência. 

Na defesa da verdade, devem-se tratar os mais acerbos adversários com respeito e deferência. Alguns não hão de corresponder aos nossos esforços, mas menosprezarão o convite do evangelho. Outros, mesmo os que supomos haverem passado dos limites da misericórdia de Deus, serão ganhos para Cristo. A última obra no conflito, talvez seja a iluminação dos que não rejeitaram a luz e a evidência, mas que se têm encontrado em densas trevas, e, em ignorância, têm trabalhado contra a verdade. Portanto, tratai a todo homem como sendo sincero. Não pronuncieis uma palavra, nem pratiqueis uma ação que venha a confirmar alguém na incredulidade.4

Aquele que ocupa o lugar de porta-voz de Deus não deve proferir palavras que nem a Majestade do Céu empregaria quando contendendo com Satanás. Devemos deixar com Deus a obra de julgar e condenar.5

Textos extraídos das obras de Ellen G. White:

1. Refletindo a Cristo, p. 62
2. Filhas de Deus, p. 113
3. Atos dos Apóstolos, p. 269
4. Obreiros Evangélicos, p. 373
5. O Maior Discurso de Cristo, p. 55

terça-feira, 26 de julho de 2022

NÃO ESCRAVIZE OS AVÓS!

Celebra-se o Dia dos Avós em 26 de julho. E esse dia foi escolhido para a comemoração porque é o dia de Santa Ana e São Joaquim, pais de Maria e avós de Jesus Cristo, considerados os padroeiros de todos os avós pela Igreja Católica. No dia 26 de julho de 1584, o Papa Gregório VIII canonizou os avós de Jesus Cristo, por isso a escolha desta data para a celebração. Porém deles não encontramos nada na Bíblia. As únicas informações que temos sobre os pais de Maria são contados pelo Evangelho apócrifo (não autêntico) do século II, chamado Protoevangelho de São Tiago.

Nesta data tão especial, vamos falar um pouco sobre a síndrome do avô escravo. O surgimento deste fenômeno deve-se, em grande parte, às mudanças que a estrutura familiar sofreu nas últimas décadas.

Síndrome do avô escravo
Você pode nunca ter ouvido falar disso. Com a integração das mulheres no mundo do trabalho e o aumento da expectativa de vida, mais e mais idosos cuidam de seus netos. Eles costumam fazer isso em tempo integral, como uma espécie de “profissão”. Isso, em parte, facilita muito a famosa reconciliação entre trabalho e vida familiar.

Mas onde estão os limites? Os casais devem questionar o verdadeiro papel de seus pais idosos e se esforçar para respeitar seu espaço. Os avós já suportaram o peso das experiências de vida, casamentos, lares, empregos, filhos nos ombros. Para eles, a terceira idade deve ser sinônimo de tranquilidade, paz e relaxamento. O que, então, é a síndrome do avô escravo?

A aposentadoria é um momento experimentado como uma libertação. Um momento de descanso e diversão. Assim, depois de uma vida dedicada ao trabalho, finalmente chega o tão esperado período de despreocupação. O de tempo livre para dedicar-se a paixões e hobbies reservados para dar prioridade às obrigações e responsabilidades. No entanto, situações de estresse, ansiedade, dor física e mental podem surgir.

A síndrome do avô escravo provoca uma série de sintomas psicológicos e físicos que os idosos sofrem por causa de fortes mudanças sociais. Esse conjunto de sintomas inevitavelmente produz consequências físicas e mentais.

Conciliação familiar nos ombros dos avós
Quão importante é o papel dos avós nas famílias hoje em dia? Considerando os tempos turbulentos e de crise que marcaram os últimos anos, o apoio dos idosos tem sido e é um pilar fundamental para permitir aos jovens casais sobreviver e seguir em frente.

Esse suporte foi fornecido de várias maneiras:

• Apoio financeiro: muitos dos avós foram “forçados” a apoiar filhos e netos. Nesses tempos de crise, muitos assumiram as despesas e as necessidades da família com suas pensões e algumas economias.

• Apoio para o cuidado dos netos: os avós passaram a cuidar dos netos, pois os pais dos pequenos trabalham fora de casa por muitas horas. Atividades extracurriculares, visitas ao médico, esportes, tempo livre … Sem o apoio dos avós, muitas vezes não seria possível fazer tudo. Isso permitiu que os filhos cuidassem de suas famílias sem abrir mão de suas vidas profissionais.

• Ajuda nas tarefas domésticas: limpeza doméstica, compras de supermercado, culinária …

Tudo isso, em muitas ocasiões, desencadeou uma dinâmica que pressionou a saúde e a resistência desses idosos. Isso resulta na síndrome do avô escravo. Portanto, é necessário saber dizer “basta” e estabelecer limites para evitar abusos.

Sintomas do avô escravo
O que, a priori, poderia representar uma fórmula eficaz e terapêutica de enriquecimento para os idosos e pais, em muitos casos assume a forma de uma escravidão moderna. Onde fortes laços emocionais são usados em vez de cadeias.

Por outro lado, a síndrome do avô escravo não aborda a ideia de que o cuidado dos netos e o vínculo estabelecido têm efeitos positivos. Em princípio, uma pessoa mais velha que começa a oferecer esse trabalho de suporte pode obter vários benefícios:

• Ele se sente útil e menos sozinho

• Intensifica relacionamentos

• Sente-se feliz

• Realiza atividades dinâmicas e novas

• Ele recebe afeição de seus netos

No entanto, se esse relacionamento for mal encaminhado e se tornar mais o resultado de uma obrigação tácita, inevitavelmente ele deixará até consequências decisivamente negativas. Como no caso de:

• Fadiga e exaustão

• Agravamento da saúde

• Stress

• Sensação excessiva de apego

• Redução da vida social

• Pouco tempo livre

• Mais possibilidades para discussões familiares

Não escravize os avós!
Você deve ter em mente que os avós não têm a mesma energia e habilidade de quando eram apenas pais. Na velhice, limitações físicas e cognitivas podem surgir. Portanto, é necessário estabelecer limites e organizar uma rotina na qual haja espaço para os idosos administrarem independentemente de seus netos.

Os avós têm seus próprios interesses e necessidades. Eles não podem, de forma alguma, ser relegados ao papel de “escravos”, aproveitando-se da desculpa do tempo livre e do profundo sentimento de pertencer à família. É um jogo egoísta que mostra todos os elementos da exploração.

Suas aspirações, suas expectativas, seus desejos devem ser respeitados e levados em consideração: eles não podem ser anulados! Sua opinião, embora possa não parecer relevante, será sempre apoiada pelo valor da experiência. Especialmente em relação aos valores humanos, onde talvez o ser humano não tenha mudado tanto.

De qualquer forma, repetimos, ajudar a família a não deve significar qualquer renúncia por parte dos avós. Tome suas decisões com sensibilidade e a medida certa.

Para evitar cair na síndrome do escravo-avô, dois elementos são essenciais: boa organização e distribuição adequada das tarefas. Em resumo, um planejamento que permita aos pais se organizarem confiando em seus avós somente quando for estritamente necessário.


"Cuidai de como entregais o governo de vossos filhos a outros. Ninguém vos pode aliviar devidamente da responsabilidade que Deus vos deu. Muitas crianças têm sido completamente arruinadas pela interferência de parentes ou amigos, no governo de seu lar. As mães nunca devem permitir que suas irmãs ou mães interfiram na sábia direção de seus filhos. Embora tenha a mãe recebido a melhor educação das mãos de sua mãe, contudo, em nove dentre dez casos, como avó, estragaria os filhos de sua filha, pela condescendência e insensato louvor. Todo o paciente esforço da mãe pode ser desfeito por esse modo de tratamento. É proverbial que os avós, em regra, são incapazes de criar os netos. Os homens e mulheres devem dar todo o respeito e a devida deferência a seus pais; mas em questão de direção dos próprios filhos, não devem permitir interferência, mas conservar as rédeas do governo em suas próprias mãos" (Ellen G. White - Orientação da Criança, p. 288).

quarta-feira, 20 de julho de 2022

EVANGELHO AÇUCARADO E SUPERFICIAL

Faz alguns anos, o U.S. News & World Report publicou, como artigo de capa, o tópico sobre a espiritualidade no mundo atual, informando que a religião, em muitas partes do mundo, tomou um manto de psicologia popular. Muitas congregações crescem oferecendo uma teologia açucarada, com uma dieta light de sermões preocupados com temas como “realização pessoal”, como ser “melhor parceiro”, “melhor empregado”, “melhor chefe” e “amigo” e até como “perder peso”. Mesmo admitindo que alguns desses tópicos possam ser uma preocupação da igreja, eles não podem ser o foco central da pregação.

Muitos pregadores modernos têm enfatizado unilateralmente os atributos da misericórdia, perdão e amor de Deus, mas negligenciado igual ênfase em Sua justiça, santidade e inimizade contra o pecado. Poderia ser que, na tentativa de agradar as pessoas e nos tornarmos simpáticos aos que queremos alcançar, estejamos comprometendo os ensinos das Escrituras? É evidente que, como o contexto em que pregamos muda, devemos fazer ajustes em nossa forma de apresentar o evangelho, mas isso não muda sua essência. Enquanto métodos de comunicação podem variar, o fundamento da verdade bíblica deve permanecer inalterável.

