quinta-feira, 30 de outubro de 2025

HALLOWEEN

Há algum problema para os cristãos em se envolverem no Halloween? A Bíblia apresenta alguma orientação relacionada a isso? Neste artigo, vamos examinar o que é o Halloween à luz da instrução de Paulo em 1 Coríntios 10:31: “Portanto, se vocês comem, ou bebem ou fazem qualquer outra coisa, façam tudo para glória de Deus.”

O Halloween está entre as datas mais celebradas em todo o mundo. Nicholas Rogers escreveu: “Na virada do milênio, o Halloween se tornou uma grande noite de festa para adultos. Sem dúvida, a mais importante, perdendo apenas para a véspera de Ano-Novo” (Halloween: From Pagan Ritual to Party Night [Oxford University Press, 2003], p. 6). Ele também levanta algumas questões sobre o Halloween: o que leva as pessoas a gastar tanto em fantasias e decorações? O Halloween é apenas uma diversão ou há mais coisas das quais mesmo aqueles que o comemoram podem não estar cientes? Como podemos entender a crescente popularidade do Halloween, não apenas entre as crianças, mas também entre os adultos?

VISÕES DIFERENTES
Alguns escritores veem o Halloween como uma forma de diversão, embora isso não fosse o caso nas gerações anteriores (ver, por exemplo, Alice K. Flanagan, Halloween [Compass Point Books, 2001], p. 24-28). Outros associam o Halloween ao paganismo e à bruxaria, o que cria sentimentos contraditórios sobre como se deve celebrar a data (John Ankerberg, John Weldon e Dillon Burroughs, The Facts on Halloween [Harvest House Publishers, 2008], p. 6). Como cristãos, devemos nos perguntar se a celebração do Halloween nos aproxima de Deus ou nos afasta Dele. Outra questão importante a considerar é se essa celebração cria uma atmosfera que acolhe o Espírito Santo para trabalhar na vida das pessoas. É louvável se divertir e socializar, mas nunca devemos desonrar o nosso Criador nem afastar o Espírito Santo ao nos envolvermos em atividades apenas para “diversão”.

Alguns que celebram o Halloween argumentam que isso afeta positivamente a saúde física e mental, aliviando o estresse e proporcionando descanso à mente. No entanto, do ponto de vista bíblico, o Halloween parece ser um evento que glorifica Satanás, seja de forma consciente ou inconsciente. Uma compreensão mais profunda e clara dessa festividade nos ajudará a entender por que, como filhos de Deus, devemos ficar longe dela.

ORIGENS
Ao que se sabe, o Halloween teve sua origem entre os celtas na antiga Grã-Bretanha e na Irlanda, com festivais realizados durante o outono para marcar o início do inverno. Esses povos adoravam o Sol, entre outros deuses, e se preocupavam com as estações com pouca incidência solar. Eles criaram diferentes teorias. Uma delas era que Samhain, o deus dos mortos, havia lutado e triunfado sobre o Sol, fazendo-o desaparecer. Eles viam o inverno como um sinal de que o Sol havia perdido a batalha e não tinha poder para brilhar. Além disso, os celtas acreditavam que, durante esse período, os mortos caminhariam pela terra sob o poder de Samhain. Foi uma época assustadora para os vivos, pois acreditavam que as almas dos mortos escolhiam aqueles que morreriam em seguida (Martin Hintz e Kate Hintz, Halloween: Why We Celebrate It the Way We Do [Capstone Press, 1998], p. 11-13).

Como achavam que sua vida estava em risco, os celtas buscavam proteção em seus sacerdotes, os druidas, a quem atribuíam poderes mágicos para lutar contra Samhain. Para espantar os mortos, eles acendiam grandes fogueiras e incentivavam as pessoas a usar fantasias assustadoras. Também usavam máscaras fantasmagóricas para evitar serem reconhecidos e, assim, não serem escolhidos como os próximos a morrer.

Quando os romanos conquistaram e governaram os celtas, adaptaram o Halloween e o transformaram em um dia santo dedicado aos mortos. Mais tarde, a tradição católica adotou o dia 1º de novembro para homenagear “santos” falecidos. Dessa forma, o Halloween passou a ser comemorado na noite anterior ao Dia de Todos os Santos.

A BÍBLIA E O HALLOWEEN
Embora a Bíblia não aborde diretamente a questão da celebração do Halloween, ela oferece princípios que nos guiarão, a fim de que tudo o que façamos agrade a Deus. Com base na origem e na história do Halloween, fica claro que essa celebração não nos aproxima de Deus. Em vez disso, trata-se mais de paganismo e de práticas contrárias aos ensinamentos bíblicos, como a crença na imortalidade da alma. A Bíblia ensina claramente que os mortos nada sabem (Ec 9:5).

Os que creem nas Escrituras devem ter cuidado para não participar de qualquer celebração que tenha origens malignas ou satânicas. Participar dessas atividades significa adorar o diabo indiretamente, em vez de Deus, o Criador (Sl 24:1).

A Palavra do Senhor nos admoesta: “E não sejam cúmplices nas obras infrutíferas das trevas; pelo contrário, tratem de reprová-las” (Ef 5:11). Somos ainda instruídos: “Vocês não podem beber o cálice do Senhor e o cálice dos demônios; não podem ser participantes da mesa do Senhor e da mesa dos demônios” (1Co 10:21).

Saber que o Halloween, com as suas origens pagãs, não glorifica a Deus deveria servir de alerta para que os cristãos evitem qualquer tipo de envolvimento nas celebrações dessa data. As crianças devem ser bem orientadas para não encontrar alegria e felicidade nas coisas do diabo. É perigoso desfrutar qualquer coisa que promova a adoração ao inimigo, direta ou indiretamente. Somente Deus merece nossa honra e adoração. Acima de tudo, qualquer tipo de celebração ou atividade condenada pela Palavra de Deus não deve ter lugar na vida do cristão.

Embora muitas pessoas possam não acreditar na existência do diabo e das forças do mal, a Bíblia nos diz que devemos ter cuidado, pois existem principados e potestades malignos neste mundo (Ef 6:12). De Gênesis a Apocalipse, somos confrontados com a grande luta entre a luz e as trevas, entre Cristo e Satanás (Gn 3; Jó 1:6-11; Mt 8:28-32; Ap 12:3-9). As coisas que fazemos todos os dias determinam de que lado estamos.

CONCLUSÃO
A história e a origem do Halloween revelam que essa celebração não está enraizada na Palavra de Deus. Ela é de origem pagã e está rodeada de práticas ocultas, um fato que parece ter sido esquecido e frequentemente menosprezado. Na sua avaliação do Halloween, o teólogo Gerhard Pfandl, em um artigo publicado na Adventist Review, observou que muitas pessoas não acreditam mais na existência do diabo e dos demônios. Elas acham que não há mal algum em participar das atividades divertidas dessas “relíquias religiosas do passado”. Ele observou que “as crianças aprendem que não existem seres como bruxas e espíritos malignos e que é divertido vestir-se como fantasmas ou duendes”. Pfandl acrescentou que “a negação moderna da existência de Satanás e de forças demoníacas é claramente contrária às Escrituras” e advertiu: “A participação nos costumes do Halloween pode parecer uma diversão inocente para crianças e adultos, mas é mais uma forma de Satanás enganar as pessoas, fazendo-as pensar que não há mal algum em brincar um pouco com o mundo dos espíritos e demônios” (saiba mais clicando aqui).

Se houve um tempo em que precisávamos levar essa instrução a sério, esse tempo é hoje. Ellen White afirmou: “Há muitos que recuam horrorizados diante do pensamento de consultar médiuns espíritas, mas são atraídos por formas mais agradáveis de espiritismo” (Evangelismo [CPB, 2023], p. 419). O diabo tem muitas maneiras de fazer com que as coisas más pareçam tão atraentes que qualquer um possa facilmente ser seduzido. Contudo, como filhos de Deus que desejam fazer a Sua vontade e viver em harmonia com Ele, precisamos testar tudo à luz da Bíblia. Devemos estar atentos a costumes como o Halloween. Nossa melhor maneira de agir é deixar a Palavra continuar sendo uma lâmpada para nossos pés e uma luz para nosso caminho (Sl 119:105).

Numa época em que as práticas demoníacas, a feitiçaria e o ocultismo se tornaram tão evidentes, precisamos relembrar o conselho de Deus: “Que não exista entre vocês ninguém que queime o seu filho ou a sua filha em sacrifício, nem que seja adivinho, prognosticador, agoureiro, feiticeiro, encantador, necromante, praticante de magia, ou alguém que consulte os mortos, pois todo aquele que faz tal coisa é abominação ao Senhor; e por estas abominações o Senhor, o Deus de vocês, está expulsando esses povos de diante de vocês” (Dt 18:10-12). 

Dan Namanya (via Revista Adventista)

Nota: Este artigo foi publicado originalmente na revista Diálogo, v. 35, no 2 (2023).

