Acordamos diariamente bombardeados por notícias sobre a situação do Sr. “Mercado”. O “Mercado” está calmo, está nervoso, está agitado, está bom ou está ruim. De certa forma, todos nós somos influenciados pelo Sr. “Mercado”. Paradoxalmente, os noticiários pouco falam de Deus!
Deus e o mercado. Não seria exagerado dizer que nosso posicionamento em relação a Deus e ao mercado é um dilema que nos leva a importantes decisões na vida pessoal e principalmente nos negócios.
Ao olharmos para a origem do homem, vemos Adão no Jardim do Éden como fiel depositário da exuberante criação divina. Deus havia acabado de criar a Terra, e culminou este ato com a criação do homem “à Sua imagem” (Gn 1:27). E para comprovar a semelhança da criatura humana à Sua imagem, Deus lhe deu a inteligência, o livre-arbítrio para decidir, a sujeição de todas as demais criaturas, o domínio sobre a Terra (Gn 1:28).
Para o bem do homem – Deus criou o primeiro mercado para o homem. “E plantou o Senhor Deus um jardim no Éden, da banda do Oriente; e pôs nele o homem que havia formado” (Gn 2:8). Não seria esta a primeira experiência do homem com o mercado? Não havia sido dito por Deus que tudo o que havia criado – as ervas verdes, os animais, frutos, etc. – deveria ser para a manutenção da raça humana? (Gn 1:29 e 30). O apóstolo Paulo afirma que todas as coisas criadas por Deus estão sujeitas ao homem (Hb 2:7 e 8). Esta foi a primeira regra do mercado: ele existe para a manutenção do homem.
Na sequência, Deus deu ao homem esta ordem: “De toda árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás” (Gn 2:16 e 17). A relação do homem com o mercado no Éden não foi apenas de sobrevivência biológica; havia também uma relação com o Criador, a qual envolvia valores. Esta foi a segunda regra: no mercado criado por Deus, havia valores.
A terceira regra criada por Deus é a relação do homem com o mercado na dimensão do tempo. Deus descansou no sétimo dia da criação, e mais, Ele abençoou e santificou esse dia. Mais tarde, ao revelar Sua lei a Moisés, Deus deixou claro que o sétimo dia – o sábado – não deveria ser utilizado para as atividades de mercado. Fora estabelecido como um monumento no tempo, em homenagem ao Criador e em Sua lembrança (Gn 2:2 e 3; Êx 20:8-11). A terceira regra é: Deus faz parte do mercado.
Portanto, agora temos uma definição para mercado, de acordo com a ótica divina:
• O mercado foi criado por Deus para a sobrevivência do homem.
• O mercado envolve valores.
• O mercado inclui Deus.
Inversão de valores – Desde a queda de nossos primeiros pais até nossos dias, podemos ver como evoluiu esta relação do homem: Deus e o mercado. Sem generalizar, o que vemos hoje, em grande parte, é uma inversão:
• O homem serve apenas para a sobrevivência do mercado.
• O mercado é o único valor.
• O mercado é o deus deste século.
Deus continua o mesmo, mas o homem e o mercado mudaram muito.
Reflitamos um pouco sobre a primeira regra. No Éden, o mercado destinava-se à sobrevivência do homem. Até o século XV, a produção era para o sustento da própria comunidade, e apenas o excedente era ofertado ao mercado. Hoje, o homem trabalha e vive para a sobrevivência do mercado. Ai de quem não acredita no mercado e em seus profetas – é considerado um desvairado! Milhões de seres humanos têm no mercado uma espécie de oráculo para determinar o caminho a seguir.
