À medida que a vida avança, continuamos a fazer escolhas: que universidade vou frequentar e que curso farei? Depois da formatura, onde vou trabalhar: estabelecer-me-ei por minha própria conta ou serei empregado numa companhia? Onde vou morar? Como vou gastar meu dinheiro? Se me casar, terei ou não filhos? Se tiver, quantos?
Através dos séculos as pessoas têm usado variados critérios para fazer escolhas. Muitos consultam amigos mais experientes ou conselheiros de confiança. Outros checam o horóscopo, consultam cartomantes, médiuns ou outras pessoas ligadas ao ocultismo.
Como cristãos desejamos obedecer a Deus ao nos depararmos com uma decisão importante. Na verdade, muitos fiéis ao redor do mundo elevam seus pensamentos a Deus, repetindo as palavras do Pai Nosso: “Seja feita a Tua vontade assim na terra como no céu” (Mateus 6:10)1. O que queremos dizer quando oramos assim? Vamos recapitular o que a Bíblia nos ensina acerca do assunto da vontade de Deus.
O significado de vontade
A palavra vontade tem três sentidos básicos, que têm a ver tanto com Deus quanto com o homem.
Vontade: a habilidade e o poder de escolher. Deus tem essa habilidade e sempre a exercita. Num determinado momento, Ele decidiu criar o Universo e enchê-lo de criaturas inteligentes. Escolheu igualmente organizar este planeta e criar Adão e Eva para viver nele. Mais tarde escolheu Abraão e seus descendentes para serem Seu povo especial. Também decidiu vir a este mundo como humano para nos resgatar do pecado, por meio da morte e ressurreição de Jesus Cristo.
O Criador deu aos seres humanos a capacidade de fazer escolhas. Esse é um aspecto importante de sermos criados à imagem de Deus. Podemos obedecer ou desobedecer a Deus e enfrentar as conseqüências. (veja, por exemplo, Deuteronômio 30:15, 19 e 20; Apocalipse 3:20). Deus respeita e protege nossa liberdade individual de escolha. Na verdade, Ele quer que a exerçamos, fazendo boas escolhas e assim desenvolveremos o caráter.
Vontade: o desejo de fazer alguma coisa ou alcançar um objetivo. Deus, cujo caráter é uma perfeita combinação de misericórdia e justiça, sempre quer o melhor para Suas criaturas (Jeremias 29:11); Ele nunca Se inclina para o mal (Tiago 1:13). Também quer que todas as pessoas sejam salvas (I Timóteo 2:3, 4) e cresçam espiritualmente (Colossenses 1:9, 10).
Nós, seres humanos, também temos o desejo de fazer coisas e realizar algo. Às vezes o que queremos fazer é contrário ao que sabemos ser direito. Porque o pecado afetou nossa vontade, freqüentemente tomamos decisões egoístas e destrutivas. O apóstolo Paulo estava ciente dessa tendência. Ele escreveu: “Não faço o que desejo, mas o que odeio” (Romanos 7:15, 18-20).
Vontade: propósito, determinação ou plano. Paulo fala do plano de Deus que opera “todas as coisas segundo o propósito da Sua vontade” (Efésios 1:11). Seu plano de salvação, por exemplo, foi elaborado antes mesmo da criação do mundo (I Pedro 1:18-20). Cristo veio a este planeta no momento preciso estabelecido no grande plano da salvação (Gálatas 4:4, 5). Deus sabe o dia e a hora em que Cristo vai voltar a este mundo em glória (Mateus 24:26, 27). Ele designou um dia no qual haverá de julgar todas as pessoas que já viveram (Atos 17:31). Em alguns casos Deus tem revelado partes de Seu grande plano através das profecias. Daniel capítulo 2, por exemplo, delineia os poderes do mundo que têm controlado a história humana desde o império babilônico até o fim dos tempos. Apocalipse 2 e 3 apresentam vários estágios da história do cristianismo.
Seres humanos sempre têm propósitos ou planos. Ao contrário de Deus, porém, nem sempre podemos levar esses planos adiante, ou por que não temos os recursos necessários ou por que as circunstâncias mudam e fogem ao nosso controle.
Um dos tópicos mais intrigantes para os cristãos que acreditam na Bíblia é como Deus vai realizar Seu plano segundo Sua vontade soberana e, ao mesmo tempo, preservar e respeitar a livre escolha de Suas criaturas. Isso levou Paulo a exclamar: “Ó profundidade da riqueza da sabedoria e do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os Seus juízos e inescrutáveis os Seus caminhos!” (Romanos 11:33).