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

A VIOLÊNCIA ESTÁ COM OS DIAS CONTADOS

O sangue e a crueldade todos os dias são estampados nos jornais do mundo todo. Mas a notícia sobre uma megaoperação realizada ontem pela Polícia Civil no Rio de Janeiro, alvo de uma "zona de guerra", dominou as atenções de todo o país.

A ação ocorreu nos Complexos do Alemão e da Penha, na zona norte da cidade, com objetivo de frear avanços territoriais do CV (Comando Vermelho) e prender lideranças criminosas. Segundo o Governo do Estado do Rio de Janeiro, 81 suspeitos foram presos, também foram apreendidos cerca de 93 fuzis e mais de meia tonelada de drogas na "Operação Contenção". 121 pessoas morreram, sendo 4 policiais.

É difícil dizer se houve, em algum momento da história, uma indiferença e crueldade tão imensuravelmente maior contra a vida. O que sabemos é que, pelas notícias diárias de criminalidade, nada mais parece chocar, assustar, assombrar, surpreender ou aterrorizar a sociedade de uma maneira tão impactante, marcante e perturbadora. Vejamos o que Ellen G. White diz: "Satanás está empregando todos os meios para tornar populares o crime e o vício aviltante. A mente é educada de maneira a familiarizar-se com o pecado. A conduta seguida pelos que são baixos e vis é posta perante o povo nos jornais do dia, e tudo que pode provocar a paixão é trazido perante eles em histórias excitantes. Ouvem e leem tanto acerca de crimes aviltantes que a consciência, que já fora delicada, e que teria recuado com horror de tais cenas, se torna endurecida, e ocupam-se com tais coisas com ávido interesse" (Patriarcas e Profetas, p. 336).

Parece estranho, mas o que fica evidente é que um surto de espanto e pavor de ontem não é muito diferente do surto de hoje e, claro, não será diferente do surto de amanhã. A diferença mesmo está na intensidade, pois na medida em que o tempo passa, a selvageria, desumanidade, truculência e improbidade se tornam maiores, intensas e, infelizmente, cada vez mais comuns. Ellen G. White afirma: "Os relatos de homicídios e crimes de toda a espécie chegam até nós diariamente. A iniquidade está-se tornando uma coisa tão comum que não ofende mais as suscetibilidades como em tempos passados" (Eventos Finais, p. 23).

O que desejo dizer é que nos assustamos não tanto mais pela hediondez do crime, mas pela onda ou intensidade em que essas coisas têm se tornado corriqueiras. Paulo, o Apóstolo, ao contemplar o futuro, não observou nada diferente quanto à realidade da natureza moral e racional do que vemos hoje. Não fomos pegos de surpresa porque a Palavra de Deus já havia nos alertado do aumento da maldade humana. O apóstolo afirmou o que “os homens maus e impostores irão de mal a pior, enganando e sendo enganados” (2 Timóteo 3:13).

Esta tônica da profecia de Paulo é desconcertante e temerosa, pois, segundo sua perspectiva, melhor dizendo, segundo a perspectiva de Deus, no mundo não haverá dias melhores. Jesus também não foi otimista quando, ao descrever os dias finais da história, com ênfase em Sua segunda vinda, retratou o mundo como se parecendo com os dias de Noé (Lucas 17). Naqueles dias, o pecado mais agravante, além de outros, era a violência em todo seu viés. O mesmo juízo que recaiu sobre a geração de Noé será o mesmo juízo que recairá sobre o mundo impenitente de hoje. Deus intervirá hoje como interveio no passado. A qualquer momento Ele fará a Sua visitação extraordinária. Ellen G. White alerta: "A perversidade e crueldade dos homens alcançarão tal altitude que Deus Se revelará em Sua majestade. Muito em breve a impiedade do mundo terá atingido seu limite e, como nos dias de Noé, Deus derramará os Seus juízos" (Olhando para o Alto, p. 372).

Não há dúvidas de que estamos todos chocados com o terror em cada esquina. A vida se tornou tão insignificante que muitos torturam e matam uma pessoa como se ela fosse um mero inseto. Amor, sentimento, dor, sofrimento humano ser tornaram profundamente banais para muitos. Mas, o que conforta é saber que a justiça honrará a todos os que foram humilhados e pisoteados pelo pecado. Uma certeza bem gratificante é que o mal, na agenda de Deus, está com data marcada para acabar.

Por mais que pareça tardia, a justiça de Deus não tarda e não falha. Na verdade, ela ocorre no tempo oportuno e certeiro. Viva confiante e com a certeza da providência divina. Olhe para sua sombra e contemple a presença do anjo do Senhor ao seu lado. Viva com os olhos no céu com a convicção da justiça de Deus.

Jamais deixe de orar antes de inserir os seus pés para fora de casa. Sempre peça a Deus que conserve ao seu lado a presença do anjo protetor. Lembre-se que todos os que confessam o nome de Deus e vivem ao Seu lado podem, mesmo em meio a tanta tribulação, viver na paz de espírito. Ele está atento a todas as desordens que tem trazido dor e medo e fará justiça por cada uma delas. Alegre-se, porque a nossa estadia nesta terra está chegando ao fim. Lembre-se: "Na grande obra de finalização, nos defrontaremos com perplexidades que não saberemos contornar, mas não nos esqueçamos de que as três grandes potestades do Céu estão atuando, que a divina mão está posta ao leme, e Deus fará cumprir os Seus desígnios" (Evangelismo, p. 65).

A Bíblia, em João 16:33, diz: “[…] No mundo, passais por aflições; mas tende bom ânimo; eu venci o mundo”. Foi exatamente por isso que Jesus veio ao nosso planeta para deixar dois pontos bem claros: podemos vencer o mundo, a despeito da aflição. E acrescenta: “Estas coisas vos tenho dito para que tenhais paz em mim”. Em meio a tanta dor e desespero, em Cristo, podemos encontrar paz.

Porém, nossa luta contra a falta de amor não durará para sempre. Nossa salvação está próxima, porque, quando Cristo morreu na cruz e ressuscitou, Ele nos deu a esperança de que a maldade está com os dias contados. Há um novo lar que Deus nos preparou no qual afirma: “E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram” (Apocalipse 21:4). Que esperança!

Essa promessa é repetida de forma similar nos versos de João 14:1-3: “Não se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fora, eu vo-lo teria dito. Pois vou preparar-vos lugar. E, quando eu for e vos preparar lugar, voltarei e vos receberei para mim mesmo, para que, onde eu estou, estejais vós também”.

Embora os governos não ofereçam segurança, Jesus lhe oferece a paz em meio à forte tempestade. Ainda, leia a maravilha dita pelo próprio Jesus em Sua Palavra, em 2 Tessalonicenses 3:3: “Todavia, o Senhor é fiel; ele vos confirmará e guardará do Maligno”.

O caminho para um mundo novo e sem violência, talvez você já o conheça, mas quem sabe o esqueceu: esse caminho é Jesus. João 14:6 afirma: “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida”. As profecias se cumprirão, para nosso bem, mas a esperança nos sustém e nós, como cristãos, somos chamados a semear o amor em um mundo carente desse substantivo abstrato.

Mateus 24:12 diz que “por se multiplicar a iniquidade, o amor se esfriará de quase todos”, mas no verso 13 encontramos outra fórmula atual: “Aquele, porém, que perseverar até o fim, esse será salvo”. Resumindo, somos chamados a perseverar em Cristo, nossa única esperança, e que nos prometeu um mundo novo e sem violência. Você pode acreditar.

terça-feira, 28 de outubro de 2025

DESASTRES NATURAIS SÃO CASTIGOS DIVINOS?

O furacão Melissa, de categoria 5, tocou o solo na Jamaica nesta terça-feira (28) como a "tempestade do século" e a pior da história do país. Com ventos de 295 km/h, chamados de "catastróficos" por meteorologistas, e pressão interna de 892 mb - a terceira maior já registrada - o Melissa chegou à Jamaica pelo noroeste do país. Melissa é caracterizado como "extremamente perigoso" e vai gerar consequências que ameaçam a vida, como inundações repentinas, com precipitação que deve ultrapassar 700 mm, e um aumento do nível do mar de até quatro metros em algumas partes da ilha. Melissa também deve tocar o solo no leste de Cuba ainda na noite de terça-feira como um furacão poderoso.

Diante de mais esta catástrofe iminente, questiona-se: Será que Deus está usando os recentes desastres naturais para castigar a humanidade?

Essa é uma pergunta difícil. Ela não pode ser respondida com uma simples citação bíblica. Ela requer um estudo cuidadoso da natureza de Deus, como Ele se relaciona como mundo natural, e a ligação entre humanos, pecado e natureza. Esses são grandes tópicos teológicos que sempre levam à diferentes opiniões entre estudiosos. Aqui estão alguns aspectos do tópico que parece estar claramente presente na Bíblia.

