A pregação sempre foi, é e será o ponto alto do culto, a intersecção entre o Céu e a Terra, o momento em que Deus toca mentes e transforma corações. O ministério ganha e transmite vida (ou morte) a partir do púlpito. No entanto, para quem transita por igrejas diversas, já está se tornando lugar-comum a reclamação de que existe uma crise na qualidade da pregação. Onde estão os grandes oradores da atualidade? Por que os nomes associados com a pregação poderosa estão no passado? Qual seria a solução para o suposto declínio do púlpito cristão e adventista?
Sem dúvida, a pregação é um fator essencial na conversão dos pecadores, no sucesso da igreja e na espiritualidade dos membros. As pessoas buscam sermões de qualidade. Entre os cristãos norte-americanos que raramente frequentam a igreja, 18% dizem que não vão porque não gostam do sermão, segundo pesquisa divulgada em agosto de 2018 pelo Pew Research Center. Em outro levantamento feito em 2016, o mesmo instituto constatou que um bom sermão influencia a decisão de quem está procurando uma igreja. Para 83% dos entrevistados, esse é o fator mais importante para a escolha, pesando mais do que o calor humano dos líderes (79%), o estilo do culto (74%) e a localização do templo (70%).
Além disso, no fim do tempo, a pregação tem que crescer tanto em quantidade quanto em qualidade e poder. Os anjos do Apocalipse (14:6-11; 18) que falam com voz poderosa são uma indicação nesse sentido. Nos séculos 18 e 19, quando ocorreu um grande reavivamento na América do Norte e surgiu o adventismo, houve uma explosão no número de pregadores. Segundo dados de Dawn Coleman, num capítulo que focaliza o sermão americano no período antes da guerra, incluído no livro A New History of the Sermon: The Nineteenth Century (Brill, 2010, p. 521), o total de pessoas oficialmente filiadas a igrejas nos Estados Unidos saltou de 17% da população em 1776 para 37% em 1860. Em grande parte, esse crescimento foi catalisado pela pregação, que incendiou a nova república. Coleman completa: “O número de pregadores aumentou de 1.800 em 1775 para 40 mil em 1845 – o que representou não somente um impressionante crescimento bruto, mas também a triplicação no número de pregadores per capita, indo de um pregador para cada 1.500 pessoas a um para cada 500.”
O sermão era uma força unificadora e transformadora. Além da quantidade, o mundo foi agitado por grandes pregadores dos dois lados do Atlântico, como Charles H. Spurgeon (1834-1892), Dwight L. Moody (1837-1899) e Charles Finney (1792-1875). Isso sem falar na geração anterior, como John Wesley (1703-1791), Jonathan Edwards (1703-1758) e George Whitefield (1714-1770). O resultado foi fenomenal.
CAUSAS DO DECLÍNIO
Se a pregação realmente passa por uma crise, quais são as principais causas? Sem ser exaustivo nem apontar o dedo para ninguém, vou enumerar alguns fatores. Primeiro, nota-se uma superficialidade no conhecimento bíblico. Todavia, ninguém consegue pregar com excelência se não tiver base teológica sólida e familiaridade com a Bíblia. Para pregar bem, não basta inspiração momentânea. Alguns temem que a letra mate o espírito, mas o espírito também pode matar a letra. Sem o conteúdo, o pregador se torna um mensageiro sem mensagem. E não ter nada para dizer no púlpito, mais do que escândalo, é uma traição ao legado do evangelho.
Outro aspecto é a mudança no contexto cultural. Vivemos em uma época de ceticismo, entretenimento, consumismo, distração, superficialidade e cinismo. O império do imediato exige tudo para agora. A fragmentação é real em muitas esferas. Essas transformações acabam afetando muitos pregadores, que, buscando agradar o público, nutrem o desejo por popularidade fácil, transformam a plataforma num tablado e pregam a si mesmos. O púlpito se torna um grande cenário para selfies em que Cristo jamais aparece.
Em terceiro lugar, existe a pressão do pluralismo e do relativismo. O nível de incerteza aumenta a cada dia. Nesse contexto, o pregador pode ser tentado a não confiar totalmente na relevância da Bíblia. Passa também a relativizar os aspectos distintivos da teologia e dilui a mensagem. Com isso, ele não prega com convicção. Porém, em uma sociedade instável, a Palavra de Deus deve ser o fator de estabilidade. Para quem crê, Deus é a grande âncora existencial.
Há também a perda de autoridade, potencializada pela facilidade no “preparo” dos sermões. Muitas pregações são entediantes, irrelevantes e dispensáveis. A oferta de materiais na internet tornou-se uma bênção e uma maldição. O pregador que apenas recorta sermões e os apresenta como se fossem seus tem um problema ético. Mas há outra implicação: o corta-e-cola mina a sua autoridade, pois é o processo de preparo que ajuda a solidificar o conhecimento e a espiritualidade do pregador.