Em nossa pregação, não mudamos Deus nem Sua verdade. Devemos manter em equilíbrio dois polos da proclamação cristã; de um lado, manter a identidade, o caráter bíblico do conteúdo proclamado; de outro, manter a relevância, que é o relacionamento da revelação com o contexto humano atual. Muitos querem ser relevantes sem ter identidade bíblica. Outros querem reter a identidade, mas no processo deixam de ser relevantes. Os dois perigos são reais. A preocupação com a relevância tende a levar à “contextualização pragmática” do evangelho, conduzindo à utilização de recursos estranhos à Palavra de Deus. 

A atual superficialidade no conhecimento das Escrituras tem contribuído, mais do que qualquer outra coisa, para obliterar a consciência profético-doutrinária da denominação. O estudo objetivo (doutrinário) da Bíblia tem sido substituído por uma leitura pietista (existencialista), destinada quase que exclusivamente a alimentar um relacionamento místico e subjetivo com Cristo. Consequentemente, os sermões de muitas de nossas igrejas tornaram-se mais leves, substituindo, em grande parte, o conteúdo doutrinário da Bíblia pelas experiências pessoais do próprio pregador.

Deveríamos imitar mais de perto o exemplo deixado por Cristo em Seu relacionamento com a verdade. Ellen White afirma: “Em Seus ensinos, Cristo não sermonizava, como fazem os ministros atualmente. Sua tarefa era a de edificar sobre a estrutura da verdade. Ele ajuntou as preciosas pedras da verdade, de que o inimigo se havia apossado e colocado na estrutura do erro, recolocando-as na estrutura da verdade, para que todos os que recebessem a palavra fossem por ela enriquecidos" (Mensagens Escolhidas 1, p. 206).

O outro perigo é a tentativa de ser “bíblico” e cair na bibliolatria, respondendo a perguntas que ninguém está fazendo. Ou tentar responder, no século 21, a questões do século 19. De qualquer maneira, devemos entender que o único evangelho capaz de satisfazer às necessidades humanas é o evangelho real, ministrado em sua fórmula original, sem açucaramentos ou diluições.

Charles Spurgeon, o Príncipe dos Pregadores (como era conhecido por muitos), disse: "Evitai o evangelho açucarado, assim como evitaríeis um açúcar amaciado pelo chumbo. Procurai o evangelho que rasga e rompe e corta e fere, entalha e até mesmo mata, pois esse é o evangelho que também vivifica."

Creio, particularmente, que a superficialidade doutrinária que enfrentamos hoje é uma das mais importantes estratégias satânicas para deixar-nos despreparados para os eventos finais, sem condições de expormos, de forma convincente, a base bíblica de nossas doutrinas. "Porque os tais são falsos apóstolos, obreiros fraudulentos, transfigurando-se em apóstolos de Cristo. E não é de admirar, pois o próprio Satanás se transforma em anjo de luz" (2 Coríntios 11:13, 14).

Concluo com este pensamento de Ellen G. White extraído do livro Os Ungidos (pp. 60-61). Ela nos adverte:

"A voz severa de repreensão é necessária ainda hoje, pois pecados terríveis têm separado de Deus o povo. A infidelidade virou moda. ‘Não queremos que esse homem seja nosso rei’ (Lc 19:14), milhares afirmam. Os sermões superficiais pregados com tanta frequência não causam efeito duradouro; a trombeta não dá um sonido certo. O coração das pessoas não é atingido pelas claras, cortantes verdades da Palavra de Deus.

Muitos dizem: ‘Por que precisamos falar de forma tão clara?’ isso é o mesmo que perguntar: ‘Por que João Batista teve que provocar a ira de Herodias, dizendo a Herodes que ele estava errado em viver com a mulher de se irmão?’ Aquele que preparou o caminho para o ministério de Cristo perdeu a vida por falar com clareza.

Os que deveriam ser guardiões da lei de Deus têm usado esse argumento até que finalmente permitem que a comodidade torne o lugar da fidelidade, e o pecado continue a ser praticado sem reprovação. Quando será a voz da fiel reprovação ouvida novamente na igreja?

‘Você é esse homem’ (2Sm 12:7). Raramente se ouve nos púlpitos de hoje, raramente se lê nas publicações atuais, palavras tão claras como essas, ditas por Natã a Davi. Os mensageiros do Senhor não dão resultados enquanto não se arrependem do desejo de agradar aos outros, pois isso faz com que encubram a verdade.

Não é por amor ao próximo que os pastores amenizam a mensagem sob sua responsabilidade, mas porque são condescendentes consigo mesmos e amam a vida fácil. O verdadeiro amor busca primeiro a honra a Deus e a salvação do próximo. Os que possuem esse amor não deixaram de falar a verdade para fugirem dos resultados desagradáveis de falar com clareza. Quando as pessoas estão em perigo, os pastores de Deus falarão a palavra que lhes é ordenada, recusando desculpar o mal.

Ah, se todo pastor tivesse a coragem de Elias! Os pastores deve repreender, corrigir e exortar ‘com toda a paciência e doutrina’ (2Tm 4:2). Em nome de Cristo eles devem animar o obediente e advertir o desobediente. Ele não devem dar valor algum aos interesses mundanos, mas prosseguir com fé. Não devem falar suas próprias palavras, mas sua mensagem deve ser: ‘Assim diz o Senhor’ (Êx 4:2). Deus chama pessoas como Elias, Natã e João Batista – pessoas que levarão fielmente Sua mensagem sem temer as consequências, pessoas que falarão a verdade, ainda que isso signifique sacrificar tudo que possuem."

segunda-feira, 18 de julho de 2022

O ÓDIO POLÍTICO NA IGREJA EVANGÉLICA

A atrocidade do assassinato do guarda municipal petista Marcelo Arruda, 50 anos, durante a festa de comemoração de seu aniversário, provocou uma onda de indignação no Brasil. Pessoas dos mais variados campos do espectro político se pronunciaram expressando horror e desaprovação ao crime.

As imagens do tiroteio que levou à morte de Arruda, registradas pelas câmeras de segurança do local, chocaram o país. Segundo a versão oficial do caso, o assassino bolsonarista Jorge José da Rocha Guaranho, chegou ao local da festa de carro e entrou em discussão com Arruda por motivações ideológicas. A partir dali decorreu-se uma desavença. Guaranho deixou o local, voltando alguns minutos depois – atirando duas vezes em direção aos convidados. No interior do espaço onde ocorria a festa, houve troca de tiros e, infelizmente, Arruda não não resistiu aos ferimentos.

A morte de Marcelo Arruda emitiu um alerta à sociedade brasileira, que se encontra envolta numa espiral ascendente de ódio político sem precedentes. Há menos de oitenta dias para o pleito eleitoral que definirá o próximo presidente da República, o acirramento da polarização político-ideológica tem se intensificado cada vez mais e a violência nas ruas tem escalado a níveis nunca antes vistos no período da redemocratização, tornando-se uma ameaça cotidiana. A violência política, inclusive, alcançou os ambientes evangélicos, ocupados atualmente por mais 65 milhões de brasileiros. Conforme denunciei aqui nesta coluna, em meu texto “Por que os jovens de esquerda têm saído das igrejas evangélicas”, agressões verbais aos fiéis que se opõe ao atual governo, estão sendo feitas dos púlpitos de muitas igrejas, o que tem resultado num êxodo de jovens progressistas de suas fileiras. O ódio político também é (inequivocamente) pano de fundo dos recentes banimentos institucionais de proeminentes pastores – como foi o caso do ministro Edson Nunes, compulsoriamente destituído da liderança da Igreja Adventista Nova Semente em São Paulo.

Para comentar a atual conjuntura de polarização que envolve as igrejas evangélicas, conversei com o cantor e compositor de músicas cristãs Leonardo Gonçalves. Detentor de uma voz singular e autor de belas canções conhecidas pelo público cristão, Gonçalves – que é mestrando em Letras pela Unicamp e adventista de tradição – tem se manifestado, veementemente, contra a aliança da igreja com o bolsonarismo.

Abaixo a entrevista completa:

Rodolfo Capler – Sendo um artista cristão de grande influência, com mais de 3 milhões de seguidores em suas redes sociais, como você avalia o nível de tonicidade da polarização político-ideológica nos ambientes cristão-evangélicos de nosso país?

Leonardo Gonçalves – Acho que para mim, o mais difícil de aceitar é essa virada dos que eram conservadores em reacionários. Cristãos-evangélicos em muitos países são predominantemente conservadores, com talvez 20 ou 30% de pessoas dentro do segmento que não abraçam o conservadorismo; até aí tudo bem. Convivíamos como irmãos, com tensões, mas com algumas semelhanças e em unidade. A virada para o bolsonarismo reacionário tornou tudo mais complicado, porque grande parte dos cristãos comprou esse “pacote” de guerra cultural em que tudo o que não é “nós”, automaticamente, se torna um inimigo que precisa ser eliminado. E isso tem consequências profundamente graves para os 20 ou 30% não conservadores, assim como para a igreja como um todo, para o Evangelho e, por fim, até mesmo para a democracia no Brasil. Essa mentalidade bélica, que acabou sendo recheada por um vocabulário bíblico, representa uma ameaça real para todos aqueles que pensam diferente.

Rodolfo Capler – De que forma a união entre política partidária e igreja (processo em curso hoje no Brasil), contribui para a incitação da polarização e do ódio políticos entre os fiéis?

