Introdução
Após a criação de um belo mundo, Deus selou sua obra prima ao criar o homem e a mulher à sua própria imagem.
“Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou” (Gênesis 1:27).
Infelizmente, toda essa magnífica beleza e equilíbrio foram contrastados pelo horror do pecado. Satanás também soube deixar sua marca terrível incluindo um assassinato intrafamiliar logo nos primeiros momentos de vida na Terra.
“E falou Caim com o seu irmão Abel; e sucedeu que, estando eles no campo, se levantou Caim contra o seu irmão Abel, e o matou” (Gênesis 4:8).
A partir daí, a violência e a opressão passaram a fazer parte da história da humanidade. A destruição da família continua sendo um alvo preferido de Satanás. Ellen White escreveu:
“A influência de Satanás é constantemente exercida sobre os homens para perturbar os sentidos, dominar a mente para o mal, incitar à violência e ao crime” (O Desejado de Todas as Nações, p. 237).
Esse flagelo que assola a humanidade desde os tempos remotos continua vitimando pessoas, não importando a classe social, o gênero, a raça e a geração.
“O mal, o pecado e morte não foram criados por Deus; eles são o resultado da desobediência, a qual se originou em Satanás” (Conselhos Sobre Educação, p. 107).
A violência contra a mulher no Brasil e no mundo
Dentre os diversos tipos de violência, ganha notoriedade uma forma especial, a que é praticada contra a mulher. Esse tipo de violência (física, sexual, psicológica, patrimonial e moral), entendido sob a perspectiva de gênero, está caracterizado pela dominação e opressão dentro das relações homem e mulher.
De acordo com a Organização das Nações Unidas, 70% das mulheres sofrem algum tipo de violência no decorrer da vida, principalmente praticada por parceiro íntimo. Uma em cada cinco mulheres sofrerá estupro ao longo de sua vida.
A prática do matrimônio precoce, estupro, mutilação genital feminina (corte dos órgãos genitais femininos), assassinatos por dote, e desfigurações no rosto e corpo por arremesso de ácido são atos de violência cruéis praticados contra as mulheres em todo o mundo.
O Fundo das Nações Unidas para Infância e Adolescentes (UNICEF) analisou dados encontrados que, em mais da metade dos 33 países para os quais os dados estão disponíveis, mais de 20% de cuidadores acreditam que a disciplina violenta é necessária para o desenvolvimento das crianças. Esses tipos de violências priorizam os direitos dos homens sobre os direitos das mulheres e os direitos dos adultos sobre os das crianças.
A situação no Brasil não é diferente da situação mundial. Em 2015, foi elaborado o mapa da violência contra as mulheres no Brasil. De 1980 até 2013, mais de 106.093 mulheres foram assassinadas no país. O Brasil ocupa o 5º lugar em homicídio feminino entre 83 países avaliados.
Outro estudo no Brasil revela que a violência sexual em crianças de 0 a 9 anos de idade é o segundo maior tipo de violência mais característico nessa faixa etária, ficando pouco atrás apenas para as notificações de negligência e abandono. Em 2011, foram registradas 14.625 notificações de violência doméstica, sexual, física e outras agressões contra crianças menores de dez anos. A violência sexual também ocupa o segundo lugar na faixa etária de 10 a 14 anos, com 10,5% das notificações, ficando atrás apenas da violência física (13,3%).
Consequências da violência para a saúde da mulher e da família
Estudos internacionais mostram que as consequências da violência para a saúde das mulheres vão muito além de mortes e ferimentos. Vítimas de violência estão vulneráveis a problemas psicológicos e de comportamento, incluindo depressão, abuso de álcool, ansiedade, comportamento suicida, problemas de saúde reprodutiva tais como doenças sexualmente transmissíveis, gravidez indesejada e disfunção sexual.
Um estudo promovido pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em seis países da América Latina (Brasil, Colômbia, El Salvador, México, Peru e Venezuela) avaliou que, além da magnitude e do impacto que a violência causa, há um enorme gasto em vários setores. O estudo demonstrou que 25% dos dias de trabalho perdidos pelas mulheres têm como causa a violência, reduzindo seus ganhos financeiros entre 3% e 20%. Esse estudo afirma também que filhos e filhas de mães que sofrem violência têm três vezes mais chances de adoecer, e 63% dessas crianças repetem pelo menos um ano na escola, abandonando os estudos, em média, aos nove anos de idade. A violência intrafamiliar representa quase um ano perdido de vida saudável a cada cinco mulheres entre 15 a 44 anos, e ocupa peso similar à tuberculose, ao HIV, aos diversos tipos de câncer e às enfermidades cardiovasculares.
