quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

FUTEBOL, POLÍTICA E RELIGIÃO

“Política, futebol e religião não se discutem. Se quiser ser meu amigo, não me fale de seu partido político, de seu time de futebol ou de sua religião. Cada um que vote em quem quiser, torça para quem quiser e escolha a religião que quiser”.

Certamente essas frases (ou suas variantes) já foram usadas inúmeras vezes para tentar aplacar ou prevenir uma discussão entre dois ou mais dialogantes. Em nosso país, onde a fragmentação política é grande, a paixão futebolesca arrebata e a diversidade religiosa cresce, as pessoas tendem a ficar cada vez mais divididas por esses temas tão pessoais. As preferências são formadas geralmente mais com os sentimentos que com a inteligência. Em consequência da defesa inflamada de um favoritismo pessoal, a violência não é rara quando as divergências estão ladeadas, como em comícios, eleições e jogos. Também as inimizades e discussões muitas vezes brotam quando as pessoas apresentam suas crenças religiosas.

No ano que vem ocorrerá o mais repercutido evento esportivo do mundo. Milhões de pessoas em nosso país interromperão suas atividades para, de forma entusiasmada, acompanhar as partidas de futebol da Copa do Mundo. Poucos meses depois, serão realizadas as eleições gerais no Brasil. Apesar da natureza distinta desses dois eventos, a torcida pelos candidatos não costuma ser muito diferente da torcida pelos times de futebol. Frequentemente os eleitores torcem pelos seus candidatos preferidos com muita paixão, substituindo a racionalidade adequada a uma escolha eleitoral por uma devoção impensada.

Como o cristão, que busca a paz, deve se posicionar diante de divergências que envolvem convicções pessoais? Num passado relativamente recente, os evangélicos brasileiros mantinham-se um tanto alheios e indiferentes à coisa mundana que era considerada a política, e as igrejas reprimiam as paixões esportivas. Mas o crescimento das denominações cristãs coincidiu com as maiores oportunidades de participação política dos diversos setores da sociedade (incluindo as igrejas), e as recreações esportivas deixaram de ser condenadas, a ponto de os novos conversos nem saberem que um dia o futebol foi censurado nos sermões.

Hoje as denominações evangélicas contam com um número de adeptos na casa dos milhões. Os candidatos se dirigem esfomeados às igrejas buscando eleitores entre os fiéis, reescrevendo com linguagem bíblica suas agendas políticas. E, como as ideologias sociais contém tanto elementos convergentes quanto divergentes à fé cristã, há cristãos que passam a aceitar ou rejeitar determinadas ideologias com um fervor religioso, como se uma doutrina política específica fosse parte de sua doutrina cristã.

Surpreendentemente, existe agora a figura do cristão politizado. A ideologia é uma doutrina a mais no seu credo de fé. Assim, a cristandade está sendo dividida não somente pelas diferentes interpretações doutrinárias, mas também pelo sincretismo entre cristianismo e política. Essa situação leva à pergunta: “O ativismo partidário enriquece ou corrompe o cristianismo?”

É indiscutível que a pregação do evangelho resulta em transformação social. Mas a mensagem de Cristo vai além. Seu foco é a redenção espiritual: um ser humano perdido em pecado sendo salvo após o arrependimento por meio da fé em Cristo. Salvo do pecado e da morte eterna. Salvo para uma vida renovada, com pensamentos e atitudes alinhados com a revelação da vontade de Deus encontrada na Bíblia. Mudanças sociais podem ser um caminho para tocar o coração de uma pessoa quanto à necessidade de redenção espiritual, ou são consequências dessa redenção. Não combina com o discurso de Cristo substituir a redenção espiritual pela redenção social.

Nem Jesus nem os primeiros cristãos tiveram como meta mudar as estruturas sociais e políticas de seu tempo. João Batista, por exemplo, esteve mais preocupado com a condição espiritual de seu governante que com suas políticas públicas (Mt 14:3, 4). O apóstolo Paulo orientou os fiéis que a mudança de condição social é questão secundária (1Co 7:20-24), e Cristo recusou Se aproveitar de qualquer posição de liderança política para favorecer Sua missão (Jo 6:15).

Nenhuma ideologia política leva em conta a realidade espiritual, a condição do pecado e o plano da redenção. Respostas mais ou menos satisfatórias para os problemas sociais podem ser dadas, mas a política não apresenta a saída para o mais profundo dilema humano: o pecado, mal que verdadeiramente rouba a dignidade pessoal. Ideais políticos podem traçar caminhos para tirar pessoas da pobreza, da violência, dos vícios, da incultura e da doença, mas são incapazes de oferecer contentamento, paz interior, temperança, conhecimento da Verdade e cura para a alma. Podem melhorar o mundo, mas não melhorar as pessoas. Isso só Cristo faz.

Em vista disso, é irrazoável que o cristão aplique ao ativismo partidário o mesmo fervor que deveria devotar à Grande Comissão de Cristo (Mt 28:19, 20). Pode, e deve até certo ponto, se interessar pelas questões da sociedade, mas seu interesse e sua atuação sempre serão secundárias e subordinadas à missão maior de apresentar Cristo como única esperança para os problemas humanos. Mesmo se trabalhar na política, nenhuma agenda partidária substitui os valores do Reino de Deus. Davi, acima de ser rei, era um homem segundo o coração de Deus. Daniel, antes de ser um estadista, era um profeta do Altíssimo. José, além de ser o governador de uma nação, era principalmente um homem que sonhava os sonhos de Deus. Ester, adiante das preocupações da corte medo-persa, preocupava-se com o povo de Deus.