Leonardo Gonçalves – Na minha opinião, hoje mais do que nunca, as questões políticas estão encharcadas de uma religiosidade; digo isso em relação a tendência de transformar discordâncias em relação como enxergamos e/ou lidamos com políticas públicas como uma questão de vida e morte. Isso se aplica tanto no sentido de estar disposto a morrer por algumas convicções, ou como vimos recentemente, no sentido de estar disposto a matar por estas convicções. Na história recente ou antiga do mundo, a união da igreja com o poder político nunca purificou o Estado, mas sempre corrompeu a igreja. E sinto que é mais do que apenas ingenuidade por parte das lideranças que querem fazer crer que desta vez tudo será diferente.

Rodolfo Capler – A morte do petista Marcelo Arruda pelo policial penal bolsonarista, deveria emitir qual mensagem para aos brasileiros e brasileiras nesta reta final para as eleições de outubro?

Leonardo Gonçalves – De que palavras importam, e que se você utilizar uma linguagem bélica, você precisa estar preparado para que pessoas as interpretem literalmente. Até porque estamos vivendo uma ascensão absurda de tentativas de leituras literais da Bíblia, que são sempre seletivas, é claro (porque todas as frases proferidas por Jesus contra o acúmulo de riquezas ou contra os ricos – curiosamente – nunca são lidas literalmente). Mas cada vez mais tem mais gente tentando emplacar que só há uma única leitura possível da Bíblia… Tem até lei no Congresso tramitando a esse respeito! Tudo é literal. E tudo é questão de vida e morte.

Rodolfo Capler – Que tipo de alerta a morte de alguém nessas circunstâncias manda para a comunidade evangélica de nosso país?

Leonardo Gonçalves – Olha, Rodolfo… Infelizmente não vejo muita gente alerta quanto a isso. A narrativa de guerra cultural, de proteção de “uma criança imaginária” e sempre abstrata – distante da realidade, pois as demandas das crianças de verdade, vítimas do descaso, da má distribuição de renda e/ou da violência dentro do núcleo familiar nunca são tratadas – e de uma (im) possível redenção da alma da nação brasileira são motivos suficientes para matar e morrer. Junte a isso a narrativa de uma suposta grande conspiração mundial contra os valores cristãos e eis os ingredientes para uma tempestade perfeita. Certamente é muito difícil resistir a esta tentação, de que fomos chamados para uma grande obra de defesa dos valores cristãos, quando de fato, os valores que a Bíblia nos convida a defender são os do amor revelados no serviço aos mais vulneráveis.

Rodolfo Capler – Qual seria o papel das igrejas evangélicas no abrandamento da polarização política no Brasil?

Leonardo Gonçalves – Deveria ser o repúdio de toda e qualquer associação e de todo e qualquer projeto político a serviço de uma religião. Em muitos lugares são justamente os cristãos que lutam a favor de liberdade religiosa e dum estado laico, porém, infelizmente, isso acontece somente em países em que os cristãos são minoria, ou não têm acesso e/ou possibilidade de instrumentalizarem o poder público. O poder é muito sedutor…

Rodolfo Capler – Que mensagem você deixaria para o eleitor evangélico?

Leonardo Gonçalves – Fuja de qualquer tipo de moralismo. Se distancie de qualquer simplificação de assuntos complexos. Corra de qualquer sombra de instrumentalização da religião ou de valores religiosos para a eleição de qualquer candidato. E abandone qualquer grupo, igreja ou púlpito que tente fazer isso.

* Rodolfo Capler é teólogo, escritor e pesquisador do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo-PUC/SP . 

Matheus Leitão (via Revista Veja)

VARÍOLA DOS MACACOS

Ainda sob o impacto global da pandemia de SARS-COV2, o mundo se depara com casos de uma “nova” e emergente doença viral com potencial ­epidêmico: a varíola causada pelo vírus Monkeypox (MPXV), comumente chamada de varíola dos macacos. [Mais de 11 mil casos da doença já foram identificados em 65 países, incluindo o Brasil. Nos EUA, quase 1.500 casos foram identificados, e o número deve aumentar nas próximas semanas].

A doença causada por esse vírus produz um quadro clínico semelhante ao da varíola, única doença infecciosa erradicada graças à vacina criada no fim do século 18 pelo médico britânico Edward Jenner. Esse imunizante oferecia uma proteção cruzada em 85% para o MPXV. Com a erradicação da varíola em 1980, e a subsequente interrupção de seu programa de vacinação, o efeito protetor contra o MPXV foi sendo perdido, e agora vemos a eclosão de novos casos desse tipo de varíola animal.

A MPXV é uma zoonose raramente transmitida ao ser humano. O vírus foi descoberto em macacos em 1958 num laboratório dinamarquês, e o primeiro caso em humanos foi documentado em 1970 em uma criança de 9 meses no Zaire, atual República Democrática do Congo (RDC). Desde então, o vírus se tornou endêmico na RDC, difundiu-se para outros países do centro-oeste do continente africano, e o primeiro caso fora da África foi registrado em 2003. Existem dois clados (grupo de microorganismos originados de um único ancestral comum) do vírus: o da África Ocidental e o da África Central. A mortalidade é de 3,6% para o clado da África Ocidental e de 10,6% para o da África Central. Felizmente, estudos iniciais evidenciam que o atual clado circulante fora da África é o de menor letalidade.

Nas décadas de 1970 a 1990, todas as mortes ocorreram em crianças e, nos ­últimos 20 anos, somente 37,5% foram em crianças menores de 10 anos. Ainda que muito debatidas, as razões para o ressurgimento dos casos de MPXV parecem passar pelo declínio da imunidade contra a varíola, por alterações na genômica viral e pelo desmatamento, que permite um contato mais próximo com os animais portadores do vírus (especialmente roedores). A aquisição da infecção ocorre pelo contato direto ou indireto com o sangue, líquidos corporais e lesões cutâneas ou de mucosas dos animais que estejam infectados. Por outro lado, a transmissão inter-humana se dá pelo contato da pessoa com secreções respiratórias, lesões de pele da pessoa infectada, ou pelo contato com objetos que tenham sido contaminados. A transmissão a partir das vias respiratórias por gotículas requer um contato mais prolongado com o paciente fonte.

O período de incubação, ou seja, entre o contato com o vírus e o ­início dos sintomas, é de seis a 13 dias, mas pode se estender a três semanas. Os sintomas são febre, astenia, dor de cabeça, aumento no tamanho dos gânglios linfáticos e um exantema que evolui para vesículas, pústulas e crostas que se iniciam no segmento cefálico, especialmente na face, e em menor intensidade atingindo as ­extremidades, inclusive as palmas das mãos e as plantas dos pés. As lesões cutâneas podem durar até três semanas e todas se apresentam no mesmo estágio, o que permite diferenciar a doença da catapora produzida pelo vírus da varicela (VVZ), cujas lesões surgem em diferentes estágios de evolução e não afetam palmas e plantas dos pés.

O diagnóstico é feito pelo quadro clínico e a confirmação laboratorial por exames moleculares. Já o tratamento é basicamente sintomático. Possivelmente, duas drogas antivirais com ação para a varíola comum, o brincidofovir e o tecovirimat, poderão ser de utilidade para os casos mais graves e para ajudar a reduzir a transmissibilidade dessa doença.

Dorival Duarte é infectologista e atua como diretor clínico do Hospital Adventista de São Paulo (HASP) (via Revista Adventista)

[No Brasil, nesta semana, o Ministério da Saúde decidiu finalizar a sala de situação criada para monitorar a disseminação da varíola dos macacos no país. A pasta afirma, no entanto, que continuará acompanhando o cenário da doença no Brasil. Até o momento, 228 casos da enfermidade foram registrados, um aumento de 185% na última semana. Segundo especialistas, o Brasil não tem doses armazenadas nem produção nacional, caso seja necessária uma estratégia de imunização].

sexta-feira, 15 de julho de 2022

RECADO URGENTE PARA UM MUNDO SURDO

Não consigo pensar em surdez sem lembrar de Efatá. A palavra usada por Jesus ao realizar o milagre na vida de um surdo em Decápolis. O livro de Marcos nos conta que Jesus olhou para os céus e pronunciou essa palavra em aramaico que significa: Abre-te! Desimpedidos imediatamente os ouvidos que estavam tapados. Imagino o clamor aos céus na voz de Cristo quando da execução desse milagre.

Imagino que a mistura de clamor aos céus e angústia por aquela vida seja o sentimento atual que Jesus tenha em relação aos homens. Estamos todos surdos. O mundo se tornou um lugar de narrativas ensurdecedoras.

Narrativas
A palavra narrativa aqui representa uma leitura da vida e da realidade que é expressa em nossa visão de mundo, atitudes e comunicação. No entanto, essa leitura da vida é subjetiva, e cada um enxerga a vida como prefere.

A internet permitiu que as preferências de muitos se encontrassem. Mas a internet também permitiu que aquilo que não é preferido também fosse encontrado. Assim, com base em preferências, comumente sustentadas por fatos reais e não verdadeiros, nós nos alinhamos com quem concordamos e conflitamos com quem não comunga de nossos ideais.

Como a base dessa divisão está nas preferências individuais, empoderadas por meias-verdades e boas intenções de ambos os lados, essa divisão é perfeita. Acabamos nos ensurdecendo voluntariamente para aquilo que não é nossa visão.

Tapar os ouvidos
E nada pode ser mais perigoso do que tapar os próprios ouvidos. Porque ficamos presos em nós mesmos, seres pecadores que confiam nos próprios ideais. Com a porta de entrada fechada para aquilo que é diferente, revelador ou novo, ficamos travados num estado terrível, visto que nenhum de nós é perfeito. Ao contrário, somos todos injustos e maus.