1. A Ligação Entre os Seres Humanos e a Natureza: Quando Deus fez os seres humanos à Sua imagem e deu a eles domínio sobre o mundo natural, Ele os separou do restante da criação como criaturas singulares (Gn 1:26, 27). Naquele momento, uma conexão íntima foi estabelecida entre a humanidade e a natureza. A criação foi colocada sob o domínio dos seres humanos; o destino da criação deveria ser determinado pelas escolhas e decisões da humanidade. Os seres humanos, como representantes de Deus, deveriam governar sobre a natureza como Deus pretendia. A ligação entre a natureza e a humanidade era tão profunda que comprometer a ordem moral dos seres humanos comprometeria a maneira em que o mundo funcionava.

Uma vez que o pecado entrou no mundo, tudo mudou (Rm 5:12). Por causa da rebeldia de Adão e Eva, o restante do mundo natural “foi submetido à futilidade” (Rm 8:20). Os seres humanos e a natureza agora crescem sob o fardo do mal e do pecado (versículo 22). Mas a conexão entre os seres humanos e a natureza também é eterna. A redenção da humanidade inclui a redenção do mundo natural. A natureza “há de ser liberta do cativeiro da corrupção” (Rm 8:21; cf. Is 65:25).

2. Deus como Criador, Sustentador e Preservador do Mundo Natural: A primeira coisa que a Bíblia nos diz sobre Deus é que Ele criou “os céus e a terra” (Gn 1:1). Tirando Deus, todas as coisas no universo foram categorizadas como “criadas”. Isso estabelece uma grande distância e distinção entre Deus e Sua criação que é salva apenas por meio do Seu amor e por intermédio de Seu Filho. 

A criação é por natureza, finita; apenas Deus é infinito. Portanto, Deus é o único que sustenta o mundo natural. Se o mundo natural fosse deixado de lado, ele se destruiria no caos e deixaria de existir. A natureza não possui vida em si mesma, por isso, ela não pode se preservar. Deus, por meio de Cristo, é quem a mantém inteira e protege (Ne 9:6; Cl 1:17). Deus não apenas sustenta a natureza; Ele também a preserva. A existência do mundo natural está ameaçada pela presença dos poderes do mal dentro da criação de Deus. Então, Deus luta contra as forças do caos, limitando suas incursões ao mundo natural, prometendo libertá-la da escravidão de sua decadência (Jó 38:8-11; Sl 107:29; Rm 8:21).

"Nos acidentes e calamidades no mar e em terra, nos grandes incêndios, nos violentos furacões e terríveis saraivadas, nas tempestades, inundações, ciclones, ressacas e terremotos, em toda parte e sob milhares de formas, Satanás está exercendo seu poder. Destrói a seara que está a amadurar, e seguem-se fome, angústia. Comunica ao ar infecção mortal, e milhares perecem pela pestilência. Estas visitações devem tornar-se mais e mais frequentes e desastrosas. A destruição será tanto sobre o homem como sobre os animais. 'A Terra pranteia e se murcha', 'enfraquecem os mais altos do povo. ... Na verdade a Terra está contaminada por causa dos seus moradores; porquanto transgridem as leis, mudam os estatutos, e quebram a aliança eterna' (Isaías 24:4, 5)" (Conselhos sobre Saúde, p. 461).

3. Deus, Desastres Naturais e o Pecado: Os desastres naturais são esperados em um mundo de pecado e de maldade. Eles não são a exceção da regra, eles são a regra. O que é incomum é que não há mais deles. A presença dos desastres naturais “ocasionais” nos diz que Deus ainda está no controle, sustentando e preservando a natureza.

“Quão frequentemente ouvimos de terremotos e furacões, de destruição pelo fogo e inundações, com grandes perdas de vidas e propriedades! Aparentemente essas calamidades são caprichosos desencadeamentos de forças da Natureza, desorganizadas e desgovernadas, inteiramente fora do controle do homem; mas em todas elas pode ler-se o propósito de Deus. Elas estão entre os instrumentos pelos quais Ele busca despertar a homens e mulheres para que sintam o perigo” (Profetas e Reis, p. 277).

Dito isso, o fato de que Deus se opõe às forças do mal no mundo natural não significa que a ligação entre a rebelião humana e o mundo natural foi totalmente quebrada. A Bíblia ensina que o pecado tem grande peso sobre o mundo natural, permitindo um aumento da invasão do mal nele (por exemplo, Gn 3:17, 18; Lv 18:25; Is 24:3-6; Jr 12:4). Os seres humanos, por meio da rebeldia e da indiferença para com Deus, podem expulsá-Lo de suas vidas e desestabilizar a ordem que Ele criou no mundo natural. Quando isso acontece, o poder mantenedor e de preservação de Deus é significativamente reduzido. Os seres humanos ao se distanciarem de Deus, também fortaleceram as garras do pecado sobre o mundo natural. O resultado é o caos e a desordem (por exemplo, Sl 104:29, 30). O aumento da rebeldia, apostasia e do pecado nos últimos dias resultará no aumento dos desastres naturais.

“Deus tem um propósito ao permitir que ocorram essas calamidades. Elas constituem um de Seus meios para chamar homens e mulheres à razão. Mediante atuações incomuns pela Natureza, Deus expressará a instrumentalidades humanas em dúvida o que Ele revela claramente em Sua Palavra” (Manuscript Releases, vol. 19, p. 279).

Mas há uma outra dimensão da interação entre Deus e os desastres naturais: Às vezes, Deus usa a natureza para aplicar Sua vontade sobre a humanidade. Quando isso acontece, Ele geralmente pretende limitar o pecado humano e abrir novas possibilidades para Suas criaturas (por exemplo, Gn 6:5-8; Am 4:6-11). A correta identificação desses casos particulares é muito difícil.

“Em incêndios, em inundações, em terremotos, na fúria das grandes profundezas, nas calamidades por mar e terra, é transmitida a advertência de que o Espírito de Deus não agirá para sempre com os homens” (Manuscript Releases, vol. 3, p. 315).

[Ángel Manuel Rodríguez via PA

Com inserção de textos de Ellen G. White feita pelo blog.

segunda-feira, 27 de outubro de 2025

GUERRA SANTA

O conceito bíblico de "guerra santa" não deve ser confundido com outras ideias de guerras religiosas ao longo da história. Movimentos que usaram o termo "guerra santa" para justificar violência, como as Cruzadas medievais, deturparam o conceito original. No contexto bíblico, especialmente no Antigo Testamento, a guerra santa é um tipo específico de conflito iniciado e sancionado por Deus para cumprir Seus propósitos divinos, muitas vezes envolvendo o povo de Israel.

Em contraste com as guerras imperialistas de engrandecimento próprio, tão comuns no mundo antigo (e em nosso mundo atual), as guerras de Israel não tinham o objetivo de alcançar glória para o povo, mas de estabelecer a justiça e a paz de Deus dentro daquele território. Portanto, no âmago do conceito de guerra santa está a ideia do governo e da soberania de Deus, que estão em jogo na figura do Senhor como Guerreiro, assim como de Rei ou de Juiz.

A guerra, com todas as suas sequelas aterrorizantes, nunca fez parte do plano de Deus para este mundo. Ele está trabalhando para restaurar a paz eterna em nosso mundo e no Universo. No entanto, para fazer isso, Ele precisa eliminar o mal de uma vez por todas, não apenas de uma forma poderosa, mas também de uma forma sábia.

Em seu comentário sobre Êxodo, Douglas K. Stuart oferece uma caracterização perspicaz da guerra divina no sentido bíblico. Esse tipo de guerra, geralmente expressa pelo verbo em hebraico haram, ou o substantivo herem, envolve a destruição da vida humana em larga escala e, às vezes, da propriedade e da vida animal. Devido à sua pertinência, reproduzimos abaixo a lista de Stuart com alguns ajustes (adaptado de Douglas K. Stuart, Exodus: The New American Commentary, [Nashville: Broadman & Holman, 2006], v. 2, p. 395-397).

1. No cenário singular do antigo Israel, não havia espaço para exércitos profissionais. As batalhas eram conduzidas por amadores e voluntários, em um contraste marcante com as forças militares profissionais da antiguidade e com as que conhecemos atualmente.

2. Os soldados não eram pagos. Eles obedeciam aos comandos de Deus no contexto da aliança e não deviam lutar por ganho pessoal. Em muitos casos, isso significava que eles eram proibidos de tomar despojos ou saquear.

3. A guerra divina ou santa poderia ser travada somente para a conquista ou defesa da Terra Prometida naquela conjunção histórica específica. Após a conquista, qualquer guerra de agressão foi estritamente proibida. Israel foi chamado para lutar pela Terra Prometida em um contexto geográfico e histórico específico. Uma vez que eles conquistaram a terra e consolidaram seu território, os israelitas não deviam expandir as fronteiras da Terra Prometida por meio da guerra. Deus não havia chamado Seu povo para se tornar um império militar expansionista.

4. O início da guerra santa, considerada um ato divino, estava exclusivamente sob a autoridade de Deus, sendo anunciado por meio de Seus profetas escolhidos, como Moisés e Josué. Isso destaca que a guerra nunca deveria ser fruto de uma iniciativa humana, mas o cumprimento de um dever sagrado.