Por fim, vem a incoerência entre o discurso e a vida. Na sociedade, falta integridade, sobra hipocrisia. Pregador e audiência podem ser contaminados por esses vícios. O estilo de vida de muitos pregadores nem sempre transmite confiança. Quando o público percebe o orador como aproveitador, demagogo, egoísta, manipulador, oportunista ou simulador, temos um problema sério. Pior ainda é quando ele leva uma vida incompatível com a ética do evangelho, pois o descompasso entre pregação e vida é um desastre para a autoestima do pregador e o poder da pregação.
MUDANÇA DE PARADIGMA
Naturalmente, o próprio ato de preparar a mensagem e o estilo da pregação acabam influenciando o resultado. Em termos de técnica para elaborar e apresentar sermões, os estudiosos veem dois paradigmas principais, especialmente no cenário norte-americano, que tem uma forte tradição de grandes oradores: (1) o método dedutivo, começando com um livro clássico de John Broadus, On the Preparation and Delivery of Sermons (1870), e (2) o método indutivo, introduzido por Fred B. Craddock, com As One Without Authority (1971, 1979) e Overhearing the Gospel (1978). Se o método dedutivo é mais lógico, formal e direto, o método indutivo é mais aberto, intimista e indireto.
Enfatizando a “pregação narrativa”, a “nova homilética” de Craddock desbancou a “velha homilética” de Broadus e mudou os púlpitos na América, o que acabou refletindo em outras partes do mundo. Para Craddock, o ouvinte não deve ser um recipiente passivo, apenas absorvendo o conteúdo estruturado por uma figura autoritativa. Por isso, é importante o pregador recriar para o ouvinte o contexto e a experiência da mensagem, adaptando o estilo da pregação ao gênero do texto bíblico. Nessa perspectiva, a pregação envolve o ato de conduzir o ouvinte em uma viagem de descoberta.
Na verdade, ambos os paradigmas podem ser eficazes. Afinal, forma e conteúdo caminham lado a lado. O estilo grandiloquente de pregar talvez esteja morto, mas a pregação grandiosa não precisa estar. Há muitas maneiras legítimas de apresentar a mensagem: exposição, narrativa, história/biografia, analogia, recriação do mundo contemporâneo dentro da moldura do universo bíblico... A exposição, por exemplo, é um estudo criativo sobre uma seção ou tópico da Bíblia seguindo a moldura e a ênfase do texto. A narrativa leva o ouvinte a se identificar com os personagens e a desejar recriar sua própria história. O importante é apresentar a verdade bíblica com a visão bíblica, nos termos bíblicos, recriando os eventos bíblicos, a fim de iluminar o contexto atual e levar a uma transformação real. O objetivo é transportar a audiência do texto para o contexto, do evento para o advento, da inércia para a ação. O bom conteúdo, é claro, não pode faltar. Pregar é fazer teologia ao vivo.
Independentemente do paradigma adotado, como enriquecer a pregação? Aqui estão dez sugestões:
1. Direcione os holofotes para Deus. Pregação é uma arte e, como toda boa arte, o foco dela não deve estar na técnica nem no artista. Por isso, o aparato de recursos usados para construir o sermão deve permanecer oculto, assim como o conhecimento do pregador não deve ser o destaque. O foco é a teologia, não a habilidade; a mensagem, não o mensageiro; Cristo, não o ser humano. A pregação é eficaz porque procede de Deus, não porque o orador tem carisma.
2. Fundamente a pregação na Bíblia. Este foi o conselho do apóstolo Paulo a Timóteo: pregue a Palavra (2Tm 4:2). Deus fala, e o pregador retransmite as palavras divinas, vivendo de tudo o que procede da boca do Senhor (Dt 8:3). As Escrituras têm poder para salvação, o que não ocorre com notícias de jornal e historinhas adocicadas. Sermão não é comédia, entretenimento nem sessão de terapia. A Bíblia é o livro do Deus vivo e contém palavras de vida. Ela tem o poder de regenerar e transformar. Para pregar com propriedade, é preciso ter uma visão da teologia de todo o livro em que se encontra a passagem do sermão. Não basta ler a Palavra superficialmente; é necessário conhecê-la profundamente. Pregar a mensagem certa, no tom certo, com o efeito certo, é bênção certa. Na Bíblia, a preocupação não é primariamente com a retórica, mas com a verdade.
