quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Geração Z - Pais analógicos criando filhos digitais

 Criados em ambientes digitais, filhos invertem papéis, viram professores dos pais e derrubam mito de que novas mídias afastam a família


Ana Luiza e a mãe, Christiana
Assim como há tabus perpetuados por gerações e gerações, há também abismos capazes de se abrir ou se fechar de acordo com as relações estabelecidas entre avôs, pais e filhos. Para a Geração Z, denominação usada para os nascidos de meados dos anos 90 até o início desta década, a “fluência tecnológica” pode encurtar distâncias – não só da jovem geração com o mundo, mas também dentro de casa.

“A Ana Luiza foi quem me introduziu ao MSN, Orkut, plataformas de blog. Aos 8 anos ela já me pediu para ter acesso a esses aplicativos e eu tive que aprender como funciona, as regras, as responsabilidades envolvidas. Desde os 6 anos ela curte novas tecnologias e já fazia livrinhos no Power Point com essa idade”, conta a mãe e analista de sistemas Christiana Ferreira.

Hoje, a pequena “nativa virtual” já tem 12 anos e continua explorando com facilidade os ambientes digitais, antecipando novidades, descobrindo como equipamentos e programas funcionam, sem recorrer a manuais, tutoriais ou mesmo ao conhecimento dos próprios pais. “Outro dia eu comprei uma máquina fotográfica nova e em cinco minutos ela descobriu que ela também funcionava como um GPS. Eles são muito rápidos, aprendem o mecanismo de funcionamento de tudo com uma velocidade impressionante”, diz a mãe.

Casos como o de Ana Luiza ilustram as estatísticas comprovadas por pesquisas feitas tanto no Brasil como no exterior. Aqui, uma recente pesquisa feita pela Quest Inteligência de Mercado detectou que 79% dos internautas da geração Z criam e compartilham informações como vídeos, textos e músicas na web, sendo assim a principal geração produtora e disseminadora de conteúdo virtual. Já o Joan Ganz Cooney Center, centro de pesquisas e inovações norte-americano voltado ao estudo de mídias digitais para o desenvolvimento de crianças, constatou que mais de 1/3 dos pais de crianças com 3 a 10 anos declararam ter adquirido algum conhecimento tecnológico com seus filhos. Segundo o relatório, a maior parte dos pais tem sob controle a “explosão” da mídia na vida das crianças.

Em casa

O acesso à tecnologia faz parte não apenas da vida escolar, mas da rotina familiar de muitas crianças, algumas até em fase pré-escolar. Maria Clara, 5 anos, é filha do publicitário Guilherme Loureiro. Desde os dois anos se interessa pelo computador. “A escolinha tinha um site com jogos feitos para a idade dela e nós a ensinamos a digitar as teclas certas para ela mesma colocar a senha e aprender a jogar”, relembra o pai. Hoje ela não tem problemas em operar um iPad.

Disponibilizar tantas ferramentas e informações aos filhos ainda pequenos causa estranheza e desafia muitos pais a uma reflexão sobre o assunto. Mas, tanto no caso de Ana Luiza como no de Maria Clara, a acessibilidade é supervisionada de perto, com regras muito bem estabelecidas pelos pais, que impõem horários e condições para o uso dos dispositivos. “A cultura tecnológica hoje é uma realidade. Eu não proíbo, mas busco um equilíbrio”, argumenta Guilherme.

Para Christiana, mãe de Ana Luiza, as regras são muito claras e aceitá-las é condição incontestável para ter acesso à tecnologia. Mas, para estabelecer as regras, ela também precisa entender das novidades. “Tenho que aprender constantemente, para saber o que posso liberar e com quais restrições. Se você acompanha e ensina, tanto ela como eu conseguimos nos apropriar da tecnologia de maneira construtiva”, acredita.

Segundo José Milagre, advogado e perito em segurança na internet, o cenário de “pais analógicos criando filhos digitais” exige muito mais que proibição e controle vigiado. Para ele, censurar com guarda-costas digitais, programas Proxy e outras ferramentas do tipo apenas distancia pais e filhos. “As crianças são mais espertas e acabam burlando essas regras técnicas. O melhor caminho é o do bom-senso e do diálogo. Os pais precisam entender essa realidade e marcar presença, navegar, conhecer. Assim terão argumentos para evitar a superexposição dos filhos, afastando-os dos perigos digitais, que não são poucos”, explica.

Experiência digital como ponte

O intercâmbio de experiências digitais pode diminuir conflitos entre pais e filhos. A evolução tecnológica vai apresentar, cada vez mais, novas mídias e formas de se comunicar. Permanecer resistente ou indiferente a tantas mudanças certamente não leva ao estreitamento dos laços familiares. “Antes era a TV, depois veio o DVD, agora há computadores, dispositivos mobiles, celulares. Não são propriamente os novos adventos tecnológicos que distanciam ou aproximam pessoas dentro de casa, mas o diálogo, a abertura ou a falta desses canais de comunicação. A tecnologia pode potencializar um problema, mas nunca é sua causa”, ressalta a neuropsicóloga Mônica Carolina Miranda, da Unifesp.

A engenheira Lucila Saito, mãe de Henrique, 9 anos, e Marilia, 6, não nega: muitas vezes, é mais fácil tirar algumas dúvidas com o próprio filho do que buscar, ela própria, a solução. “Eu tenho um iPhone. Para baixar um aplicativo, recorro ao Henrique, porque eu nunca fiz isso. Tudo para ele é mais fácil. Outro dia mesmo estávamos num restaurante e eu preocupada em voltar para ligar para minha mãe no Skype. De repente o Henrique estava falando com ela no Skype do meu telefone. Nem eu, nem meu marido sabíamos ser possível fazer isso”, conta.

Se hoje existe a possibilidade de alternar os papéis de aprendiz e tutor entre pais e filhos, por que não aproveitá-la com as devidas responsabilidades? “Os filhos têm maior domínio instrumental dessas tecnologias e sabem disso. Mas reconhecem, sim, os pais e os professores como detentores dos porquês de tantas informações”, finaliza Maria Elizabeth Almeida, professora do Departamento de Pós-graduação em Educação da PUC-SP.

Como salienta o perito José Milagre, os ambientes virtuais são como “paisagens naturais” para os representantes da geração Z. Mas o fato de serem habilidosos manipuladores de ferramentas tecnológicas não os torna capazes de lidar com tanta informação. “Eles precisam de educação digital. E quem pode proporcionar isso são os pais e educadores”, recomenda.

Carla Hosoi - iG São Paulo

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