5. O envolvimento de Deus na guerra santa exigia preparação espiritual, que incluía jejum, abstinência sexual ou outras formas de autonegação. A cerimônia da circuncisão (Js 5:1-9) e a celebração da Páscoa (Js 5:10-12), no contexto da renovação da aliança, foram parte dessa preparação.

6. Um israelita que infringisse qualquer uma das regras da guerra santa passava a ser considerado um inimigo. Como tal violação era punida com a morte, o transgressor se tornava um herem, isto é, alguém destinado à destruição.

7. Por fim, o envolvimento direto de Deus nas batalhas garantiu vitórias rápidas e decisivas no contexto da guerra santa conduzida com fidelidade. Exemplos disso incluem várias batalhas durante a conquista (Js 6:16-21; Js 10:1-15) e episódios em que Israel ou Judá, com a ajuda divina, defenderam seu território contra poderosas forças invasoras (2Sm 5:22-25). Em contraste, há relatos negativos em que a ausência do envolvimento de Deus resultou em derrotas, como quando Israel enfrentou os amalequitas sem a permissão divina e foi derrotado em Hormá (Nm 14:39-45), ou quando sucumbiu ao pequeno exército de Ai (Js 7:2-4).

Com o término da nação teocrática, a aplicação dessas regras deixou de ser viável, tornando a guerra santa obsoleta. Contudo, o discurso religioso continua sendo utilizado como justificativa para guerras até os dias atuais. À luz das Escrituras, esse uso constitui uma distorção do texto bíblico, o que deve nos tornar ainda mais críticos e criteriosos diante da retórica empregada para legitimar conflitos nos tempos modernos.

As regras presentes demonstram o caráter único da guerra divina na Bíblia. A prática da guerra por Israel reflete um ajustamento divino da condição humana. No entanto, em uma cultura na qual a guerra, a brutalidade e a violência eram a norma, aprendemos por meio dessas regras três aspectos essenciais da guerra santa que devem ser mantidos em mente quando leitores modernos lidam com essas passagens bíblicas desconcertantes: (a) a guerra foi limitada a situações específicas; (b) as guerras justas foram definidas por Deus, o único que conhece o coração humano e o futuro; e (c) a guerra, em última análise, representou um desvio da trajetória divina de paz.

[via CPB]

quinta-feira, 23 de outubro de 2025

A VERDADEIRA ELEGÂNCIA

Conhecida como a “Bonequinha de Luxo”, Audrey Hepburn (1929-1993) marcou gerações como uma das maiores atrizes de sua época. A elegância de Audrey não se limitava ao seu estilo atemporal, mas se manifestava também em sua bondade e trabalho humanitário com a UNICEF. Para ela, a beleza vinha de dentro, e sua dedicação a causas sociais elevou sua imagem a um símbolo de elegância por dentro e por fora. Ela acreditava que a beleza verdadeira vinha da bondade e da compaixão. Uma de suas frases mais famosas dizia: "Para ter lábios atraentes, diga palavras doces. Para ter olhos belos, procure ver o bem nas pessoas".

Sobrevivente da Segunda Guerra Mundial, ela mesma recebeu ajuda humanitária da UNICEF quando criança, após ter passado fome e dificuldades durante a ocupação alemã na Holanda. Essa vivência a motivou a retribuir a bondade que recebeu. 

Gosto de gente simples. Gente pé no chão. Gente que aprendeu que luxo não se trata de afetação, ostentação ou presunção. Gente que sabe que elegância não é esnobismo ou arrogância. Elegância é, antes de tudo, saber se comportar com uma simplicidade sofisticada e uma sabedoria discreta perante a vida. Em seu livro Elegância e Discrição (CPB 2025), a autora Erlinda Hasse Urel diz: “A elegância é sempre discreta e ela não existe sem a discrição. Ao sermos elegantes, mostramos que respeitamos e amamos a nós mesmos. Ao sermos discretos, mostramos que amamos o próximo como a nós mesmos. Ao observarmos todos esses cuidados em conjunto, mostramos que amamos a Deus acima de tudo. Revelamos que não queremos estar mais bonitos que o próximo nem brilhar mais do que Jesus” (p. 208, 209).

A estilista francesa Coco Chanel dizia: “A simplicidade é a chave da verdadeira elegância. Não é a aparência, é a essência. Não é o dinheiro, é a educação. Não é a roupa, é a classe”. Eu, igualmente, acredito que ser elegante vai muito além de conhecer e assimilar regras cerimoniais ou juntar dinheiro para comprar uma jóia cara. Ser elegante é adquirir um conjunto de bons hábitos que revelam uma civilidade harmoniosa por dentro e por fora. 

A elegância para Ellen G. White é caracterizada pela modéstia, simplicidade e uma beleza interior que transcende a ostentação exterior. Ela ensina que a verdadeira elegância não está nas roupas caras ou joias, mas na "graça, beleza, conveniência da simplicidade natural" e, principalmente, no "ornamento de um espírito manso e quieto", ou seja, em uma beleza que vem de dentro e se reflete em boas obras, como a bondade e a solicitude para com o próximo. E completa que "os filhos de Deus devem ser puros interior e exteriormente" (A Ciência do Bom Viver, p. 289). 

Ser elegante é aprender agir com cortesia, empatia, gentileza, cuidado, educação e discrição. É descobrir o quanto é vulgar lavar roupa suja em praça pública; cuspir no prato em que comeu; participar de fofocas e boca a boca; fazer discursos inflamados sobre política; assediar sem consentimento; criticar mais que elogiar; fazer diferença entre as pessoas; exagerar no tom de voz, na vontade de aparecer e na obscenidade. Ellen White nos advertiu dizendo que “em cada época, a maioria dos professos seguidores de Cristo tem desatendido àqueles preceitos que ordenam modéstia e simplicidade na conversação, no comportamento e no vestir" e que "o resultado tem sido o mesmo – abandono dos ensinos do evangelho, que conduz à adoção das modas, costumes e princípios do mundo” (Mensagem aos Jovens, p. 354).

Engana-se quem pensa que o contrário de luxo é a escassez de bens e recursos. Luxo é se despir de excessos. É descobrir que você não precisa exagerar na maquiagem, no brilho da roupa, no tom de voz, na quantidade de perfume, no filtro da selfie, na indiscrição. Luxo é conhecer seu lugar, não invadir a privacidade alheia, respeitar os limites (seus e dos outros), ser polido e refinado. Luxo é saber ser sofisticado na simplicidade, não desperdiçar, não esbanjar, não ostentar. Luxo é prestar atenção às próprias maneiras, e, na dúvida, agir com mais sobriedade que vulgaridade. Ellen White nos orienta dizendo que "a verdadeira cortesia não se aprende pela mera prática das regras da etiqueta, ela desconhece as classes sociais, ensina o respeito de si mesmo, respeito à dignidade do homem como homem, consideração por todo membro da grande fraternidade humana" (Educação, p. 240).

Pessoas elegantes não precisam impressionar ninguém, e por isso agradam a si mesmas em primeiro lugar. Não necessitam ostentar o último modelo de celular, não se incomodam em repetir vestidos, não competem pelo número de curtidas na última foto da viagem. Pessoas elegantes investem mais no brilho do olhar que na plástica das pálpebras, mais na naturalidade do sorriso que no preenchimento dos lábios, mais no caimento da vestimenta que na etiqueta famosa bordada na lapela. Quanto é bonito, fino, clássico, elegante e muito sofisticado adotar um estilo sóbrio, desprovido de exageros e despropósitos. É como diz o velho ditado: “menos é mais”. Ellen White disse que "neste século corrompido, tudo se perverte para servir à ostentação e aparência exterior" (Conselhos aos Professores, Pais e Estudantes, p. 270).

A elegância está no comportamento, e não na posse disso ou daquilo. Já vi muita gente desprovida de recursos ter gestos nobres, e muita gente endinheirada ser extremamente desagradável e mesquinha. Isso me dá a certeza que não se mede grandeza por riqueza nem elegância por aparência. Ellen White afirmou que "a simplicidade de caráter e a humildade de coração produzirão felicidade, ao passo que a presunção ocasionará descontentamento, murmuração e contínuas decepções" (Testemunhos Seletos 1, p. 403). 