Por que é importante conhecer a vontade de Deus para nossa vida?
Temos de admitir que em nossa condição natural, estamos completamente desinteressados de saber a vontade de Deus. Mesmo quando sabemos o que Deus deseja para nós, temos a tendência de rejeitar ou agir de maneira contrária à vontade dEle. Em outras palavras, rebelamo-nos contra Deus.
Porém, o Senhor anela mudar nossa atitude com relação a Ele, para que possa ser nosso Salvador e Amigo. Ele quer que O conheçamos, amemos e obedeçamos. É por isso que o divino Espírito Santo constantemente fala à nossa consciência, rogando: “Meu filho, dê-me o seu coração; mantenha os seus olhos em meus caminhos” (Provérbios 23:26). Ele nos quer mostrar o caminho de volta e guiar-nos em nossas decisões (Salmo 32:8, 9). Paulo nos encoraja a nos tornarmos especialistas em conhecer a vontade de Deus (Efésios 5:16-17). Se escolhermos obedecê-Lo, Ele nos assegurará uma eternidade em Sua presença (Mateus 7:21, I João 2:17).
Por outro lado, Satanás deseja manter-nos separados de Deus e em rebelião contra Ele. Mesmo quando dizemos “sim” para Deus, Satanás, nosso inimigo, tenta nos afastar para longe dEle. Essa provação constante é chamada de tentação. Cada dia, um drama se desenrola em nossa consciência. Por meio do Espírito Santo, Deus nos convida a alinharmos nossa vontade com a Sua, enquanto Satanás procura nos convencer de que Deus não nos ama e está na verdade nos privando de realmente vivermos “uma vida boa.” Quanto mais persistimos em obedecer a Deus, mais fraca se torna a tentação, porque Deus mesmo fortalece a nossa vontade.
Quando compreendemos a batalha feroz e decisiva na qual estamos engajados, também entendemos porque Deus está tão interessado em nossa saúde física e mental. Ele não quer que nada afete nossa capacidade de escolher livre e inteligentemente entre obediência e desobediência. É por isso que Ele nos pede que mantenhamos o corpo livre de substâncias químicas que nos anuviam o pensamento, e a mente livre de influências negativas que nos alcançam por meio daquilo que lemos, assistimos ou ouvimos. Nada deveria impedir-nos de ouvir claramente Sua meiga voz em nossa consciência.
Existem condições?
Deus estabeleceu três condições básicas para conhecermos Sua vontade em nossa vida:
Confiança: Acredito que Deus é amor e justiça? Se não acreditarmos que Deus existe e deseja o melhor para nós, é impossível compreender Sua vontade (Hebreus 11:6).
Obediência: Decidi-me a obedecê-Lo em tudo aquilo no qual Ele já revelou Sua vontade? Isso requer que tiremos de nossa vida todo pecado ou rebelião de que tenhamos consciência. “Se eu acalentasse o pecado no coração, o Senhor não me ouviria” (Salmo 66:18). Mas, “se pedirmos alguma coisa de acordo com a vontade de Deus, Ele nos ouvirá” (I João 5:14). Mark Twain escreveu ironicamente: “O que me preocupa não são as partes da Bíblia que não compreendo, mas aquelas que compreendo muito bem!”
Submissão: Estou pronto para obedecer ao que Deus revelar-me como Sua vontade? Isso requer uma atitude especial, porque nossa tendência natural é dizer a Ele: “Mostra-me a Tua vontade para minha vida, Senhor, para que eu decida se vou obedecê-Lo ou não!” É como a oração daquele jovem que disse: “Senhor, quero servi-Lo como missionário. Estou pronto para ir a qualquer lugar do mundo, desde que o salário seja bom e o clima agradável!” Essa atitude é baseada no conceito errôneo de que conhecemos melhor do que Deus aquilo que é mais perfeito para nós, e que Ele não está interessado em nossa felicidade ou salvação eterna.
Como devemos proceder?
Há cinco fatores que podem ajudar-nos a conhecer a vontade de Deus, tanto Seu desejo quanto Seu plano para nossa vida. Vamos recapitulá-los.
1. A Bíblia: nas Escrituras, Deus revelou Sua vontade geral (desejo e propósito) para todas as pessoas de todos os tempos. As instruções acerca de Deus contidas na Bíblia são mais específicas do que muitos de nós pensamos. Deveríamos estudá-la regularmente, tanto individualmente quanto em grupo. Na Palavra de Deus, encontramos instruções e exemplos relacionados à nossa salvação, atitude com relação a Deus e outros seres humanos, família, trabalho, finanças, estilo de vida, hábitos e assim por diante.