Entretanto, o perigo é bem pior do que nós imaginamos, e vai muito além do que uma simples questão de preferência. Essa atitude sozinha pode inviabilizar a eternidade para nós. Mas deixe-me aprofundar.

O cristianismo passou séculos apresentando a graça de Cristo por meio do Seu sacrifício em nosso favor. Aprendemos que Deus está disposto a perdoar qualquer um, inclusive os piores de nós. Entendemos que no Reino de Deus o perdão é dez vezes infinito x infinito (70×7). E que “nada pode nos separar do amor de Deus” (Romanos 8:38-39). Portanto, não há quem possa me impedir de receber a salvação em Cristo e nada que eu possa fazer que seja maior que a graça de Jesus. Estas são verdades cristãs.

No entanto, há inúmeros momentos na Bíblia onde vemos Deus chegando a um limite. Acontece quando Ele destrói o mundo por um dilúvio, quando destrói Sodoma e Gomorra, quando devasta o Egito, quando devasta as terras canaanitas. Ou quando morrem Hofni e Finéias, os filhos de Eli, Coré, Datã e Abirão, o Espírito é retirado de Saul e quando morrem Ananias e Safira no Novo Testamento. Só para nomear alguns. Todos casos, em que tanto para nós quanto para Deus algum limite foi atingido, e o Senhor teve de pôr fim àquelas histórias. Sabemos, também, que um dia Deus dará um fim a todo o mal, indicando claramente que Ele tem sim um limite para o mal.

Limites
Temos um paradoxo aqui ou uma contradição? Nem um, nem outro. Na verdade, o que nos confunde é o fato de que todos esses casos nos parecem absurdos demais porque nosso limite é bem mais curto. Afinal de contas, somos limitados, e essa é a dimensão máxima que nossa consciência consegue chegar. Mas Deus perdoou absurdos ultrajantes de Davi e Pedro, por exemplo. Limites, inclusive que, se eu fosse o juiz, não cruzaria visto que sou tão limitado. Mas Ele foi além do que eu imaginava. Morreu por todos nós. E tem cada um de nós que eu vou te falar, hein!

Falta uma peça para entender esse quebra-cabeça. Liberdade. Deus nos deu liberdade de escolha. Ao ponto de se permitir ser rejeitado e negado por nós. Por esse motivo, ninguém vai para o céu se não quiser, ninguém será obrigado a viver eternamente e nem será obrigado a amar a Deus. Aqueles que decidirem assim terão seus desejos concedidos. E Deus não violará nossa liberdade. Então cabe a pergunta: “Até quando Deus cortejará o ser humano? Até quando Ele cortejará um indivíduo? Até quando Ele tentará convencê-lo a uma vida eterna?” Deus não pode insistir para sempre. Em algum momento Ele terá de deixar que a decisão tomada siga seu curso, porque isso é o justo num ambiente de liberdade. No universo de Deus as pessoas têm o direito de dizer: “CHEGA! EU NÃO QUERO MAIS SABER! EU NÃO QUERO NEM OUVIR!” (enquanto tapa seus ouvidos).

Escolhas
Deus respeita nossa escolha. E quando nossa escolha, a despeito de todas as tentativas de Deus é decidida, voluntária e determinada, Ele permitirá sua decisão. E isso é o pecado contra o Espírito Santo: Deixar de ouvi-Lo. Fica mais claro quando entendemos melhor as palavras de Jesus: “se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será isso perdoado, nem neste mundo nem no porvir” (Mateus 12:32). Entendemos a palavra “contra” como se fosse uma ofensa ao Espírito Santo, mas a noção aqui está mais para falar contra o que Ele diz. Falar por cima daquela voz com a sua própria voz, falar contra o que ela está dizendo, desafiar a voz, cantar alto tra-lá-lá-lá-lá enquanto tampa os ouvidos. Acho que uma imagem vai dizer mais.

Nesse caso, não há como haver perdão, simplesmente porque o perdão está sendo frontalmente confrontado. Ir além disso seria quebrar a liberdade, trair a verdade, agir com injustiça. Assim, Deus cessa de falar a estes, e o perdão não poderá mais ser outorgado. Por isso haverá um tempo em que Deus dirá aos homens: “Quem é injusto, faça injustiça ainda; e quem está sujo, suje-se ainda; e quem é justo, faça justiça ainda; e quem é santo, seja santificado ainda” (Apocalipse 22:11). Não é um ato de cansaço, de cruzamento do limite do amor de Deus, é justiça com aquele que escolheu. E não há mais nada que Deus possa fazer. Imagine um pai que vê seu filho destruir a própria vida por decidir não dar ouvidos. Essa é a dor de Deus. Não é Deus que não é capaz de perdoar, mas eles decidiram rejeitar. O assustador é que Apocalipse está nos informando que chegará um dia em que todos os que não ouviram a voz de Deus, se ensurdecerão a tal ponto. E naquele dia Deus aceitará a escolha de tantos.

Sendo assim, nos casos que citamos de destruição divina, a misericórdia de Deus se manifestou com o mundo da época e com as próprias pessoas envolvidas quando Ele lança destruição sobre elas. Elas chegaram ao seu próprio limite de escutar, e cruzaram esta linha. Dali para frente nenhum esforço traria sucesso. Deus sabe o fim desde o começo. E para aqueles que já não ouvem mais, não resta mais graça, e o mundo será uma dor a eles ou eles causarão dor no mundo. Não foi Deus quem chegou no limite, eles que se limitaram a não ouvir mais.

Entende agora? As narrativas que hoje nos dividem, solidificam nosso pensamento e tapam nossos ouvidos. É um treinamento para Apocalipse 22:11. Nós nos cercamos do que concordamos e rejeitamos ouvir outros argumentos. A política e as ideologias motivadas por nosso egoísmo travestido de amor e boas intenções estão nos atropelando. Os efeitos na fé são nítidos. Irmãos divididos, igrejas divididas, partidos se alastrando em nossas cabeças, famílias divididas, amizades desfeitas, o completo contrário de uma igreja em “um acordo” (Atos 2:1) que receberá a chuva serôdia. E estamos exatamente no tempo em que ela deveria receber esta chuva. No mínimo uma “coincidência”.

Ou, se eu fosse o diabo, e soubesse que há um “pecado imperdoável” (agora você entende por que se chama assim) eu trabalharia para jogar a humanidade nele, porque esse seria o esforço definitivo.

“Basta que eles não consigam mais ouvir então? Hmmm! Nesse caso: Encham eles de teorias, usem as mentes mais brilhantes, façam com que acreditem em meias verdade, envolvam elas com amor para garantir que eles se tornem pequenos ditadores da ‘verdade e do bem’, conte histórias ridículas, extraordinárias e longas para entretê-los, crie mil camadas de compreensão, ocupe a mente e feche qualquer abertura. Diga-lhes que só ouçam a voz interna, chame-a de ‘voz do coração’. Aproveite a natureza caída e valide suas lógicas internas. Use suas necessidades pessoais para justificar o egoísmo. Validem suas ideias trazendo mais gente que concordem com eles para perto. Chame quem se opõe ao pensamento deles de inimigo. Enfim, deixem-nos surdos. Será suficiente!”

Estamos cada vez mais surdos. Os algoritmos estão lá fazendo o trabalho sujo de acabar com os diálogos, com as conversas, com a abertura. E o risco vai muito além da escolha do próximo presidente, esta além de questões econômicas, além das batalhas de superação pessoal, o risco é viver ouvindo apenas a si mesmo, e deixar de ouvir o que mais tem de ser ouvido! Acredito que se hoje Jesus fosse escrever um Tweet ou um post nas redes sociais, acho que Ele digitaria Seu mais profundo clamor: Efatá!

Diego Barreto (via O Reino)

quinta-feira, 14 de julho de 2022

LIVRE ARBÍTRIO

Fomos totalmente corrompidos pelo pecado? E nosso livre arbítrio? Temos, ainda, a habilidade de escolher entre o bem e o mal?

O tema sobre o efeito do pecado sobre nós, e sobre a natureza do livre arbítrio tem sido estudado e discutido há séculos, sem uma conclusão unânime. Vou compartilhar alguns conceitos para estimular seu pensamento. Quero iniciar com um paradoxo: A Bíblia afirma que temos livre arbítrio, mas ensina que somos escravizados pelo pecado. Considere o paradoxo e pense sobre ele.

1. Escravizados pelo Pecado
A queda de Adão e Eva alterou radicalmente a natureza humana. O coração, centro racional e volitivo do ser humano, foi corrompido: “O coração é mais enganoso que qualquer outra coisa e sua doença é incurável. Quem é capaz de compreendê-lo?” (Jeremias 17:9). O dano foi irreparável; os seres humanos não são apenas incapazes de se compreenderem, também enganam-se uns aos outros. Nenhuma dimensão da natureza humana ficou livre do toque do pecado; assim, ninguém é justo (Romanos 3:10) ou naturalmente busca a Deus (Salmos 53:2-3; Efésios 2:1-3).

O pecado é uma realidade humana. Isaías escreveu: “Somos como o impuro – todos nós! Todos os nossos atos de justiça são como trapo imundo. Murchamos como folhas, e como o vento as nossas iniquidades nos levam para longe” (Isaías 64:6); até os melhores seres humanos estão contaminados com nosso estado pecaminoso. Há uma inimizade natural contra Deus no coração humano que nos incapacita de procurar e de fazer o bem, ou de nos submetermos à Sua vontade (Romanos 8:7). Somos controlados pelos desejos pecaminosos e egoístas de nossa natureza caída (Romanos 8:6-8). A situação é desesperadora porque não há nada que possamos fazer para mudar essa realidade (Jeremias 13:23). Os seres humanos vivem sob o domínio do pecado, governados por um déspota e incapazes de fazer o que, talvez, gostariam de fazer (Romanos 6:16; conforme Romanos 7:18-23).