O uso de álcool e drogas também contribui para o aumento dos conflitos familiares. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), um dos fatores que tem influenciado o aumento da violência é o consumo de álcool e/ou drogas ilícitas. A Palavra de Deus é clara:
“O vinho é escarnecedor, e a bebida forte, alvoroçadora; e todo aquele que neles errar nunca será sábio” (Provérbios 20:1).
Ellen White escreveu:
“Em resultado do uso desses venenos, milhares de famílias se acham destituídas dos confortos, e mesmo das necessidades da vida, multiplicam-se os atos de violência e de crime, e a doença e a morte levam apressadamente milhares e milhares de vítimas para a sepultura, em consequência da bebida” (Obreiros Evangélicos, p. 385, 386).
Rede de apoio
Cada país constrói sua rede de apoio à mulher em situação de violência. É importante lembrar que a cultura da violência deve ser rejeitada em qualquer situação.
Apesar de não ser politicamente considerada como instrumento de ajuda, a igreja pode oferecer acolhimento por meio da oração, de um abraço, de apoio psicológico, social, jurídico e de saúde, por profissionais voluntários, além, de convites para participação nas atividades da igreja.
“Nada existe que o mundo necessite mais do que manifestação do amor do Salvador através humanidade. Todo o Céu está espera de homens e mulheres por cujo intermédio possa Deus revelar o poder do cristianismo” (Atos dos Apóstolos, p. 334).
Da opressão para a libertação
Estudos para a compreensão do fenômeno da violência contra a mulher têm ocupado lugar de destaque acadêmico em todo o mundo. A tentativa de compreender e explicar tal fenômeno à luz das ciências humanas, sociais e biológicas coloca a religião como um dos meios legitimadores dessa violência. Ou seja, é atribuído à religião o ônus da perpetuação da violência contra a mulher. Em função disso, deve-se afastar a religião a fim de “libertar” a mulher.
Como cristãos e como igreja, já é tempo de discutirmos esse assunto com o destaque que merece a fim de desconstruir conceitos que há tempos nos mantém confortáveis. Reconhecer a inferioridade feminina sob a base que é da “vontade de Deus” traz opróbrio à nossa fé, mancha a verdade e deprecia o ministério de Cristo.
Muitos cristãos hoje interpretam as histórias bíblicas como reflexo direto da vontade divina. Desconsideram a cultura, o contexto e muitas vezes o próprio texto. A história do povo de Deus é a história da graça e da desgraça, da bênção e da maldição, da vida e da morte, do amor e da indiferença. Deus não interfere nas escolhas do ser humano nem como ele deseja viver em sociedade. As consequências dessas escolhas são claras, e o resultado é evidente. Contudo, isso não significa que Deus aprova todas as escolhas feitas por Seus filhos ao longo da história.
Para dissipar todo e qualquer mal-entendido, Deus enviou Seu Filho. Em João 3:17, encontramos esta afirmação:
“Porque Deus enviou o seu filho ao mundo, não para que condensasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por Ele”.
A pessoa de Cristo reflete, sim, a vontade e o caráter de Deus. Sua vida e ministério põe fim a qualquer tipo de opressão, pois Ele acredita que tal modo de viver não seja compatível com o “Reino dos Céus”. Cristo não tolerou e não tolera a opressão; por isso, Seus esforços para libertar os cativos de Satanás, ou seja, todos os seres humanos, foram e sempre são Sua incansável missão. Mas os grupos oprimidos, incluindo as mulheres, tornaram-se exemplos vivos do Seu amor abnegado.
Em João 8:1 a 11, há o relato do encontro de Cristo com a mulher pecadora. A descrição dessa mulher reflete a intenção de uma sociedade má cuja autoridade se baseava no castigo. A mulher “pecadora” não tinha nome, coração, personalidade, sentimento e, muito menos, emoções. Era considerada uma escória da sociedade. Ela estava tão envergonhada e amedrontada, que sequer ousou levantar o rosto para ver seu libertador.