Paulo diz que nas Escrituras achamos toda a instrução de que necessitamos para termos uma vida boa e obtermos a vida eterna (II Timóteo 3:15-17). Os cristãos atentam para os Dez Mandamentos (Êxodo 20:3-17) a fim de encontrar os grandes princípios morais que definem nosso relacionamento com Deus e com nossos semelhantes (Lucas 10:27). Ao aceitarmos a Jesus como nosso Salvador e Amigo, orientamos nossa vida por esses princípios como uma expressão de nosso amor por Ele. Jesus não somente nos oferece um modelo perfeito de como esses mandamentos podem ser obedecidos num mundo real, mas também salienta a importância deles, destacando suas implicações (Mateus capítulos 5 a 7).
As Escrituras revelam igualmente a vontade de Deus por meio da vida de homens e mulheres, e mostra os resultados de se viver segundo esses princípios ou se rebelar contra eles.
2. O Espírito Santo: Deus nos revela Sua vontade por meio do Espírito Santo falando à nossa consciência. O Espírito Santo é o próprio Deus falando à nossa vontade por meio de nossa consciência (Isaías 30:21). É claro que nossa consciência nem sempre ou necessariamente é a voz de Deus. Ela é o meio através do qual Deus pode falar à nossa vontade. Embora o Espírito Santo tenha sempre atuado nos assuntos humanos desde a criação, foi depois que Jesus completou Seu ministério na Terra que Ele atribuiu um ministério especial ao Espírito Santo (Atos 1:8).
Há momentos em que podemos ouvir a voz do Espírito falando-nos mais claramente e nos quais estamos mais susceptíveis à Sua influência. Isso ocorre quando oramos e permanecemos em silêncio aguardando a resposta de Deus. Isso também pode acontecer quando estudamos uma passagem bíblica, refletimos nela e pedimos que o Espírito Santo nos ensine. Além disso, podemos ouvir a voz de Deus quando nos unimos a outros crentes em adoração, cantando, orando, louvando, compartilhando experiências e ouvindo a pregação da Palavra de Deus.
O Espírito Santo nos ajuda a compreender verdades espirituais (João 16:13) e nos capacita a fazer a vontade de Deus (veja Filipenses 2:13; Hebreus 13:20, 21). O Espírito também estimula nossa imaginação e nos permite compreender a plenitude que experimentamos quando fazemos o que Deus deseja. Ele também nos concede alegria ao obedecermos à Sua vontade (veja o Salmo 37:3-6).
3. As providências da vida: Deus nos ajuda a discernir Sua vontade quando interpretamos sabiamente as circunstâncias e os eventos de nossa vida. Quando tomamos a iniciativa e seguimos em determinada direção, Deus freqüentemente abre ou fecha as portas da oportunidade para nós. Mas, como alguém disse: “Deus não pode guiar um carro estacionado.” Aqui estão alguns exemplos de portas abertas e fechadas: você solicita admissão em três universidades e apenas uma o aceita e lhe dá uma bolsa de estudos. Você pede emprego em duas companhias e apenas uma permite que você honre o sábado. Você encontra alguém num aparente encontro eventual e a conversa o ajuda a tomar uma decisão.
Encontramos na Bíblia vários casos de eventos circunstanciais que Deus usou para revelar Sua vontade. Quando os irmãos de José estavam para matá-lo por causa da inveja, uma caravana de mercadores apareceu e o levou como escravo (Gênesis 37:12-28). Anos mais tarde, sendo José o primeiro-ministro do Egito, disse a seus irmãos que foi Deus que, em Sua providência, o enviara àquele país para preservar sua vida e a vida de toda a sua família (Gênesis 45:7-8).
Rebeca trouxe seu rebanho para beber num poço onde, no mesmo instante, estava Eliezer, servo de Abraão, pedindo a Deus em oração que o ajudasse a encontrar uma boa esposa para Isaque (Gênesis 24:12-46).
Dois eventos da vida de Paulo mostram a providência em ação. Numa de suas viagens missionárias, era a intenção de Paulo pregar o evangelho nos lugares que hoje pertencem à moderna Turquia, mas por duas vezes o Espírito Santo o impediu de ir naquela direção e o fez levar as boas-novas da salvação à Europa (Atos 16:6-10). Noutra ocasião, o apóstolo sentiu a necessidade de viajar a Roma e pregar na capital do império (Atos 19:21); mais tarde ele pôde, de fato, pregar em Roma, mas não como um homem livre, senão como um prisioneiro (Atos 23:11; Filipenses 1:12, 13).