Numa sociedade polarizada, o cristão não tem a missão de acentuar as diferenças, mas a tarefa de convidar todas as pessoas a uma convergência em torno do Rei Jesus. Só assim as soluções humanas que dividem serão substituídas pela solução divina que une.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

JAULAS

A morte do jovem Vaqueirinho atravessou nossa alma feito lâmina fria. Rasgou sem pedir licença. Tem tragédias que estilhaçam ao extremo este mundo tão quebrado. Esta foi uma delas. Um menino de dezenove anos, ferido desde seu berço de espinhos, entrou na jaula da leoa buscando uma miragem. Sonho, desafio, fuga, pedido de socorro. A leoa reagiu como a natureza reage. Ele se moveu como a dor se move. E o fim chegou rápido e silencioso. Terrível. Neste planeta que perdeu outro filho sem nunca saber o que foi colo.

Ali na jaula não havia culpados. Ambos presos. A fera cercada por ferro, rotina e instinto. O rapaz cercado por abandono, diagnósticos tardios, violência, invisibilidade. Dois seres encarcerados por razões diferentes, e empurrados por forças maiores que seus desejos. Em algum ponto desta história, nasce a pergunta que arde sem resposta: quem poderia ter visto ele antes da jaula virar destino? Quantas oportunidades de cuidado se perderam?

A Bíblia revela um Deus que vê o que o mundo ignora. Ele recolhe cada lágrima em um odre, como quem guarda tesouros que ninguém valoriza (Sl 56:8). Nada escapa ao Seu olhar. Por isso, o milênio será o tempo para mostrar o que agora não entendemos. A justiça que não enxergamos. O coração que desconhecemos. E as correntes invisíveis prendendo um menino que sonhava com leões.

Ellen White escreveu: “O amor de Deus é tão vasto, profundo e completo que envolve todo ser humano” (CC, p.9). Se o amor do Pai é mais forte que a morte (Ct 8:6), nenhuma história terminará no portão lacrado da jaula. A memória divina não esquece anônimos, nem descarta biografias confusas. Aliás, nenhuma história se resume ao seu último ato. Só se for para redimir e perdoar. Diante desse amor, a breve vida do Vaqueirinho não foi só notícia, ele foi um filho sofrido visto do Céu.

Que esta tragédia devore nossa indiferença. Que nos torne atentos aos jovens engatinhando à beira dos precipícios emocionais. Que nos aproxime de quem vive esmagado por dentro. E que, enquanto o milênio não chega, sejamos testemunhas da misericórdia de Deus. Até que tudo se faça novo para cada vida neste mundo de grades visíveis e invisíveis.

Até quando?

Odailson Fonseca (via instagram)

terça-feira, 2 de dezembro de 2025

JUDAS BOM

Poucos notam. Menos ainda lêem. Mas o livro de Judas, escondido entre as cortinas do Novo Testamento, brilha como um vitral à luz do entardecer: breve, misterioso, explosivo. É o último portal antes do Apocalipse. Um prefácio invisível da guerra espiritual final. Judas, servo de Jesus e irmão de Tiago (Jd 1), NÃO é o traidor, é o resistente. Seu nome carrega o peso do escárnio, mas da sua pena escorre advertência, clamor e glória em só 25 versículos.

Ele denuncia infiltrados com palavras cortantes, como espadas afiadas na noite da fé. Falsos mestres se esgueiravam entre os santos como sereias traiçoeiras, armadilhas ideológicas, estrelas errantes, nuvens sem água (Jd 12-13). Judas não escreve com tinta suave. Ele alerta, suplica. Convoca. Lembra Sodoma, cita Caim, menciona Balaão e até revela a disputa de Miguel e Satanás pelo corpo de Moisés (Jd 9). É um livro de bastidores eternos. Revelações intensas. E chamado urgente.

É a carta do fim antes do fim. Judas fala aos que vivem entre o engano e o advento. Como nós. Profetiza escarnecedores zombando da verdade com seus desejos torpes (Jd 18). Fala do agora. Atual! Das vozes relativizando o pecado, dos púlpitos trocando convicção por curtidas. Ele clama por vigilância, por oração no Espírito, por edificação mútua, por compaixão ativa (Jd 20-23). É o livro do confronto com a mornidão disfarçada de sabedoria.

E o autor? Judas, o fiel. Discípulo do Cordeiro. Chamado também Tadeu. Segundo historicistas, pregou na Síria, curou e foi martirizado por sua fé. A tradição aponta que morreu leal à cruz, degolado por se recusar a negar o Senhor. Seu ministério foi discreto, mas sua carta ecoa feito trovão contido entre sussurros proféticos. Judas é o último vigia da estação antes do trem do Apocalipse partir.

Jesus está voltando. E a fé precisa de guardiões. Judas não pede popularidade, clama por pureza. Ele termina exaltando o Único que pode nos guardar de tropeçar (Jd 24). E nos chama à glória com alegria indescritível. “Agora é o tempo de desenvolver energicamente toda faculdade para a honra de Deus” (Ellen White, CBV, p. 401). Chegou a hora. Prepare-se. Avise outros. Lute pela fé. Como Judas.

O Judas bom.

Odailson Fonseca (via instagram)