Encerro com este lindo pensamento de Ellen White: 

"A verdadeira elegância não acha satisfação no adorno do corpo para ostentação. Existe um ornamento imperecível, o qual promoverá a felicidade de todos ao redor de nós nesta vida e fulgirá com brilho que não desmerece no futuro imortal. É o adorno de um espírito manso e humilde. Deus nos manda usar na alma o mais precioso vestido. Quão pouco valor têm o ouro, as pérolas ou custosa ostentação comparados à beleza de Cristo! A beleza natural consiste da simetria ou da harmoniosa proporção das partes, de uma para com outra; mas a beleza espiritual consiste na harmonia ou semelhança de nossa alma com Jesus. Isso tornará seu possuidor mais precioso que o ouro fino, mesmo o ouro de Ofir. A graça de Cristo é, de fato, adorno de incalculável preço. Eleva e enobrece seu possuidor, reflete raios de glória sobre outros, atraindo-os também para a fonte de luz e bênçãos" (Orientação da Criança, p. 277).

terça-feira, 21 de outubro de 2025

O DIA DA DECEPÇÃO - 181 ANOS

Era 1844. As folhas de carvalho silvestre espalhadas pelos ventos do outono indicavam a breve chegada de mais uma temporada de frio e neve no hemisfério norte. Elas também poderiam simbolizar uma mensagem que havia alcançado milhares de pessoas na América do Norte. Convictas da iminente volta de Cristo, anunciada por Guilherme Miller e diversos pregadores voluntários, elas aguardavam com entusiasmo o dia 22 de outubro, a gloriosa data em que teria fim a história do pecado e começaria uma existência de eterna alegria no reino dos céus.

Frustração
Quando o sol raiou em 23 de outubro, muitos mileritas descobriram que, em vez das mansões celestiais, o que encontrariam em pouco tempo seriam os rigores do inverno americano. O dia 22 de outubro tornou-se conhecido no calendário milerita como a data da Grande Decepção, ou Grande Desapontamento. Alguns continuaram crendo que o retorno de Cristo aconteceria ainda naquele mês ou naquele ano, ou até mesmo em uma data não muito distante. Mas a passagem do tempo desfez todas as esperanças marcadas com prazo de validade.

Depois desse período, Miller continuou crendo no breve retorno de Cristo, mas deixou as funções de pregador itinerante e voltou às atividades em sua propriedade rural em Low Hampton. Josué Himes, o grande propagandista milerita, tentou durante algum tempo manter a unidade do movimento e liderou a assistência aos seguidores que necessitavam de amparo material. Porém, passados alguns meses, os mileritas eram como um vaso partido em muitos fragmentos.

Em busca de resposta
Alguns abandonaram não apenas o movimento, mas também a fé cristã e a esperança em uma redenção futura. Entre os que permaneceram, impunha-se a pergunta: o que realmente havia acontecido em 22 de outubro de 1844? Se os cálculos proféticos estivessem corretos, onde estaria o erro?

Para importantes líderes do movimento milerita, como Himes, algum equívoco relacionado à interpretação do tempo de cumprimento das profecias tinha ocasionado o desapontamento. Outros passaram a crer que a data e o evento estavam corretos, mas haviam se cumprido “espiritualmente”. Cristo teria voltado para o coração dos crentes. Essa era uma das interpretações apontadas pelos espiritualizadores.

Em meio às mais diversas teorias, um grupo passou a analisar novamente a Bíblia, sugerindo que a natureza do evento profetizado talvez devesse ser mais bem compreendida. Josias Litch, um dos líderes mileritas, antes mesmo do desapontamento de 22 de outubro, já havia apresentado essa possibilidade.

O santuário celestial
Uma ramificação do movimento, bem pouco expressiva após o desapontamento, seguiu a trilha apontada por Litch: a profecia havia se cumprido; porém, para entender seu cumprimento, seria necessário estudar novamente o texto sagrado à luz do ministério da salvação desenvolvido no antigo tabernáculo israelita. Só assim seria possível compreender o texto-chave dos mileritas: “Até duas mil e trezentas tardes e manhã e o santuário será purificado” (Dn 8:14).

Para esse grupo, o significado das 2.300 tardes e manhãs estava bem claro, pois havia sido estudado exaustivamente naqueles últimos anos (veja o quadro). A questão era compreender o significado da purificação do santuário. Para Miller, seria a volta de Cristo à Terra. Porém, após buscar a Deus em oração, logo após o desapontamento, o milerita Hiram Edson vislumbrou outra interpretação enquanto caminhava por um milharal próximo à sua propriedade. Ele viu que, ao se completarem os 2.300 dias proféticos, Jesus Cristo adentrava ao lugar santíssimo do santuário celestial, onde teria uma obra a realizar antes de Seu retorno à Terra.

Ao estudar a Bíblia em companhia de amigos como Owen Crosier e Franklin Hahn, Edson uniu a visão à convicção vinda da Palavra de Deus. Com base no livro Millennial Fever and the End of the World, de George Knight, podemos considerar as principais conclusões às quais chegaram Edson e seus companheiros de estudo:

1. Há um santuário literal no Céu (Hb 8:1-5).

2. O santuário terrestre era uma representação visual do plano da salvação e um modelo do tabernáculo celestial (Êx 25:8; Hb 9:23).

3. Assim como o santuário israelita tinha um ministério realizado em duas fases, sendo a segunda delas o ritual do Dia da Expiação, o santuário celestial também tem duas fases. A primeira tem início no lugar santo, com a ascensão de Cristo ao Céu. A segunda é realizada no lugar santíssimo, começando em 22 de outubro de 1844, data profética que assinala o Dia da Expiação escatológico.

4. A primeira fase do ministério de Cristo diz respeito fundamentalmente ao perdão dos pecados. A segunda parte trata principalmente da extinção do pecado e da purificação do santuário e também dos crentes.

5. A purificação do santuário de Daniel 8:14 referia-se a uma limpeza do pecado realizada por meio do sangue de Cristo e não pelo fogo.

6. Cristo não retornará até que a obra de purificação do santuário celestial esteja completa.

Caminho iluminado
Ellen G. White e seu esposo, Tiago, estavam entre aqueles que abraçaram essas convicções e tiveram a experiência espiritual renovada após o período sombrio do desapontamento. Ele relata: “Muitos de nosso povo não reconhecem quão firmemente foram lançados os alicerces de nossa fé. Meu esposo, o pastor José Bates, […] o pastor [Hiram] Edson e outros que eram inteligentes, nobres e verdadeiros achavam-se entre os que, expirado o tempo em 1844, buscavam a verdade como a tesouros escondidos. Reunia-me com eles e estudávamos e orávamos fervorosamente. Muitas vezes ficávamos reunidos até alta noite, e às vezes a noite toda, pedindo luz e estudando a Palavra” (Cristo em Seu Santuário, p. 10).

Antes mesmo que a razão para o desapontamento fosse plenamente compreendida à luz da Bíblia e propagada, Deus havia concedido a Ellen G. White uma visão de encorajamento que deveria ser apresentada ao povo do advento. Nessa primeira de muitas visões, Ellen contemplou uma luz que brilhava no início de um caminho “reto e estreito” trilhado pelos que esperavam a segunda vinda. Um anjo identificou a luz como o “clamor da meia-noite”, termo que designa a intensa pregação milerita no verão e no outono de 1844, anunciando a volta de Cristo. O caminho era mais longo do que inicialmente se acreditava, mas Cristo conduzia Seu povo à cidade santa. Os que “negavam a existência da luz atrás deles” logo se consideravam em um caminho errado e caíam para o mundo “tenebroso e ímpio”. Mas os que valorizavam a luz disponível olhavam para Cristo e para a cidade e venciam.

Firme alicerce
Com base na revelação divina apresentada por meio de visões e confirmada com criterioso estudo do texto sagrado, esse pequeno grupo de crentes encontrou coragem e esperança em meio ao despontamento. Com os olhos abertos para a realidade bíblica do ministério de Cristo no santuário celestial tiveram a certeza de que Deus os estava guiando em meio às provações. “Eu sei que a questão do santuário se firma em justiça e verdade, tal como a temos mantido por tantos anos”, afirmou Ellen G. White (Cristo em Seu Santuário, p. 11).

Passados 170 anos da decepção experimentada pelos mileritas, a Igreja Adventista do Sétimo Dia é a mais destacada ramificação do antigo movimento. Enquanto outros grupos mileritas se extinguiram ou se tornaram irrelevantes, os adventistas alcançaram o globo com a mensagem do breve retorno de Cristo. A incessante busca pela revelação divina e pela correta compreensão da Palavra de Deus transformou uma aparente derrota em vitória. Porém, os triunfos dos pioneiros não podem degenerar-se em ufanismo triunfalista. A fidelidade às revelações divinas é o firme alicerce para aqueles que aguardam o encontro com Cristo. Referindo-se à mensagem sobre o santuário celestial, Ellen G. White afirmou: “Não devemos desviar-nos da plataforma da verdade em que fomos estabelecidos.”

Entenda como se chegou à data de 22 de outubro de 1844
Grande parte dos esforços de Guilherme Miller e seus seguidores foi dedicada a desvendar o significado da passagem de Daniel 8:14: “Até duas mil e trezentas tardes e manhãs e o santuário será purificado.” Veja a seguir alguns passos que ligam a profecia de Daniel à data anunciada pelos mileritas e atualmente aceita pelos adventistas do sétimo dia:

- Usando o princípio de interpretação profética dia-ano (Nm 14:34; Ez 4:4-7), é possível concluir que a profecia trata de um longo período de 2.300 anos.