Muitas mulheres hoje se encontram na mesma situação. Sem identidade e confinadas dentro de um aparato social que as oprime, mantêm seu curso de vida infeliz na certeza de que essa é a única opção que possuem.
A igreja deve favorecer a ênfase na libertação de todo tipo de opressão. É importante assegurar o resgate do papel social da mulher e do valor que tem para Deus. Cabe a todos seguir os passos do Mestre. No livro O Desejado de Todas as Nações, página 462, Ellen White escreveu:
“Em seu ato de perdoar essa mulher e animá-la a viver vida melhor, resplandece na beleza da perfeita Justiça o caráter de Jesus”.
Prevenção e proteção da violência
Compreender e ajudar mulheres e meninas que sofrem de violência, doméstica ou não, dentro da igreja ou fora dela, requer acima de tudo envolvimento com Cristo e conhecimento do problema.
A igreja, a família e a escola deverão estar em harmonia com a recomendação divina expressa nas sagradas escrituras somadas à informação adicional provida pelo Espírito de Profecia. Assim, constituirão verdadeiro alicerce para a construção do caráter de um indivíduo, preparando-o para viver em sociedade de forma equilibrada.
Como filhos e filhas de Deus, devemos estar permanentemente atentos aos sinais que nos distanciam dos verdadeiros propósitos do Criador. Precisamos considerar as transformações da vida moderna e, sem perder os princípios, realocar nossas práticas e reavaliar nossa maneira de viver em sociedade.
O cristianismo é imbatível, mas terá mais força se o mundo puder ver o que o cristianismo faz com os cristãos. Um exemplo encontrado na Bíblia que retrata a ligação entre família, igreja e escola está no exemplo da história de Moisés.
Joquebede criou seu filho e o instruiu nos ensinos de Deus. Ela o conservou consigo o máximo que pode, mas foi obrigada a entregá-lo quando tinha aproximadamente 12 anos.
“Foi levado de sua humilde choupana ao palácio real, para a filha de Faraó, e se tornou seu filho. Contudo, mesmo ali, ele não perdeu as impressões recebidas na infância. As lições aprendidas ao lado de sua mãe, não as esquecia. Eram uma proteção contra o orgulho, a incredulidade e o vício, que cresciam por entre os esplendores da corte” (Patriarcas e Profetas, p. 170).
Aprendeu na escola dos egípcios, táticas de guerra e a utilização da força para manutenção do poder. Sob a influência divina, que nunca deixou, teve que reaprender as lições da humildade.
“Moisés era o grande favorito das hostes de Faraó e honrado porque conduzia a guerra com superior perícia e sabedoria. ‘E Moisés foi educado em toda a ciência dos egípcios, e era poderoso em palavras e obras.’ Os egípcios consideravam Moisés como personalidade notável” (História da Redenção, p. 108).
Enquanto conduzia o povo de Israel pelo deserto, a maior igreja ambulante de que se tem notícia, ensinou-o a respeitar e confiar em Deus e amar ao próximo. Estabeleceu regras de boa convivência familiar, social, administrativa, sanitária e política. A confiança na direção divina não produziu nenhum tipo de violência ou estímulo à desigualdade.
O respeito à família monogâmica foi recompensado pelo equilíbrio da influência que recebeu de sua família durante todo o árduo percurso até a terra prometida.
A história de Moisés representa a clara disposição de Deus em ajudar todos os Seus filhos. A religião baseada no amor a Deus e ao próximo jamais poderá ser considerada como entrave para o desenvolvimento humano. É, sim, uma barreira de proteção contra todo o tipo de maldade resultante do orgulho e do egoísmo humano.
Oremos para que Deus nos ajude a tornar o nosso lar um ambiente de bênção onde a presença de Jesus seja real e constante; um lugar onde a nossa família possa desfrutar de paz e harmonia e, dessa maneira, Satanás não tenha poder para destruir o plano original de Deus quanto à unidade e integridade das famílias.
Escrito por Vania Denise Carnassale e Marli Peyerl (via Ministério da Mulher DSA)
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