E o livre arbítrio?

2. A Situação do Livre Arbítrio
Permita-me dar uma definição de livre arbítrio: é o poder de escolha, independente de condições e forças internas ou externas as quais não podemos controlar. Se, é verdade que somos escravizados pelo pecado, então, é difícil falar sobre liberdade de escolha. Mas, se este é realmente o caso, é impossível falar de nossa responsabilidade sobre nossos atos. No entanto, a doutrina bíblica de julgamento e castigo admite que temos livre arbítrio. Podemos argumentar que o pecado não obliterou a imagem de Deus em nós e, portanto, temos livre arbítrio (Romanos 3:23). Se ele faz parte da imagem de Deus e de nossa humanidade, então ainda o temos. Isso, porém, deve ser apropriadamente compreendido. O livre arbítrio que temos, está deteriorado e corrompido. A pergunta agora é: quão deteriorado está ele?

Deixa-me sugerir algo: O pecado mudou a ênfase da função do livre arbítrio, das decisões altruístas que beneficiavam os outros, para a autopreservação. A situação é tal que não há nada que possamos fazer a respeito. O livre arbítrio ainda está sob o poder do pecado!

3. Deus Conosco
Se o livre arbítrio é a ferramenta para atualizar meu egoísmo e minha corrupção, então não é livre coisa nenhuma, e a questão de sermos responsáveis por nossos atos não foi resolvida. Como saímos desse dilema? “Graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor!” (Romanos 7:25). Após a queda, o Filho de Deus não nos abandonou (Apocalipse 13:8). Desde aquele momento Deus está trabalhando no coração humano, convidando cada indivíduo para a verdadeira liberdade do poder do pecado. Por meio do trabalho do Espírito, Deus tem criado nos corações humanos o desejo e a disposição de escolher o bem. Essa graça divina invade o planeta, toma a iniciativa, alcança cada indivíduo (João 1:9), e desperta o livre arbítrio, capacitando os seres humanos a escolher a Cristo ou a continuarem sendo escravos do pecado, que é sua tendência natural. Esse silencioso trabalho do Espírito faz-nos responsáveis por nossas decisões.

Verdadeira liberdade há somente em Cristo.

Ángel Manuel Rodríguez (via Revista Adventist World)
 
"A capacidade de discernir entre o que é reto e o que não o é, podemos possuí-la unicamente pela confiança individual em Deus. Cada um deve aprender por si, com auxílio dEle, mediante a Sua Palavra. A nossa capacidade de raciocinar foi-nos dada para que a usássemos, e Deus quer que seja exercitada. Confiando nEle, podemos ter sabedoria para rejeitar o mal e escolher o bem" (Ellen G. White - Educação, p. 231).

quarta-feira, 13 de julho de 2022

CULTURA DO ÓDIO

Se tem algo que precisa ser observado com atenção pela sociedade é a explosão da violência e as motivações para esse grave contexto social. Há um sentimento em curso capaz de enfraquecer os esforços pela cultura de paz. O ódio parece despontar como sentimento dominante, e basta participar das redes e mídias sociais para chegar a esta conclusão. Da política a cultura, do comportamento a ciência, da educação a religião, não resta dúvida: o ódio prevaleceu.

Uma reflexão pertinente sobre esse assunto foi feita pelo antropólogo e crítico literário francês René Girard, de quem li um ensaio que me sensibilizou – o livro “Eu via Satanás cair como um relâmpago” – em que ele faz uma leitura da violência a partir da antropologia bíblica. Segundo Girard, o homem está marcado por um desejo de imitação, ao qual se refere como desejo mimético, e por esse motivo está envolvido em um circuito de comparações e rivalidades com o outro. O caráter violento desse comportamento seria um fenômeno metaforicamente “oculto desde a fundação do mundo”, daí o fato de Caim ter usado de violência contra seu irmão Abel.

Para Girard, como o ser humano não sabe o que desejar, imita o que os outros desejam. Uma tese simples e de angustiantes consequências. Primeiro, descobrimos que não somos indivíduos autossuficientes como quer nos fazer crer a mídia e a cultura do consumo. Segundo, nossa inveja por um objeto, pessoa ou ideia do outro acarreta em conflitos que resultam em ódio capaz de levar a sacrifícios, como o assassinato de Abel. Por trás desse pensamento está a cultura do narcisismo contemporâneo, baseada na imitação de estereótipos variados que nos levam à busca pela felicidade permanente ou pelo corpo perfeito ou pela prosperidade fácil ou pela celebridade instantânea. As pressões que resultam daí explicam o crescimento de ansiedades, depressões, suicídios, violências recorrentes manifestadas por meio do ódio político, religioso, ideológico, sexual, social e racial.

A igreja precisa ser o contraponto a essa explosão de sentimentos ruins que se manifesta em forma de ódio físico e virtual extremo, contra o semelhante ou contra instituições. É um esforço que precisa ser institucional e pessoal. Existem formas de levar esta ideia adiante. Basta as igrejas dedicarem tempo a criar uma cultura de paz, no bairro onde estão inseridas, com representantes participando ativamente do debate com governos e sociedades e com fiéis evitando a cultura de ódio que prolifera nas redes sociais.

Essa é a grande responsabilidade do cristianismo, inspirar os cristãos a não incorrerem neste mapa de ódio, mas apregoar o amor pelo outro, subverter as cadeias da violência, oferecer a outra face como um ato de contracultura e demonstrar a pessoas esmagadas por opressões diversas que é possível, sim, viver em paz e com esperança. Segundo a escritora americana Ellen G. White, as manifestações de ódio provocadas “pelos muros de preconceito ruirão por si mesmos, como aconteceu com os muros de Jericó, quando os cristãos obedecerem à Palavra de Deus, a qual recomenda que tenham supremo amor a seu Criador e amor imparcial ao próximo” (Review and Herald, 17 de dezembro de 1895).

Segue abaixo mais alguns conselhos de Ellen G. White encontrados na Meditação Matinal - Nossa Alta Vocação (p. 231) e no livro O Lar Adventista (p. 437) para que possamos evitar a cultura do ódio:

1. Cumpre submetermos um temperamento impulsivo, e dominar nossas palavras; e a esse respeito conseguiremos grandes vitórias. A menos que controlemos nossas palavras e nosso temperamento, somos escravos de Satanás. Achamo-nos sujeitos a ele. Ele nos leva cativos. Todas as palavras de altercação, palavras desagradáveis, impacientes, irritadas, são uma oferta feita a sua satânica majestade. E é uma custosa oferta, mais custosa do que qualquer sacrifício que possamos fazer a Deus; pois ela destrói a paz e a felicidade de famílias inteiras, destrói a saúde, e é afinal causa de perder-se uma vida eterna de felicidade.

2. Como Satanás exulta quando é capaz de pôr a alma no máximo calor da ira! Um relance de olhos, um gesto, uma entonação, podem ser apanhados e empregados, como a seta de Satanás, para ferir e envenenar o coração aberto para recebê-la. Dando a pessoa uma vez lugar ao espírito irado, fica tão intoxicada como aquele que levou o copo à boca.

3. Cristo trata a ira como homicídio. Palavras impetuosas são um cheiro de morte para morte. Aquele que as profere não está cooperando com Deus para salvar seus semelhantes. No Céu esse ímpio injuriar é posto na mesma lista do praguejar comum. Enquanto for acariciado o ódio no coração, não há aí um jota do amor de Deus.

4. Ao sentirdes surgir um espírito irado, apoderai-vos firmemente de Jesus Cristo pela fé. Não profirais uma palavra. O perigo jaz na emissão de uma só palavra quando estais irados, pois seguir-se-á uma sequência de frases impetuosas.

5. O homem que dá lugar à loucura proferindo palavras de paixão, dá um falso testemunho; pois nunca ele é justo. Exagera todo defeito que julga ver; é demasiado cego e irrazoável para se convencer de sua loucura. Transgride os mandamentos de Deus, e sua imaginação é pervertida pela inspiração de Satanás. Não sabe o que está fazendo. Cego e surdo, permite que Satanás tome o leme e o guie aonde lhe aprouver. Abre-se então a porta à malevolência, à inveja, e às ruins suspeitas, e a pobre vítima é desamparadamente levada. Há, porém, esperança enquanto duram as horas da graça, mediante a graça de nosso Senhor Jesus Cristo.

6. Não devemos nunca perder o controle sobre nós mesmos. Tenhamos sempre presente o Modelo perfeito. É pecado falar impacientemente, com irritação, ou sentir ira mesmo que não a expressemos. Devemos andar dignamente, dando uma justa representação de Cristo. O pronunciar uma palavra irada é como um seixo atritando outro: imediatamente promove sentimentos de raiva. Não sejais nunca um ouriço de castanheiro.

7. Procurai que dEle sejais achados imaculados e irrepreensíveis em paz” (2 Pedro 3:14). Esta é a norma pela qual todo cristão se deve esforçar, não em sua própria capacidade, mas pela graça que lhe é dada por Jesus Cristo. Lutemos pelo domínio sobre todo pecado, e sejamos capazes de controlar toda expressão impaciente, irritada.

terça-feira, 12 de julho de 2022

ACEPÇÃO DE PESSOAS

Certo vaqueiro sentiu o desejo de ir a uma igreja. Vestiu sua roupa de cowboy, entrou no templo e sentou-se na primeira fila de bancos. Em poucos segundos, todos os olhares se dirigiram para ele. Demonstrando intolerância e desagrado, algumas pessoas mudaram de lugar, deixando-o isolado. Ninguém o cumprimentou.