- Para descobrir o tempo de seu cumprimento, é necessário encontrar a data que teria dado início à contagem profética. Conectando a passagem de Daniel 9:24-25 ao texto encontrado em 8:14, identifica-se a ordem para restaurar e edificar Jerusalém, após o cativeiro babilônico, como o evento inaugural da profecia.

- Em Esdras 7:7-9 encontra-se a referência temporal à ordem do rei persa Atarxerxes para a reconstrução de Jerusalém. Assim, com ajuda da história é possível identificar o ano 457 como o início da profecia.

- O cumprimento da profecia das 70 semanas proféticas, ou 490 anos (Dn 9:24), a primeira parte da grande profecia dos 2.300 anos, se deu com a morte de Cristo no ano 27, na metade da última semana profética (Dn 9:27).

- Selada com a morte de Cristo no calvário, a profecia das 2.300 tardes e manhãs teve cumprimento em 1844, com o início do Dia da Expiação escatológico.

- A data de 22 de outubro foi proposta com base no Dia da Expiação realizado no 10º do 7º mês do calendário judaico (Lv 16:29-30).

Guilherme Silva (via Revista Adventista)

"O assunto do santuário foi a chave que desvendou o mistério do desapontamento de 1844. Revelou um conjunto completo de verdades, ligadas harmoniosamente entre si e mostrando que a mão de Deus dirigira o grande movimento do advento. Os adventistas admitiam, nesse tempo, que a Terra, ou alguma parte dela, era o santuário. Entendiam que a purificação do santuário fosse a purificação da Terra pelos fogos do último grande dia, e que ocorreria por ocasião do segundo advento. Daí a conclusão de que Cristo voltaria à Terra em 1844. Mas o tempo indicado passou e o Senhor não apareceu. Os crentes sabiam que a Palavra de Deus não poderia falhar; deveria haver engano na interpretação da profecia; onde, porém, estava o engano? Aprenderam, em suas pesquisas, que não há nas Escrituras prova que apoie a ideia popular de que a Terra é o santuário; acharam, porém, na Bíblia uma completa explicação do assunto do santuário, quanto à sua natureza, localização e serviços. Os que seguiram a luz da palavra profética viram que, em vez de vir Cristo à Terra, ao terminarem em 1844 os 2.300 dias, entrou Ele então no lugar santíssimo do santuário celeste, a fim de levar a efeito a obra final da expiação, preparatória à Sua vinda. Então, no lugar santíssimo, contemplaram de novo seu compassivo Sumo Sacerdote, prestes a aparecer como Rei e Libertador. Seguindo-O pela fé, foram levados a ver também a obra final da igreja. Obtiveram mais clara compreensão das mensagens do primeiro e segundo anjos, e ficaram habilitados a receber e dar ao mundo a solene advertência do terceiro anjo de Apocalipse 14" (Ellen G. White - A Fé Pela Qual Eu Vivo, pp. 282-283).

segunda-feira, 20 de outubro de 2025

MUNDO MAU, DEUS BOM

"Se Deus é amor, por que Ele mandou matar algumas pessoas?"

As cenas ruins que aparecem em alguns relatos do Antigo Testamento são o motivo de perguntas como esta. No entanto, essa não é uma dúvida recente. Muitas pessoas foram levadas a pensar que existe até mesmo uma diferença entre o Deus do Antigo Testamento e o do Novo Testamento. No 2º século, Marcion de Sinope divulgou a ideia de que se poderia descartar todo o Antigo Testamento. Segundo ele, o Deus dessa parte da Bíblia é injusto e raivoso. Embora esse conceito tenha sido combatido, ele permanece na concepção de muitas pessoas. Elas tendem a ver o Antigo Testamento como o lado obscuro de um Deus irado, que julga, castiga, manda matar e quase chega a assumir as formas do demiurgo sugerido por Marcion. Outros são levados a desconsiderar o Antigo Testamento como se nele não houvesse graça.

Além de levar à desconsideração dessa parte das Escrituras, essa perspectiva tem reflexos na teologia e prática das pessoas. Por exemplo, no livro Adolescentes em Conflito, Les Parrott aponta a teologia incompleta e uma ideia equivocada sobre Deus como fatores que provocam o complexo de inferioridade nos adolescentes. Na obra Em Defesa da Fé, Lee Strobel coloca essa compreensão errada a respeito de Deus como uma das oito objeções ao cristianismo. Contudo, uma leitura atenta do Antigo Testamento em busca de expressões da graça divina proporciona uma nova perspectiva acerca dessa parte das Escrituras.

CONCEITO DE GRAÇA
O Novo Testamento emprega o termo charis (“graça”) 155 vezes, na sua maior parte nas epístolas de Paulo. Para o apóstolo, charis é a essência do ato salvífico de Deus por meio de Jesus Cristo. Frequentemente definida mediante um contraste com a tentativa de justificação pelas obras, graça não é apenas um desejo de boa vontade a respeito da salvação (cf. 2Co 13:13); é um dom gracioso de Deus. Esse conceito (com exceção de uma ocorrência em 1 Pedro) é exclusivamente paulino. A morte como salário e consequência natural do pecado é cancelada para dar lugar à vida eterna como dom gratuito de Deus (Rm 6:23). Na compreensão paulina, a dinâmica da salvação na vida cristã, do início ao fim, depende e provém da graça.

Isso está de acordo com o emprego de charis pela Septuaginta, versão grega do Antigo Testamento, para a tradução do equivalente hebraico hen. Das 190 vezes que a Septuaginta se vale do termo charis, apenas 75 têm equivalente em hebraico. Mas esse uso é importante e nos ajuda a esclarecer o sentido de graça. De acordo com o Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamentohen denota “o mais forte que vem em socorro do mais fraco” e “que precisa de socorro por causa de suas circunstâncias ou da sua fraqueza natural”.

Embora o Antigo Testamento não tenha uma palavra própria para designar o conceito cristão da palavra “graça”, esse conceito foi preparado antes da cruz. O verbo hanan (“ser gracioso”, “compadecer-se”, “suplicar”, “implorar”), usado 73 vezes, descreve “uma reação sincera de alguém que tem algo a dar para alguém com necessidade”, a “ação que parte de um superior na direção de um inferior que não tem nenhum direito a um tratamento clemente”. A ideia de que Deus é amor é um reflexo do conceito expresso por hesed, importante palavra do Antigo Testamento.

EPISÓDIOS SANGRENTOS
Apesar disso, pode-se ver um Deus bondoso nas cenas ruins do Antigo Testamento? Afinal, alguns relatos parecem confrontar essas evidências. Pode existir graça quando Deus manda matar, por exemplo?

Os episódios sangrentos do Antigo Testamento têm levado a afirmações como as de Charles Templeton, autor de Farewell to God (Adeus a Deus) e que deixou de ser cristão ao questionar o caráter do Senhor. Ele disse: “O Deus do Antigo Testamento é totalmente diferente do Deus em que acredita a maior parte dos cristãos praticantes. [...] Sua justiça é, segundo os padrões modernos, detestável. [...] Ele é preconceituoso, queixoso, vingativo e cioso de suas prerrogativas.” Afirmações como essas podem ser resultado da leitura de cenas encontradas em Deuteronômio, Josué e 1 Samuel. Será que essas passagens realmente amparam a conclusão de Templeton?

Em Deuteronômio 7:1 e 2, Deus ordena matar todos os povos que habitavam na terra que o povo de Israel iria herdar. À primeira vista, essa ordem parece ser uma atitude cruel e arbitrária. Mas uma leitura correta desse texto poderá demonstrar o contrário. Como pondera o comentário bíblico de Jamieson, Fausset e Brown, esse extermínio não se harmoniza com o caráter de Deus apresentado nas Escrituras, “exceto pelo pressuposto de que a idolatria brutal dos cananeus e sua enorme maldade não tenham deixado nenhuma esperança razoável de arrependimento e mudança”. Dessa forma, o juízo imposto sobre eles é semelhante ao que foi aplicado aos antediluvianos e aos habitantes de Sodoma e Gomorra, pois já haviam enchido a medida de suas iniquidades e estavam numa condição incorrigível.

Além disso, essa ocupação não foi uma usurpação do território daqueles povos estrangeiros. O oposto é que é verdadeiro. Essa terra havia sido prometida por Deus a seu povo. No entanto, havia sido ocupada pelas nações estrangeiras que se espalharam por aquela terra por ocasião da migração da família de Jacó para o Egito. Logo, a expulsão dos cananeus de um território sobre a qual eles não tinham direito foi justa e adequada.

Em Josué 6:17 e 21, Deus ordenou que tudo o que estava em Jericó fosse destruído, inclusive mulheres, crianças, idosos e animais. O relato não é confortável para se ler. No entanto, a mesma consideração feita para o texto anterior pode ser lembrada aqui. A condenação é de um povo que havia enchido sua taça de iniquidades. Os cananeus são lembrados como idólatras incorrigíveis e possuidores dos mais horríveis vícios. Eles rejeitaram a luz do surpreendente milagre da travessia do Jordão, o que fez com que Raabe aceitasse o Deus de Israel (Js 2:8-14; 6:22, 23), e resolveram defender Jericó e o país por meio de reforço militar (Js 24:11). O julgamento foi misturado com misericórdia e chance de arrependimento.