3. Adote a pregação cristocêntrica. Há muitas passagens indicando que Jesus era o foco da proclamação dos apóstolos e de outros líderes, até porque desejavam convencer o mundo de que Ele era o Messias (At 5:42; 8:35; 11:20; 17:18; Rm 16:25; 1 Co 1:23; 2:2; 2Co 1:19; 4:5; Gl 1:16; Fp 1:15). No Novo Testamento, o nome “Cristo” é mencionado cerca de 530 vezes e “Jesus” aproximadamente 917 vezes. Dos 260 capítulos dessa parte da Bíblia, Cristo aparece em 251 (96,5%). Jesus é também o centro do Antigo Testamento, a Bíblia usada pelo Salvador e os discípulos (Lc 24:13-27, 44-48; Jo 5:39). Portanto, é essencial tornar Jesus o elemento central da pregação, sem forçar o texto bíblico e sem esquecer a relação de Cristo com as outras pessoas da Divindade. Inserir um conceito artificialmente no texto seria uma fraude exegética.
4. Descubra e aperfeiçoe seu estilo. Há vários tipos de pregadores: o criativo, que tem um senso estético e valoriza a beleza e a originalidade; o pragmático, que prefere falar de coisas práticas e de seu funcionamento; o intelectual, que tem talento literário e gosta de burilar o sermão; o comunicador, que tem uma habilidade natural para transmitir conceitos; o evangelista, que se especializa em apelos e busca converter os ouvintes; o exortador, que tenta convencer o público a fazer mudanças; o motivador, que usa estratégias emocionais para propagar sonhos e levar à ação; o homilético, que prefere mensagens devocionais; o professor, que adota o estilo instrucional do ensino; o visionário, que apresenta grandes ideias para ampliar os horizontes. Um pregador quer que você aja, outro deseja que pense, outro quer que entenda, outro ainda deseja que sinta, e assim por diante. Não importa qual seja seu estilo, procure desenvolvê-lo. O mais importante é que você pratique, sinta-se confortável e se torne eficaz.
5. Considere o perfil do público. Todo bom orador leva em conta a maneira pela qual a audiência vive, pensa e se comporta. Isso é o que se chama pregar com inteligência cultural, estabelecendo pontes. Por exemplo, a pregação dos negros norte-americanos faz muito sucesso na tradição protestante e mesmo entre os adventistas. É algo diferente, um tipo de pregação que valoriza a dimensão social do evangelho e em que o conteúdo define o estilo e a retórica. “A pregação negra norte-americana é uma realidade identificável”, escreveu Calvin B. Rock no artigo “Black SDA Preaching” na revista Ministry de setembro de 2000. “Sua energia e imagens a tornam uma proclamação singular do evangelho. É uma forma de arte nascida da fé, enraizada no amor, orientada pela esperança, moldada na provação, nutrida pela fé, mentoreada no sofrimento e autenticada pelo tempo.” Apesar de suas qualidades, alguns públicos podem achá-la exuberante demais. Evite os “ruídos” e busque se conectar com a audiência.
6. Use todas as avenidas para impactar o ouvinte. O evangelho é apreendido pelo intelecto e aceito no coração. A grande pregação envolve o aspecto cognitivo e o afetivo, cabeça e coração. Na medida do possível, ela precisa ser multissensorial. Por isso, o pregador tem que pensar nessas dimensões. Excesso de emoção ou emoção na hora imprópria pode ser prejudicial, mas a emoção em si não é ruim. Apenas monstros e mortos não têm emoção. É preciso equilibrar fatos e experiência, ter o que dizer e saber como dizer, para obter o maior efeito. Como escreveu Ellen White, “o alvo da pregação não é apenas apresentar informação nem meramente convencer o intelecto”, mas “alcançar o coração dos ouvintes” (Review and Herald, 22 de dezembro de 1904).
Floyd Bresee, meu ex-professor de homilética, ilustrou esse aspecto da seguinte maneira: “Como você pode conhecer melhor o Oceano Pacífico: estudando um mapa ou sentindo a areia da praia sob seus pés e o respingar do mar na sua face? Para realmente conhecer o oceano, você precisa de fatos e sentimentos. Como você pode conhecer melhor a Cristo: estudando a teologia que Ele ensinou ou experimentando a sensação de como Ele amou e tratou as pessoas? Para realmente conhecer a Cristo, você precisa de ambos” (Ministry, março de 1984, p. 8).
A retórica fazia parte da arquitetura do pensamento no mundo antigo, que empregava técnicas criativas para tornar os discursos e os escritos mais vivos, bonitos e convincentes. Três elementos integravam o arsenal de recursos retóricos: a confiabilidade do orador (ethos), o apelo à razão (logos) e o toque nas emoções (pathos). Ainda hoje, esses elementos têm sentido. O objetivo não era apenas criar efeito estético, mas persuasivo.
Como parte da retórica persuasiva, empregue ilustrações (do latim lux, “luz”) para iluminar na medida certa a mensagem, facilitar a compreensão, chamar a atenção e cativar o público. Se luz demais ofusca, luz de menos não clareia. As ilustrações e as metáforas servem para maximizar o efeito da verdade no interior. A boa pregação é uma epifania, uma revelação, o descortinar dos movimentos divinos. Para ser profunda, ela não precisa ser árida; pode combinar ensino e imaginação, conteúdo sólido e criatividade.