Terminada a reunião, o cowboy dirigiu-se, o mais rápido possível, ao estacionamento. Quando entrava no carro, o pastor se aproximou dele e disse: “Volte no próximo sábado. Mas ore a Deus pedindo que lhe mostre o tipo de roupa que você deve usar na igreja.”

No sábado seguinte, o vaqueiro retornou com a mesma roupa. Dessa vez, a reação dos membros foi pior do que na semana anterior. Quando o visitante indesejado saía do templo, o pastor lhe perguntou:

– Você orou como lhe sugeri?

– Orei.

– O que Deus lhe disse?

– Ele me falou que não sabia o tipo de roupa que eu devia usar porque nunca esteve nesta igreja.

A história fala por si só e nos relembra a seguinte advertência de Tiago:

“Meus irmãos, como crentes em nosso glorioso Senhor Jesus Cristo, não façam diferença entre as pessoas, tratando-as com parcialidade. Suponham que na reunião de vocês entre um homem com anel de ouro e roupas finas, e também entre um pobre com roupas velhas e sujas. Se vocês derem atenção especial ao homem que está vestido com roupas finas e disserem: ‘Aqui está um lugar apropriado para o senhor’, mas disserem ao pobre: ‘Você, fique em pé ali’, ou: ‘Sente-se no chão, junto ao estrado onde ponho os meus pés’, não estarão fazendo discriminação, fazendo julgamentos com critérios errados?” (Tg 2:1-4, NVI).

O vaqueiro deve ter ouvido um belo sermão naquele culto, mas a atitude dos frequentadores do templo não combinava com a mensagem do pregador. A roupa daqueles “cristãos” podia estar de acordo com as normas e regras da igreja, mas o coração deles não estava revestido da justiça de Cristo.

Toda atitude exclusivista destoa da atmosfera que deve reinar no ambiente da igreja. A acepção de pessoas é filha do preconceito, que “tem mais raízes do que os princípios”, de acordo com Maquiavel.

Ainda existem raízes de preconceito em nossos relacionamentos. Em quase todos os níveis da igreja, há pessoas exclusivistas e preconceituosas. Por essa razão, nossa influência sobre os de fora não é tão forte quanto deveria.

Algumas pessoas são “excluídas” da música, da liderança e das atividades da igreja. O lobby das “panelinhas” é poderoso, mas sabemos que ele é fruto de orgulho e inveja. Ele inibe talentos, sufoca vocações e afugenta os que gostariam de cooperar. E o pior: essa atitude escorraça pessoas que ainda não conhecem o amor de Deus.
 
Paulo chama nossa atenção quando lemos o que ele escreveu aos romanos em sua carta, no capítulo 15, verso 7: “Portanto, aceitem-se uns aos outros, da mesma forma que Cristo os aceitou, a fim de que vocês glorifiquem a Deus.” E diz também: "Porque, para com Deus, não há acepção de pessoas" (Romanos 2:11). A Bíblia diz em Atos 10:34: “Então Pedro, tomando a palavra, disse: Na verdade reconheço que Deus não faz acepção de pessoas.” 

Deus considera a todas as pessoas iguais, não importa a raça, condição social, cor de pele ou nacionalidade. Deus ama e deseja salvar todas as pessoas. Em Gálatas capítulo 3, verso 28, lemos: "Desse modo não existe diferença entre judeus e não-judeus, entre escravos e pessoas livres, entre homens e mulheres: todos vocês são um só por estarem unidos com Cristo Jesus."

Na verdade, Deus condena o favoritismo, pois isto vai contra ao Seu caráter e amor. A Bíblia diz em Malaquias 2:9: “Por isso também eu vos fiz desprezíveis, e indignos diante de todo o povo, visto que não guardastes os meus caminhos, mas fizestes acepção de pessoas na lei.” A discriminação religiosa é abominável a Deus. Para Ele, todos somos pecadores e carecemos da Sua graça.

"Portanto, sendo os filhos de Deus um em Cristo, como considera Jesus as classes, as distinções sociais, a separação do homem de seus semelhantes, por causa da cor, da raça, posição, riqueza, nascimento ou realizações? O segredo da unidade encontra-se na igualdade entre os crentes em Cristo. A razão de todas as divisões, discórdias e diferenças encontra-se na separação de Cristo. Cristo é o centro para o qual todos devem ser atraídos; pois quanto mais nos aproximamos do centro, tanto mais nos aproximaremos uns dos outros em sentimento, em simpatia, em amor, crescendo no caráter e imagem de Jesus. Para Deus não há acepção de pessoas"[1]

Jesus deixou belíssimos exemplos de inclusão. A mulher pecadora foi acolhida por Ele num momento extremamente delicado. Zaqueu teve a alegria de receber o Mestre em sua casa. A mulher que tinha fluxo de sangue não foi ignorada pelo Médico dos médicos. Jesus comeu com pecadores para atraí-los a Si.

Ellen White afirma que Jesus “procurava derribar as barreiras que separavam as diversas classes sociais, a fim de unir os homens como filhos de uma só família”[2]. “Não menosprezava ser humano algum, mas buscava aplicar o bálsamo de cura a toda e qualquer alma. Em qualquer companhia que estivesse, apresentava uma lição apropriada ao tempo e às circunstâncias. […] Buscava incutir esperança no mais rústico e menos prometedor dos homens, assegurando-lhes de que poderiam tornar-se irrepreensíveis e inofensivos, e adquirir caráter que deles faria filhos de Deus”[3].

Como igreja e como indivíduos, precisamos desenvolver uma atitude mais acolhedora. “Não deve haver nenhuma parcialidade, nem hipocrisia. Não deve haver favoritos, cujos pecados sejam considerados como menos pecaminosos que os dos outros”[4].

Graças a Deus, cresce entre nós o número de igrejas que praticam a inclusão cristã. Já outras precisam permitir que o amor de Cristo as transforme em centros de paz, acolhimento e ternura. Que essa transformação seja operada em mim e você, para que saibamos conviver fraternalmente com os que são “diferentes”!

"É impossível estar unido a Cristo e todavia ser desamorável para com outros, e esquecido de seus direitos. Muitos há que anseiam intensamente por amorosa compaixão. Deus deu a cada um de nós uma identidade particular, nossa própria, que não se pode dissolver na de outro; mas nossas características individuais serão muito menos preeminentes se na verdade pertencemos a Cristo e Sua vontade for a nossa"[5].

Referências
[1] Mensagens Escolhidas, vol. 1, p. 259
[2] O Desejado de Todas as Nações, p. 150
[3] Testemunhos Seletos, v. 3, p. 387
[4] Evangelismo, p. 369
[5] Mente, Caráter e Personalidade, vol. 1, p. 85

segunda-feira, 11 de julho de 2022

JEITO BÍBLICO DE DISCUTIR POLÍTICA

Teremos eleições este ano. A população brasileira já está, há um bom tempo, pensando sobre isso, escolhendo seu candidato, refletindo sobre as mudanças (ou não) que deseja para o nosso país. E nós, cristãos, não estamos de fora dessa situação: como cidadãos brasileiros, participamos do processo eleitoral, conversamos sobre política, gostamos de uns candidatos e não gostamos de outros. Até aí, tudo bem, faz parte. Porém, tenho visto – e, possivelmente, você também – debates entre cristãos sobre a política nacional serem realizados de maneira nada cristã. Isso me fez refletir sobre se existe um modo bíblico de discutir política, em especial, neste ano de fortes emoções eleitorais. Gostaria de refletir com você sobre essa questão. E, de saída, deixe-me frisar: esta não é uma reflexão política, mas sobre valores do evangelho e da nossa coerência em vivê-los quando pisamos no gelo fino de nossas paixões humanas.

Atualmente, poucos assuntos fazem cristãos se comportarem como se não fossem cristãos tanto quanto a política brasileira. A triste realidade é que existem pessoas cujas paixões por políticos, partidos e ideologias mostram ser maiores do que seu amor por Cristo e pelo próximo. São cristãos, frequentam cultos, leem a Bíblia, cantam louvores, postam versículos nas redes sociais e se parecem com qualquer outro cristão. Mas, isso, só até alguém incomodá-los em suas paixões políticas e ideológicas. Quando isso acontece, eles explodem em ataques e posicionamentos bastante carnais e mundanos. Ellen White adverte: “Não é empenhando-nos em polêmicas políticas, seja no púlpito ou fora dele, que agradamos a Deus" (Testemunhos para Ministros, p. 331).

O que está acontecendo com a Igreja? O que está acontecendo com os cristãos? Desde quando, o evangelho de Cristo nos dá carta branca para tratarmos de maneira depreciativa pessoas que discordam de nós em algumas questões da vida? O que, afinal, o evangelho nos ensina sobre o posicionamento correto em meio a discordâncias?

Meu irmão, minha irmã, nos próximos meses, você verá muitos debates político-eleitorais. Possivelmente, será atraído para participar de alguns, em especial nas redes sociais. Muita gente do seu círculo de relacionamentos se posicionará discordando de um monte de coisas em que você acredita. A questão é: o fato de ser um debate político lhe dá direito de colocar seu cristianismo de lado? O fato de alguém gostar daquele político ou daquele partido de que você não gosta lhe dá o direito de agir como um mundano, ofendendo, desmerecendo e desqualificando – e ir à igreja cantar, levantar as mãos e saudar com “a paz do Senhor” como se nada tivesse acontecido?