Em cada caso, precisamos interpretar os eventos circunstanciais assegurando-nos de que eles se alinhem com as instruções gerais da Bíblia e a guia interior do Espírito Santo, em vez de contradizê-los.
4. Conselheiros cristãos: pessoas sábias e experientes podem nos ajudar a aplicar os princípios gerais da Bíblia a casos particulares. Podemos ser grandemente beneficiados numa conversa franca com pessoas que nos conhecem (Provérbios 11:14). Obviamente, pais cristãos podem desempenhar essa função (Provérbios 23:22). Também podemos beneficiar-nos da orientação de professores ou mentores cristãos, os quais conhecemos e em quem confiamos. Às vezes, experientes pastores, capelães e líderes da igreja podem desempenhar essa importante função2 (o apóstolo Paulo ouviu os conselheiros de Éfeso durante o distúrbio e não foi ao teatro como planejara; isso provavelmente salvou-lhe a vida. Veja Atos 19:30, 31).
A interação com essas pessoas é útil porque elas podem olhar para nossa situação com certo grau de objetividade. Elas podem fazer perguntas que nos ajudam a clarificar nosso próprio pensamento, e sugerir opções que não havíamos considerado. É claro, se somos casados, deveríamos discutir os planos em profundidade com a(o) esposa(o) e mesmo os filhos, avaliando os prós e contras, porque muitas vezes eles também serão afetados por nossas decisões.
5. Reflexão pessoal: avaliamos os quatro fatores anteriores e tomamos a decisão final. Nesse ponto sintetizamos aquilo que aprendemos no processo, possivelmente preparando uma lista de opções com os aspectos negativos e positivos. Levamos em consideração os princípios encontrados nas Escrituras, os pensamentos que o Espírito Santo nos traz à mente, o senso de direção que percebemos nos eventos, e o conselho recebido das pessoas em quem confiamos. O inventário (“Antes de tomar uma decisão importante”) pode ajudá-lo no processo.
Isso é essencial porque não deveríamos confiar demais em nossa própria opinião, que com freqüência é parcial e limitada. O conselho bíblico é claro: “Não se apóie em seu próprio entendimento” (Provérbios 3:5). “Há caminho que parece reto ao homem, mas no final conduz à morte” (Provérbios 16:25). Ainda assim a decisão final deve ser nossa. Devemos identificar nossa escolha, sentir-nos confortáveis com ela e então prosseguir.
Apesar de dar esses passos, é possível ainda cometermos erros, mas Deus é paciente conosco (Salmo 103:13-14). Deveríamos pedir perdão, replanejar nossas ações e começar de novo.
Conclusão
Durante Seu ministério, Jesus repetiu uma mesma história com algumas variações. É a parábola de um homem que tinha uma fazenda. Antes de se ausentar por um tempo, ele pediu aos servos que cuidassem de seus negócios durante o período em que estivesse longe. Ao retornar, o homem pede um relatório sobre o cumprimento das responsabilidades por parte dos servos. De igual modo, Ele contou a história de um homem rico que confiou parte de sua fortuna a vários empregados, e depois de algum tempo requer uma relação das ocorrências.
A mensagem básica é a mesma: Deus nos deu vida, talentos, oportunidades e opções. Ele nos anima a agirmos com fidelidade e prudência. Ele nos proporciona as diretrizes e então nos permite fazer escolhas. Ele Se alegra quando tomamos decisões sábias e está desejoso de nos ajudar a recomeçarmos após uma escolha malfeita.
Deus quer que tomemos boas decisões. Sua promessa é certa: “Este Deus é o nosso Deus para todo o sempre; Ele será o nosso guia até o fim” (Salmo 48:14). Diante de decisões importantes, oremos como Davi: “Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-me e conhece as minhas inquietações. Vê se em minha conduta algo Te ofende, e dirige-me pelo caminho eterno” (Salmo 139:23, 24).
Humberto M. Rasi (via Revista Diálogo)
REFERÊNCIAS
- Todas as referências bíblicas neste artigo são da Nova Versão Internacional.
- Os adventistas do sétimo dia crêem que Ellen G. White tem proporcionado diretrizes inspiradas e adequadas com respeito a muitos aspectos da vida cristã, baseadas nos princípios das Escrituras. Através dos anos, os adventistas têm consultado seus escritos e encontrado conselhos confiáveis para tomarem decisões sábias.
- Adaptado de Dwight L. Carlson, Living God's Will, pp.153-156.