7. Planeje suas pregações para relembrar o que precisa ser lembrado. A melhor maneira de programar as mensagens é idealizar séries para sábados, domingos e quartas. No sábado, pregue temas bíblicos mais expositivos; no domingo, apresente mensagens evangelísticas; na quarta, coloque assuntos devocionais e práticos. Isso permitirá que você saia do “mesmismo”, dê sequência aos assuntos e sistematize a apresentação do conteúdo. Leve em conta o calendário, a necessidade da igreja e o momento. Ao planejar o cardápio espiritual da sua congregação, é possível equilibrar várias temáticas e contemplar assuntos que costumam ser pouco explorados.
As séries permitem resgatar mais facilmente os grandes temas bíblicos. Pregação não é apenas explicar, aplicar e motivar, mas relembrar.
COMO ESTRUTURAR O SERMÃO
O sermão não é apenas um instantâneo efêmero dos gestos e ênfases de um pregador; é um retrato de atitudes, ideias, pensamentos e sentimentos sobre Deus, a Bíblia, o corpo, a sociedade, o casamento, a vida, a morte, o Céu, a Terra, o presente, o futuro... Como parte de um sistema de comunicação, é o reflexo de um tempo. Assim, quando os intelectuais do futuro olharem para os sermões de hoje, o que encontrarão?
Para ser eficaz, a pregação deve ser bem preparada. Nesse sentido, Derek Morris sugere 12 passos no livro O Poder da Pregação Bíblica (CPB, 2016, p. 17-25):
1. Escolha uma passagem para pregar. Considere o impacto pessoal ao ler um texto bíblico, sua preocupação como líder espiritual, a necessidade social e a ocasião.
2. Estude a passagem escolhida e faça anotações. Leve em conta o contexto e pense nas palavras-chave.
3. Descubra a ideia exegética da passagem. Identifique a grande ideia do texto.
4. Formule a ideia central da pregação. Elabore uma frase simples e marcante que você deseja que seus ouvintes se lembrem e pratiquem na vida diária.
5. Estabeleça seu objetivo. Saiba por que você está pregando tal mensagem.
6. Escolha a forma do sermão. Expositivo, narrativo, tópico?
7. Reúna os materiais de apoio. Isso inclui fatos, citações, ilustrações.
8. Desenvolva a introdução. Ela deverá atrair a atenção dos ouvintes, se relacionar a uma necessidade deles e introduzir a parte principal do sermão.
9. Elabore a conclusão. Ela visa fazer um resumo da mensagem, a aplicação e o apelo.
10. Escreva o sermão. Use um estilo oral.
11. Internalize o sermão. Repasse-o como se estivesse caminhando por ele como um guia turístico, pensando na maneira de proferir a mensagem e até pronunciar as palavras.
12. Ouça a Deus, você mesmo e o público enquanto prega. Procure se libertar do texto e prestar atenção a essas “vozes”.
Marcos De Benedicto (via Revista Adventista)
Nota do blog: Confira mais algumas considerações de Ellen G. White sobre o assunto:
"Deus pede um reavivamento e uma reforma. As palavras da Bíblia, e a Bíblia somente, deviam ser ouvidas do púlpito. Mas a Bíblia tem sido roubada em seu poder, e o resultado é visto no rebaixamento do tono da vida espiritual. Em muitos sermões de hoje, não existe aquela divina manifestação que desperta a consciência e leva vida à alma. Os ouvintes não podem dizer: 'Porventura não ardia em nós o nosso coração quando, pelo caminho, nos falava, e quando nos abria as Escrituras?' (Lc 24:32). Há muitos que estão clamando pelo Deus vivo, ansiando pela divina presença. Permiti que a Palavra de Deus lhes fale ao coração. Deixai que os que têm ouvido apenas tradição e teorias e máximas humanas ouçam a voz dAquele que pode renovar a alma para a vida eterna" (Profetas e Reis, p. 626).
“Há homens que ficam nos púlpitos como pastores, professando alimentar o rebanho, enquanto as ovelhas estão morrendo por falta do pão da vida. Há longos e arrastados discursos grandemente compostos de narrativas de anedotas; mas o coração dos ouvintes não é tocado. Pode ser que os sentimentos de alguns sejam tocados, podem derramar algumas lágrimas, mas seu coração não foi quebrantado. […] O Senhor, Deus do Céu, não pode aprovar muito do que é trazido ao púlpito pelos que professam estar falando a Palavra do Senhor. Não inculcam ideias que sejam uma bênção para os que o ouvem. Alimento barato, muito barato é colocado diante do povo” (Testemunhos para Ministros, pp. 336-337).