Creio que você sabe a resposta.

O fato de você votar em Bolsonaro, Lula, Ciro ou qualquer outro candidato não me dá o mínimo direito, aos olhos de Deus, para destratar você ou enxergar em você menos dignidade do que Deus lhe confere. Você segue sendo filho ou filha, criado à imagem e semelhança do Senhor. Quem sou eu para tratá-lo de modo ultrajante simplesmente porque você tem visões ideológicas ou políticas diferentes das minhas? Eu seria um louco se fizesse isso, à luz do evangelho. Jesus nos alertou:

“Vocês ouviram o que foi dito a seus antepassados: ‘Não mate. Se cometer homicídio, estará sujeito a julgamento’. Eu, porém, lhes digo que basta irar-se contra alguém para estar sujeito a julgamento. Quem xingar alguém de estúpido, corre o risco de ser levado ao tribunal. Quem chamar alguém de louco, corre o risco de ir para o inferno de fogo. Portanto, se você estiver apresentando uma oferta no altar do templo e se lembrar de que alguém tem algo contra você, deixe sua oferta ali no altar. Vá, reconcilie-se com a pessoa e então volte e apresente sua oferta. Quando você e seu adversário estiverem a caminho do tribunal, acertem logo suas diferenças. Do contrário, pode ser que o acusador o entregue ao juiz, e o juiz, a um oficial, e você seja lançado na prisão. Eu lhe digo a verdade: você não será solto enquanto não tiver pago até o último centavo” (Mt 5.21-26).

Não sei como você enxerga essas palavras de Jesus. Eu as enxergo com um monumental senso de temor e horror. São advertências gravíssimas, às quais multidões não dão nenhuma atenção. Acham legal e bonito Jesus ter dito isso, mas, na prática, basta alguém tocar no político ou no partido político de que são tietes para fazerem tudo ao contrário do que Jesus está dizendo aqui. Isso é grave – muito, muito grave. É um alerta que deveria nos lançar de joelhos, clamando por misericórdia, pelo nosso tão frequente pecado sem arrependimento nem confissão e, muito menos, abandono.

Você quer saber o jeito bíblico de discutir política em ano de eleição? É simples. Com amor. Com alegria. Com paz. Com paciência. Com amabilidade. Com bondade. Com fidelidade. Com mansidão. Com domínio próprio. Isto é, manifestando em nossas palavras e em nossos posicionamentos nas discussões sobre política as virtudes que o Espírito Santo manifesta naqueles que verdadeiramente são nascidos de novo pela graça da cruz e, por isso, se tornaram seu local especial de habitação. Se você vir um cristão participando de debates neste ano eleitoral sem manifestar essas virtudes, desconfie. Pois um verdadeiro Filho de Deus não porá de lado o fruto do Espírito porque alguém criticou seu candidato, seu partido ou a ideologia em que acredita. O evangelho está acima disso.

Essas eleições, aliás, são uma excelente ocasião para se testar a fidelidade de fé dos cristãos brasileiros. Vamos ver quem ama mais Lula do que Cristo. Quem ama mais Ciro do que o irmão da igreja. Quem ama mais Bolsonaro do que o amigo do facebook. Quem ama mais a direita ou a esquerda do que o próximo e, logo, o reino de Deus. Vamos ver quem sabe falar com mansidão para com todos, como Paulo nos orientou. Quem não deixa o sol se pôr sobre a própria ira. Quem é um pacificador e quem é um incitador. Quem ama o próximo como a si mesmo. Quem ama o inimigo, como Jesus ordenou. Será um ano de grandes revelações.

Se esta reflexão chegou até você, é porque Deus quer falar com você sobre isso. Não com seu vizinho: com você. Medite sobre como tem agido nos debates sobre política. Pense em como tem se comportado quando fazem piadas de seu candidato ou debocham do partido de que você gosta. Lembre-se de algo: no dia em que você der o passo derradeiro para fora desta vida, tudo isso ficará para trás. Mas o jeito como você se relacionou com o próximo nesta vida – inclusive o próximo que discorda de você e, até, o ofende – ecoará por toda a eternidade.

Finalizo com este pensamento de Ellen G. White: “Os que ocupam o lugar de educadores, de pastores, de colaboradores de Deus em qualquer sentido, não têm batalhas a travar no mundo político. Sua cidadania se acha nos Céus. O Senhor pede-lhes que permaneçam como um povo separado e peculiar. Ele não quer que haja cismas no corpo de crentes. Seu povo tem de possuir os elementos de reconciliação. É porventura sua obra fazer inimigos no mundo político? - Não, não! Eles têm de permanecer como súditos do reino de Cristo, levando a bandeira em que se acha inscrito: ‘Os mandamentos de Deus e a fé em Jesus’” (Fundamentos da Educação Cristã, pp. 478 e 479).

Texto adaptado de Maurício Zágari (via Apenas)

sexta-feira, 8 de julho de 2022

EXCREMENTO NA CARA

Malaquias é um livro surpreendente. Parte de uma coleção de doze livros denominada de Os Doze, ou Profetas Menores, encontramos nesse livro duras advertências de grande riqueza poética.

Da mesma maneira que em qualquer período da história, Malaquias testemunhou o exercício de uma liderança religiosa corrupta e egoísta. No final do capítulo 1 (versos 6-14), lemos palavras divinas de reprovação aos sacerdotes. Sua conduta não estava honrando o nome de Deus ao profanarem o altar oferecendo sacrifícios inadequados. De acordo com o texto, enquanto em outras nações o nome de Deus era honrado, em Israel, os sacerdotes ouviam de Deus: “Não tenho prazer em vós” (verso 10).

A crítica divina no livro de Malaquias alcança seu ápice no início do capítulo 2 por meio de palavras dirigidas ao sacerdócio de Israel que chegam a ser desconcertantes. Em Malaquias 2:3 lemos: “Eis que reprovarei a descendência, atirarei excremento ao vosso rosto, excremento dos vossos sacrifícios, e para junto deste sereis levados.”

O tema do abjeto e do desprezível há muito tem sido estudado por inúmeros estudiosos de diversos campos do conhecimento. Por exemplo, no livro Powers of Horror: an essay on Abjection, a filósofa e psicanalista Julia Kristeva observa[1]: “contrário ao que entra pela boca e nutre, o que sai do corpo, através de seus poros e aberturas […], dá origem à abjeção.” Segundo ela, ao permanentemente expelir seus dejetos, o corpo paga o preço para se tornar limpo e puro fisicamente. 

Contudo, a referência ao excremento na face dos sacerdotes em Malaquias indica mais do que a demonstração da impureza física associada ao corpo. Aqui lemos uma expressão metafórica que ilustra a inadequação dos lideres religiosos para servir no altar de Deus.

Curioso é que a palavra פֶּרֶשׁ [pereš; “entranhas”; “excremento”], enfatizada aqui por sua repetição, pode se referir tanto aos resíduos corporais como às entranhas que poluíam a área próxima a onde os animais eram sacrificados. Em outras instâncias, o termo é empregado para as entranhas do novilho oferecido na consagração de Arão e seus filhos ao sacerdócio. Para assegurar a pureza do sacrifício, deveriam ser retiradas as vísceras dos animais antes de serem trazidos ao altar[2]. As entranhas do animal deveriam ser levadas para fora do acampamento, pois eram consideradas impuras. Se permanecessem no acampamento, contaminariam o lugar de habitação de Deus com seu povo[3]. De acordo com Êxodo 29:14 e Levítico 8:17, o excremento, a pele, e outras partes deveriam ser queimados fora do arraial.

A declaração em Malaquias emprega uma das imagens mais chocantes de impureza ritual para transmitir a falha dos sacerdotes em honrar a Deus adequadamente através de suas atividades no templo. Aqueles que deveriam ser os primeiros a prezar pela pureza associada às tarefas do templo, tornar-se-iam impuros através da ação divinas de atiramento de excremento.

A declaração final do profeta indica que Deus carregaria os sacerdotes com o excremento para fora do acampamento da mesma maneira que os sacerdotes deveriam carregar as entranhas dos animais do sacrifício para fora do arraial. Ironicamente, por não cuidarem com a pureza do templo contaminando-o com a imundície dos sacrifícios, eles seriam tratados como as próprias impurezas.

A tarefa de separar o imundo do puro dentre aqueles que se dizem honrar o nome de Deus como líderes religiosos é divina, e não humana. A nós resta o cuidado em, particularmente, honrar o nome de Deus. Desse modo, nossa face será coberta de nenhuma outra coisa a não ser de pureza.