Em 1 Samuel 15:2 e 3, Deus ordenou ao rei Saul destruir totalmente os amalequitas, incluindo mulheres, criancinhas de peito e animais. A aniquilação deles se deveu ao fato de serem destacados inimigos de Israel (Nm 14:45; Jz 3:13; 6:3) e não terem se arrependido (1Sm 14:48). Ela não se fundamentou apenas em algo que seus antepassados haviam feito, mas em sua própria perversidade.

Acerca de Agague, rei dos amalequitas, Samuel disse: “Assim como a tua espada desfilhou as mulheres, assim ficará desfilhada a tua mãe entre as mulheres” (1Sm 15:33). Deus havia lidado com misericórdia com esse povo, apesar de sua pecaminosidade (Gn 15:16; 1Sm 15:18). Como lembra Warren Wiersbe em seu Comentário Bíblico Expositivo, “povos como os amalequitas que desejavam exterminar os israelitas não estavam apenas declarando guerra contra Israel, mas também se opondo ao Deus Todo-poderoso e a seu grande plano de redenção para o mundo inteiro”.

Essa breve análise indica que a graça aparece no Antigo Testamento. O exame de algumas ocorrências que aparentemente levantam suspeita sobre o caráter de Deus revela haver graça mesmo em cenas ruins. Deus foi gracioso e longânimo com aqueles que Ele precisou destruir e com os que preservou, pois deles dependia a salvação de outros. A graça não é apenas uma nota, mas a melodia que conduz toda a história da salvação, permeando o Antigo e o Novo Testamento, unindo ambos sob a regência de um Deus de amor.

Paulo Alberto Barros Leite (via Revista Adventista)

sexta-feira, 17 de outubro de 2025

FREUD, ELLEN WHITE E A BÍBLIA

Pode parecer algo profano pensar na possibilidade de que exista algum paralelo entre Sigmund Freud, famoso psicanalista do passado, Ellen White e a Bíblia. Contudo, aqueles que podem permitir-se nesta aventura acabarão encontrando que há muitos pontos em comum; mesmo porque toda verdadeira ciência caminha rumo à comprovação dos grandes princípios já antes anunciados pela Revelação. No dizer de um psiquiatra cristão, “toda descoberta científica correta foi criada por Deus, tendo apenas sido descoberta por homens estudiosos, que chamamos de cientistas”.1

Nesta incursão, precisamos entender primeiro que Ellen White “não escrevia como psicóloga. Não empregava a terminologia comumente usada hoje na área da Psicologia… O leitor inteligente, porém, ficará profundamente impressionado com a incomum intuição quanto aos princípios básicos de psicologia evidenciados por estes escritos”.2

Este artigo não pretende esgotar toda a gama de conceitos da Psicanálise; e, por isso, escolhemos o tema básico em tomo do qual giram todos os grandes pincípios sobre os quais essa ciência é fundamentada. Assim, analisaremos o inconsciente.

Ao apresentar o pensamento de Ellen White, utilizaremos porções de seus escritos sobre a saúde mental, notadamente o livro Mente, Caráter e Personalidade, para onde remeteremos o leitor mais cuidadoso, a fim de compreender o contexto de suas citações. Outrossim, buscaremos alguns textos bíblicos, muito úteis para o entendimento dos conceitos apresentados.

Inconsciente na Psicanálise

Talvez o inconsciente seja a principal descoberta de Freud. Outros pensadores, anteriores a ele, falaram sobre o assunto, mas foi Freud quem delimitou esse termo, colocando-o no uso corrente do pensamento filosófico contemporâneo. Mesmo nas outras abordagens sobre a personalidade, surgidas depois de Freud, utiliza-se esta divisão da mente – consciente-inconsciente -, ainda que seu objeto de estudo seja o consciente, ao contrário da Psicanálise que tem o inconsciente como objeto de estudo.

Mas, o que se entende por inconsciente? “Para Freud, o inconsciente é uma região psíquica especial, onde estão os desejos, os dados do nosso passado, lembranças de todo tipo, impulsos e sentimentos vários.”3 Ou seja, “qualquer processo mental, cujo funcionamento pode ser deduzido do comportamento de uma pessoa, mas ao qual essa pessoa continua estranha, sendo incapaz de o examinar e relatar”.4

Não temos acesso a tudo o que queremos, na hora que desejamos. Fatos, acontecimentos e sentimentos são esquecidos ou tomados inconscientes. Este inconsciente pode se manifestar através de sonhos, atos falhos, sintomas físicos sem lesões orgânicas, sintomas mentais como angústias e depressões.

É importante notar que o conteúdo do inconsciente não é estático, mas dinâmico, e participa de nossa vida em todos os seus aspectos, tais como atitudes, pensamentos, escolhas e decisões. Segundo o psiquiatra adventista, Dr. César Vasconcellos Souza, “muito do que fazemos, do que escolhemos (cônjuge, profissão, etc.) é motivado por fatores inconscientes”.5

Freud postulou dois princípios de funcionamento mental: o princípio do prazer e o princípio da realidade.6 Falando resumidamente, o princípio do prazer é aquele que rege o inconsciente. Ele busca alcançar prazer e fugir do desprazer, da frustração; é dominado pelas pulsões, ou impulsos, que buscam uma satisfação imediata pelos caminhos mais curtos, sem levar em consideração qualquer padrão cultural, social ou religioso. É um afasta-mento da realidade, já que não a leva em conta. É o que, na linguagem popular, dizemos a respeito do indivíduo que vive “no mundo da lua da fantasia.

Por outro lado, o princípio da realidade, como o próprio nome já diz, é onde a realidade consciente é levada em conta. Não é uma inibição desta busca de prazer, mas procura garantir um prazer seguro, dentro dos padrões da realidade sociocultural do indivíduo. É um princípio regulador “onde a procura de satisfação já não se efetua pelos caminhos mais curtos, mas faz desvios e adia o seu resultado em função das condições impostas pelo mundo exterior”.7

O trabalho de análise se propõe a trazer o conteúdo do inconsciente para o consciente, onde se acha a volição. É um processo mais de tomada de consciência e autoconhecimento do que de cura. Esta seria o resultado da decisão após a tomada de consciência. O indivíduo submetido a um processo de análise tem a vontade fortalecida, como se diz no jargão da psicanálise: um eu forte. O inconsciente é impulsivo, fonte de todo impulso; e qualquer indivíduo que não aceite a sua existência é o que mais sofre sua influência. Seu eu é fraco; está debilitado.

Ao contrário, a pessoa que sabe ser influenciada pelo seu inconsciente procurará conhecer os mais profundos motivos e irá trazê-los à consciência, podendo, somente então, fazer uso de sua razão para, através de um ato da vontade, decidir sobre os impulsos vindos do inconsciente.

Em Ellen White e na Bíblia

Ellen White reconhecia que o conteúdo do inconsciente está presente, de forma bem dinâmica, todo o tempo na vida psíquica do indivíduo. Eis uma de suas declarações a esse respeito: “As primeiras lições impressas na criança, raras vezes são esquecidas… as impressões feitas no coração, no princípio da vida, são vistas em anos posteriores. Podem estar sepultadas, mas raras vezes serão obliteradas.”8

O inconsciente é impulsivo, fonte de todo impulso; e qualquer indivíduo que não aceite a sua existência é o que mais sofre sua influência.

No texto bíblico existem alusões aos pecados por ignorância, por desconhecimento da consciência, “por inadvertência, inadvertidamente, descuidadamente, sem pensar”9 (Lv 4), e atos ocultos ou por esquecimento (Lv 5). Mas o texto que mais claramente toca no conceito de inconsciente é o de Provérbios 20:5, que diz: “Os pensamentos de uma pessoa são como água em poço fundo, mas quem é inteligente sabe como tirá-los para fora” (BLH).

Um problema que muitos enfrentam com a Psicanálise é a idéia de que o homem é um ser impulsivo, ou dominado pelos impulsos. Como cristãos, podemos dizer que o ser humano não é impulsivo, mas que ele passou a ser assim, por causa da entrada do pecado em sua experiência. Nossa natureza pecaminosa é impulsiva e dominadora. Paulo a chamou de a “lei do pecado” que habita em nossos membros (Rm 7). É a nossa ação dando-nos conta de que existe algo guerreando contra a nossa mente consciente.

Alguns cristãos ouviram dizer que Freud liberou os impulsos, daí a onda de pansexualismo. Tais pessoas, muito provavelmente, jamais leram uma palavra sequer acerca de seu trabalho. Uma leitura desprovida de preconceitos do texto freudiano mostrará que isso é uma interpretação errônea de seu pensamento. Ele orientou no sentido de liberarmos os impulsos através da fala, por 50 minutos, numa seção terapêutica, sob a orientação de um analista, mas foi entendido como se tivesse dito para liberarmos os impulsos pelo comportamento, o tempo todo, em qualquer lugar.10 Devemos ser honestos com o texto original.

