"Quando as pessoas começaram a se espalhar pela terra e tiveram filhas, os filhos de Deus viram que essas mulheres eram muito bonitas. Então escolheram as que eles quiseram e casaram com elas. [...] Havia gigantes na terra naquele tempo e também depois, quando os filhos de Deus tiveram relações com as filhas dos homens e estas lhes deram filhos. Esses gigantes foram os heróis dos tempos antigos, homens famosos" (Gênesis 6:1-4).
A expressão “filhas dos homens” é o feminino de “filhos dos homens”, termo que aparece ao longo do Antigo Testamento sempre em referência a seres humanos, sejam eles ímpios ou justos (Gn 11:5; Sl 21:10; 36:7; 90:3; 107:8, 21, 31; 145:12; Pv 8:4; Ec 3:10, 21). No entanto, essas “filhas dos homens” deveriam ser descrentes em Deus, descendentes de Caim (Comentário Bíblico Adventista, v. 1, p. 237, 238), visto que o casamento delas com os “filhos de Deus” é relatado como algo negativo, que contribuiu para a corrupção dos seres humanos e seu consequente aniquilamento pelas águas do dilúvio. Afirma Ellen G. White: Os casamentos profanos dos filhos de Deus com as filhas dos homens deram em resultado a apostasia que terminou com a destruição do mundo pelo dilúvio" (Testemunhos para a Igreja 5, p. 93).
Mas o que dizer da expressão “filhos de Deus”? Antigos comentaristas judeus, além dos chamados pais da igreja e muitos expositores modernos, interpretam esses “filhos” como sendo anjos, comparando-os com os “filhos de Deus”, mencionados em Jó 1:6, 2:1 e 38:7. Esse ponto de vista deve ser rejeitado porque a punição que logo sobreviria era pelos pecados dos seres humanos (ver v. 3) e não dos anjos. Além disso, segundo Mateus 22:30, anjos não se casam (Comentário Bíblico Adventista, v. 1, p. 237, 238).
Assim, uma vez que os “filhos de Deus” se casaram, então essa expressão deve excluir os anjos, mas deve se referir aos homens da linhagem de Sete (Gn 4:25), sendo que, com o nascimento de seu filho Enos, “se começou a invocar o nome do Senhor” (4:26). É interessante ver como Deus considera os que lhe obedecem como seus filhos: “Filhos sois do Senhor, vosso Deus” (Dt 14:1), “Trazei meus filhos de longe e minhas filhas das extremidades da Terra” (Is 43:6), “Não temos nós todos o mesmo Pai? Não nos criou o mesmo Deus?” (Ml 2:10).
Esses descendentes de Sete, que “invocavam o nome do Senhor”, devem ser vistos como os “filhos de Deus”, que acabaram se casando com as “filhas dos homens”, descendentes de Caim, e os seres humanos se tornaram tão corrompidos e violentos que Deus teve que destruí-los no dilúvio. Diz Ellen G. White: "Os descendentes de Sete foram chamados filhos de Deus; os descendentes de Caim, filhos dos homens. Como os filhos de Deus se misturassem com os filhos dos homens, tornaram-se corruptos e, pela união em casamento com eles, perderam, mediante a influência de suas esposas, seu peculiar e santo caráter, e uniram-se com os filhos de Caim em sua idolatria. Muitos puseram de lado o temor de Deus e pisaram Seus mandamentos. Mas havia uns poucos que praticavam a justiça, que temiam e honravam o seu Criador. Noé e sua família estavam entre estes poucos justos" (História da Redenção, p. 62).
Quanto aos gigantes (nefilim) que havia na Terra (Gn 6:4), deve-se pensar primeiramente nos gigantes físicos, pessoas de alta estatura, mas também em gigantes intelectuais, como eram as pessoas antediluvianas. Lamentavelmente não foram gigantes espirituais. Como não usaram para o bem seus dotes físicos e mentais, acabaram se tornando gigantes na maldade (6:5), sendo afinal destruídos pelo dilúvio. Diz Ellen G. White: "Naqueles dias os seres humanos eram de grande estatura. Por regra geral, os antediluvianos estavam dotados de grande vigor físico e mental. Esses indivíduos, renomados por sua sabedoria e habilidade, persistentemente consagravam suas faculdades intelectuais e físicas para complacência de seu próprio orgulho e prazeres e na opressão de seus próximos" (Patriarcas e Profetas, pp. 67, 70, 78).
As lições que ficam do relato do casamento dos “filhos de Deus” com as “filhas dos homens” são: (1) que o “jugo desigual” é sempre danoso para o casamento e para os filhos que dele resultarem; por isso, ele é condenado pela Bíblia (2Co 6:14, 15); e (2) que a beleza física não é o fator mais importante na escolha do cônjuge. Os “filhos de Deus” viram “que as filhas dos homens eram formosas, tomaram para si [...] as que, entre todas, mais lhes agradaram” (Gn 6:2). Eles não levaram em conta o caráter dessas “filhas dos homens”. E o resultado foi a apostasia deles e de sua descendência.
Essas lições precisam ser aprendidas por todos, especialmente por aqueles que pretendem se casar. A história dos casamentos dos antediluvianos está na Bíblia como um alerta sobre a importância da fé e da piedade como características essenciais nos relacionamentos conjugais. Adverte Ellen G. White: "Pessoa alguma que tema a Deus, pode, sem perigo, ligar-se a outra que O não tema. 'Andarão dois juntos, se não estiverem de acordo?' (Amós 3:3). A felicidade e prosperidade da relação matrimonial dependem da unidade dos cônjuges; mas entre o crente e o incrédulo há uma diferença radical de gostos, inclinações e propósitos. Estão a servir dois senhores, entre os quais não pode haver acordo. Por mais puros e corretos que sejam os princípios de um, a influência de um companheiro ou companheira incrédula terá uma tendência para afastar de Deus. Mas o casamento de cristãos com ímpios é proibido na Bíblia. A instrução do Senhor é: 'Não vos prendais a um jugo desigual com os infiéis' (2 Coríntios 6:14)" (Patriarcas e Profetas, pp. 174, 175).
Ilustração: Norandino and Lucina Discovered by the Ogre do pintor Giovanni Lanfranco
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