[1] 1982, p. 108
[2] ver: Êxodo 29:14; Levítico 4:11; 8:17; 16:27; Números 19:5
[3] ver: Levítico 10:4-5; 13:46; 24:14; Números 5:3; Deuteronômio 23:10

Nota: Comentário de Rosana Barros no RPSP: "Diante da realidade de uma igreja morna e sem noção de sua condição reprovável, Deus apresenta a principal causa de tamanho mal: uma liderança desprezível e indigna (Ml 2:9), desobediente às instruções divinas. Em seus corações não havia o sincero desejo de honrar o nome de Deus, mas de conquistar o apreço daqueles que poderiam satisfazer os seus próprios interesses. Contudo, tudo aquilo que recebiam julgando ser bênção, Deus tornaria em maldição. E não poderia haver linguagem mais forte e maneira mais clara de discernir a reprovação de Deus para com os sacerdotes do que a verbalização de tais palavras: 'atirarei excremento ao vosso rosto, excremento dos vossos sacrifícios, e para junto deste sereis levados' (Ml 2:3)."

quinta-feira, 7 de julho de 2022

NOVO HINÁRIO

Quando a Associação Geral publicou o primeiro hinário oficial da Igreja Adventista, em 1869, muitos dos hinos ali selecionados eram conhecidos das reuniões evangelísticas e cultos. Aquele hinário possuía algumas características peculiares:

  1. Tratava-se de uma compilação de cânticos que estiveram presentes em coletâneas e hinários anteriores à organização institucional da Igreja Adventista do Sétimo Dia, como nas coletâneas editadas por Tiago White.
  2. Quase a totalidade do repertório vinha de hinários de outras igrejas protestantes. Alguns daqueles hinos são cantados ainda hoje, como “Rocha Eterna”, “Oh Que Amigo em Cristo Temos” e “Foi na Cruz”.
  3. O repertório, selecionado por Urias Smith e Tiago White, trazia cânticos separados por seções como Bíblia, Sábado, Batismo, Ceia do Senhor, Funeral, Segundo Advento, Juízo, Devoção Familiar, etc.

Essas três características – compilação de cânticos conhecidos, abertura a cânticos de outras denominações evangélicas e seções temáticas – também estão presentes no novo hinário adventista.

Vários hinos tradicionais amados pelas congregações continuam no repertório e somam-se a cânticos mais recentes, alguns bem conhecidos na voz de grupos como Arautos do Rei e Novo Tom, e outros já gravados nos CDs Jovens nos anos 1990 e 2000. Isso não é uma novidade, pois o Hinário Adventistdo Sétimo Dia lançado em 1996 incluiu cânticos que haviam sido parte do repertório de grupos vocais como Prisma e Arautos do Rei, e outros que estavam presentes nas coletâneas jovens dos anos 1970, como “Lado a Lado”, “Deus é Tão Bom” e “Caminhando”.

Curiosamente, ao serem integrados ao hinário oficial da igreja, esses cânticos, chamados antigamente de “corinhos”, passaram a ser “hinos”. É interessante ver como a passagem do tempo e o selo institucional atuam no processo de sacralização ou, no mínimo, de consagração das músicas. O que era chamado de “corinho”, ou seja, um cântico inferior, supostamente passageiro, a que nem sempre se dava a chancela de sacro, passou a ser visto como um hino honorável, respeitável, e, 30 anos depois, até tradicional.

Nessa perspectiva, podemos prever que os cânticos provindos dos CDs jovens e infantis incluídos no novo hinário estarão em breve revestidos de uma sacralidade que nem sempre lhes foi concedida desde que foram lançados há 5, 10, 20 anos.

A terceira característica comum aos hinários dos pioneiros do adventismo e ao novo hinário é o objetivo de ressaltar a identidade doutrinária da igreja. Essa prática não é uma invenção adventista, visto que Martinho Lutero, juntamente com outros músicos e teólogos da Reforma Protestante, fazia da música uma ferramenta pedagógica capaz de instruir os novos crentes a respeito de temas caros à Reforma, como a preeminência da Bíblia, o papel mediador de Cristo, a graça redentora e a salvação por meio da fé.

Os fundadores da Igreja Adventista do Sétimo Dia também acreditavam na força educativa dos cânticos. Por isso, seus hinários apresentavam um índice temático em que os hinos selecionados incorporavam a interpretação bíblica distintiva que ressaltava o sábado, o segundo advento e o juízo, mas também reunia doutrinas comuns a outras igrejas evangélicas. Naquele tempo, para suprir a falta de músicas sobre o sábado e o segundo advento, os editores alteravam a letra (hymn) e preservavam a melodia (tune) conhecida. Não é por acaso que o primeiro hinário oficial adventista se chamava Hymns and Tunes For Those Who Keep God’s Commandments and Have the Faith in Jesus (Hinos e melodias para aqueles que guardam os mandamentos de Deus e têm a fé em Jesus, em tradução livre). Um título bastante revelador da percepção teológica da igreja, ainda que apresente certo senso de exclusividade, aliás, bastante característico de denominações evangélicas organizadas nos séculos 18 e 19.

A comissão responsável pela edição do novo hinário recebeu a tarefa de enfatizar as doutrinas por meio da música. De fato, essa estratégia pode ajudar não apenas na escolha de um hino adequado para determinada temática abordada em um sermão, como também serve de instrumento pedagógico da identidade teológica do adventismo. Vale lembrar que, embora o hinário tenha incorporado hinos sobre temas distintivos da teologia adventista, esses hinos ocupam uma pequena parte do repertório. Assim como nos hinários anteriores, o espaço mais amplo é concedido aos temas comuns do cristianismo.

Falei sobre aspectos históricos e temáticos do hinário, mas agora temos uma questão prática: num tempo de acesso facilitado a áudios e vídeos de novos grupos musicais e de diferentes comunidades evangélicas, o hinário não corre o risco de parecer algo antigo, e até obsoleto?

Vivemos em uma sociedade de produtos efêmeros, que perdem sua utilidade rapidamente. Na lógica de consumo contemporâneo, os bens culturais (como a música) se tornam mercadoria e acabam sendo tratados como os próprios aparelhos nos quais são ouvidos ou assistidos. Isto é, quando surge um novo modelo, o antigo é facilmente descartado. Rádios, TVs e toca-CDs se tornaram peças tradicionais diante da possibilidade de se ouvir e assistir o que se quer na tela dos smartphones. O avanço tecnológico tornou mais facilitada a gravação musical e a divulgação e circulação de música feita por cristãos. Isso gerou um cenário em que inúmeros grupos e cantores evangélicos disponibilizam semanalmente músicas e vídeos. Canções novas envelhecem rapidamente, seja pelo consumo e exibição midiática intensas que geram saturação ou pela simples adesão dos ouvintes a uma novidade musical recém-lançada.

Nessa perspectiva de troca incessante de repertório e de rápida saturação de uma música, principalmente entre as gerações que crescem nesse cenário musical-tecnológico-comercial, nenhum repertório cria raízes. Os diretores de música das igrejas têm acesso livre a novos cânticos, podem aprender uma nova música numa semana, ensiná-la à igreja no sábado e depois de 6 meses talvez ninguém mais esteja cantando essa música. As congregações podem se acostumar com esse processo de obsolescência musical. Em certo sentido, o novo hinário vem se contrapor a essa tendência da transitoriedade.

Sugiro então algumas formas de incentivar o uso do hinário. Obviamente, o hinário não é o livro musical de uso exclusivo dos adventistas. Aliás, nenhum hinário ou coletânea tirou de circulação outros cânticos. Mas podemos valorizá-lo pela nossa maneira de o enxergarmos:

  • O hinário pode ser visto como um modelo da música congregacional. A abordagem multitemática, a acessibilidade melódica, a justeza poética e a fundamentação teológica podem ser usadas em favor de um movimento de incentivo aos jovens compositores, rapazes e moças que ainda são estudantes de música e sonham em desempenhar um ministério musical na igreja. O hinário pode motivá-los a compor sobre temas variados com beleza poética, força teológica e melodia acessível à congregação.
  • O hinário é a Bíblia cantada. Os hinos selecionados conduzem a passagens e contextos bíblicos que servem de inspiração, conforto e comunhão. Geralmente, as músicas atuais de adoração são monotemáticas, tendo como tema predominante o louvor à grandeza de Deus. O hinário, até pelo fato de comportar muito mais músicas, é multitemático, aborda os mais variados temas e doutrinas, respondendo a um universo de situações vividas pelos fiéis no seu dia a dia. O uso do hinário nos cultos individuais e familiares sempre será um facilitador na transmissão e confirmação de princípios, crenças e valores espirituais, além de proporcionar a quem canta (crianças, jovens e adultos) a oportunidade de entoar um hino sobre temas nem sempre favorecidos em sermões ou gravações musicais.
  • O hinário é uma ponte entre o passado e o presente da igreja. Os pioneiros da igreja também cantaram músicas que estão no novo hinário. Em seu tempo de vida, eles vibravam com a graça, a salvação e o advento de Cristo quando entoavam esses mesmos hinos que hoje as congregações adventistas podem cantar. Essa percepção nos coloca no mesmo caminho que eles trilharam, nos lembra que continuamos no mesmo rumo, que carregamos a mesma chama. Também nos dá um senso de comunidade, de história, de expressão da mesma razão para agradecer e dar continuidade à jornada.

Pouco adianta ter um novo livro e novas músicas se, ao cantar, não tivermos a atitude sincera de adoração. Tal atitude não diz respeito aos sinais exteriores, como gestos físicos e volume de voz. Claro, o entusiasmo da fé pode levar as pessoas a cantar mais forte e com mais gestos. Mas o sentimento de gratidão e esperança não se revela somente na exterioridade. Deus vê além do gesto. Deus vê o coração de quem O adora em espírito e em verdade, em sinceridade de coração, com propósito de cultuar, com a mente renovada por Cristo.

Cantemos num novo hinário!

JOÊZER MENDONÇA, doutor em Musicologia (Unesp) com ênfase na relação entre teologia e música na história do adventismo, é professor na PUC-PR e autor dos livros Música e Religião na Era do Pop e O Som da Reforma: A Música no Tempo dos Primeiros Protestantes (via Revista Adventista).