Ellen White afirma que podemos ser libertados “das paixões e impulsos humanos”, e “vencedores de suas inclinações”. Todo aquele que é humano tem impulso. Para ser-mos vencedores de nós mesmos, é necessário admitir que existe um eu que briga consigo mesmo. Em linguagem psicanalítica, é a luta do eu contra o isso e o acima-do-eu.11 “Se não podeis controlar vossos impulsos, vossas emoções, segundo o desejais, podeis controlar a vontade, e assim se operará em vossa vida uma mudança completa.”12

Se o princípio da realidade estiver forte, então poderemos controlar o princípio do prazer, colocando-o sob o domínio da vontade.

“Muitos que não professam o amor de Deus controlam o espírito em considerável medida, sem o auxílio da graça especial de Deus. Cultivam o domínio próprio. Isto representa na verdade uma exprobração aos que sabem que, de Deus, podem obter força e graça, e todavia não exibem as graças do Espírito.”13

Muitos cristãos e não cristãos, que passaram ou passam por um processo analítico, encontram-se na situação descrita acima. “Cultivam o domínio próprio”; estão em condições de decidirem, ou não, por Cristo. Mas existem aqueles, mesmo dentre os cristãos, que por negarem o processo mental impulsiva, fazem todo tipo de esforços e penitências para vencê-las e não conseguem; não chegam ao ponto de se renderem a Cristo, reconhecidos de sua impotência e colocarem a vontade nas mãos do Mestre. Isso seria a única coisa que poderiam fazer, e é aquela que Cristo não fará sem nossa autorização. O conselho que Ele nos dá é: “Não deves demorar em examinar rigorosamente o próprio coração”.14 “Muitos se perderão enquanto esperam e desejam ser cristãos. Não chegam ao ponto de render a vontade a Deus. Não escolhem agora ser cristãos.”15

Não é estranho que o ser humano seja um ser impulsivo, uma vez que existem impulsos para o bem e para o mal. Ambos são produto do inconsciente. Contudo, “Cristo é a fonte de todo bom impulso”.16

O uso que Ellen White faz de termos como “paixão”, “propensão”, “impulso”, etc., é às vezes adjetivado, mostrando assim que em seu pensamento esses termos, em si mesmos, não são qualificativos. Por isso, é errôneo dizer ou pensar no sentido de que se se trata de impulso, então é mau, ruim e pecaminoso. Não podemos dizer que toda paixão seja condenável. Ela usa qualificativos como “vis”, “animalescas”, “concupiscentes”, “depravadas”, “corruptas”, etc., quando deseja condenar. Deveríamos estar atentos ao uso das palavras, para não cobrirmos algo como preconceituoso, por simples falta de conhecimento. Esta é uma peça que não raro o inconsciente nos prega, quando não estamos cientes do motivo inconsciente de nossos preconceitos.

As seguintes citações comprovam isso:

“Deus requer que controleis não só os pensamentos, mas também vossas paixões e afeições. … A paixão e as afeições são agentes poderosos. … Resguardai positivamente vossos pensamentos, vossas paixões e vossas afeições. … Elevai-as até à pureza, dedicai-as a Deus.”17 Aqui ela usa a palavra “paixão” como sentimento forte e profundo, que pode ser para o bem ou para o mal.

“Toda propensão animal deve ser sujeita às faculdades mais altas da alma.”18

Os compiladores de seus escritos fizeram o seguinte comentário sobre esses trechos:

“No mesmo contexto no qual são usadas algumas das expressões fortes acima referidas, ela insta que as paixões devem ser controladas por aquilo a que ela chama ‘faculdades mais altas, mais nobres’, ‘razão’, ‘restrição moral’ e ‘faculdades morais’. Ela escreve sobre temperança e moderação, e sobre o evitar excessos. No matrimônio, essas paixões comuns a todos os seres humanos devem ser sujeitas ao controle, devem ser dominadas.”19

Conclusão

O inconsciente é regido pelo princípio do prazer, como uma criancinha malcriada e manhosa que diz: “eu quero isto, deste jeito, e quero já.” O princípio da realidade, que rege a consciência, por sua vez, soa como que a dizer: “tudo bem, calma, vamos verificar se agora é a melhor hora e se este é o melhor jeito; mas fique tranqüila, vou garantir o seu prazer de maneira que seja mais seguro.”

Como foi dito acima, a principal função do eu é canalizar as energias vindas do inconsciente a fim de que sejam devidamente descarregadas, ou seja, é o eu que se encarrega de garantir um prazer genuíno e seguro. Ellen White diz que “as afeições juvenis devem ser refreadas, até chegar o período em que a idade suficiente e a experiência tomarão honrosa e segura a sua manifestação”.20 Podemos ver aí um paralelo com a Psicanálise.

Gostaria de acrescentar que creio na Bíblia como sendo a Palavra de Deus, e que Ellen White foi inspirada por Ele. Todo o conteúdo da Bíblia e do Espírito de Profecia é verdadeiro. Mas algumas verdades não estão claramente reveladas na Bíblia ou no Espírito de Profecia. No entanto, toda verdade vem de Deus. Às vezes Ele usou ateus para descobri-las. Algumas dessas verdades foram descobertas mesmo por “um judeu ateu e que falou a respeito de sexo”.21

No passado, Ele usou indivíduos e povos pagãos para cumprimento de Seus propósitos. É só recordar a experiência de Ciro, Dario, Assuero, Nabucodonosor, e da Assíria. Enquanto estiveram sob a ordem divina foram Seus instrumentos.

As considerações acima são suficientes para que o leitor possa familiarizar-se com a incomum intuição quanto aos princípios básicos de psicologia, evidenciados pelos escritos de Ellen White.

[via Ministério]

Referências

  • 1. Machado, R. Cardoso, Psicoterapia Centrada na Bí-blia, Rio de Janeiro, Juerp, 1993, p. 13.
  • 2. White, Ellen G., Mente, Caráter e Personalidade: Guia para a Saúde Mental e Espiritual, Tatuí, CPB, 1989, Prefácio.
  • 3. Souza, César Vasconcellos, A teoria psicanalítica, (Vida e Saúde, junho de 1986), p. 25.
  • 4. Cabral, Álvaro & Nick Eva, Dicionário Técnico de Psicologia, São Paulo, Cultrix, 1992.
  • 5. Souza, César Vasconcellos, Op. Cit., p. 26.
  • 6. Freud, S. Formulações Sobre os Dois Princípios do Funcionamento Mental, (Obras Completas), vol. XII, Rio de Janeiro, Imago, pp. 273-286.
  • 7. Laplanche, Jean, Vocabulário da Psicanálise, São Paulo, Martins Fontes, 1992, pp. 364 e 368.
  • 8. White, Ellen, Op. Cit., p. 149.
  • 9. Nichol, Francis D., SDABC, Washington, DC, R.H., 1978, vol. I, p. 728. Convém salientar que na teoria psicanalítica, o “sem pensar”, “descuidadamente”, “esquecimento” é um “ato falho”; portanto, uma manifestação do inconsciente.
  • 10. “A cautelosa abordagem de Freud tem sido desrespeitada ou esquecida em muitos setores, e passou a ser popularmente suposto que a Psicanálise advoga uma liberdade irrestrita, não através da fala em isolamento, durante um período estritamente limitado de tempo, mas através de um comportamente sem restrições durante o tempo todo e em todas as situações, sem levar em conta o caos que isso poderá acarretar para a vida do próprio indivíduo e para a vida dos outros. Como a Psicanálise revelou as conseqüências mutiladoras de uma excessiva repressão, passou-se a supor que a Psicanálise defende a ausência de todos os controles. Como ela requer que ‘se solte tudo’ – embora por uns 50 minutos diários e sob a orientação de um terapeuta especialmente treinado e digno de confiança, que protegerá o paciente de ir longe demais ou depressa demais no desvendamento do inconsciente – passou a supor-se que a Psicanálise advoga ‘despejar tudo o que está reprimido’ em qualquer lugar e a todo momento. Assim, ‘conhece-te a ti mesmo’ converteu-se em ‘faz o que te apetece’.” (Ver Bettelheim, Bruno, Freud e a Alma Humana, São Paulo, Cultrix, 1990, p. 31.
  • 11. Não se usa mais Id, Ego e Superego, por ser uma má tradução, além do que tais termos nunca foram utilizados por Freud.
  • 12. White, Ellen, Op. Cit., p. 123.
  • 13. Idem, p. 125.
  • 14. Idem, idem.
  • 15. White, Ellen, Caminho Para Cristo, Tatuí, SP; CPB, 1987, pág. 48.
  • 16. Idem, p. 26.
  • 17. White, Ellen, Mente Caráter e Personalidade, vol 1, págs. 218 e 219.
  • 18. Idem, p. 219.
  • 19. Idem, idem.
  • 20. Idem, p. 221.
  • 21. Shafer Vernon W., O Cristão e a Psicanálise, Bise, vol. III, nº 2, novembro/93, p. 46.