Embora não possa ser visto, o mercado exerce seu poder de forma implacável. Determina quem será incluído ou excluído, o que tem valor e o que não tem, o que devemos comer e o que não devemos comer, o que devemos vestir e o que não devemos vestir, o que devemos ler e o que não devemos ler, o que devemos amar e o que não devemos amar. Quando o mercado fica de mau humor, as pessoas também perdem a alegria, pois não sabem o que fazer para acalmá-lo. Quando isso ocorre, famílias perdem tudo o que têm, nações oprimem seus cidadãos, todos nós ficamos mais pobres, milhões e milhões de pesssoas passam fome, mas a “fome” do mercado tem que ser saciada. E ainda cremos que o mercado nos pode dar a sobrevivência...
É evidente que a primeira regra estabelecida por Deus para o mercado foi invertida. A criação não é mais sujeita ao homem – ambos estão sujeitos ao mercado. Toda esta inflexão pode parecer uma utopia, um devaneio, um alerta inconsequente. Mas o ponto aqui é: O que realmente importa em nossa relação com o mercado? É possível agir conforme o plano de Deus? É possível inverter esta ordem, ou seja, sujeitar o mercado ao invés de sermos dominados por ele?
Na igreja apostólica – O princípio divino de que o mercado existe para o homem e não o homem para o mercado, funcionou muito bem no início da Igreja Cristã, ainda sob forte influência da vida e dos ensinamentos de Cristo. A Bíblia relata que os cristãos se tornaram conhecidos por compartilharem tudo o que tinham, e que ninguém passava necessidade entre eles. Além disso, os apóstolos – portanto, os líderes – preocupavamse para que isso de fato ocorresse (ver Atos 4:32-37).
Fico imaginando qual seria a postura dos apóstolos de Cristo, os líderes nomeados diretamente por Cristo, no mundo de hoje, caso tivessem que manejar os recursos das igrejas chamadas “cristãs”, diante da força materialista que determina a lógica do mercado atual. O mundo ocidental, que é o lado cristão do planeta, continua acumulando poder e riqueza, e assim fica cada vez mais difícil exercitar a ordem do Mestre: “Amai-vos uns aos outros.” Esta regra não é do mercado. É de Deus.
A segunda regra estabelecida por Deus é de que o mercado envolve valores. O que dizer sobre os valores no mercado de hoje? Temos ouvido e lido muito a respeito de valores e o quanto é importante tê-los definidos em nossas empresas, instituições e igrejas, para que elas se tornem duradouras. Isto é bom, mas há uma grande diferença entre os valores estabelecidos por Deus, no Éden, e os valores estabelecidos pelo mercado, hoje. O problema é que, mesmo não generalizando, o mercado não é confiável para estabelecer valores.
Conhecendo profundamente as aspirações que alimentam a ambição do ser humano, e o mercado trabalha intensamente no sentido de satisfazê-las, a satisfação da ambição humana é o “valor” que está por trás da mentalidade voltada para o consumismo. Para satisfazer esse desejo humano, o mercado não tem escrúpulos. A serviço do mercado, entram em cena seus fiéis sacerdotes e sacerdotisas, assim como significativa parte da mídia. O feio é transformado em belo, o errado é visto como certo, o bom já não é bom, e o que era ruim agora é bom.
O deus deste século – Sobre a terceira regra – o mercado no Éden incluía Deus – não houve inversão; na verdade, ocorreu uma completa substituição: o mercado tomou o lugar de Deus. A continuar como estamos, em breve teremos mais shopping centers – o templo do consumismo – do que igrejas. Na era medieval , as mais belas construções eram as catedrais, que agora dão lugar às torres dos bancos, verdadeiros palácios construídos por conta da usura ditada por uma economia global voraz e misteriosa, alimentada por guerras inexplicáveis, e que consagra a riqueza como o maior valor da sociedade.
Para os fervorosos devotos do mercado, não há mais tempo para o culto e a comunhão diária com o verdadeiro e único Deus, pois tudo gira em torno dos índices, cotações, saldos, juros, lucro e participação de mercado. Sobre participação de mercado, até as religiões disputam a oferta de vantagens, prometendo curas espetaculares, vendendo o sucesso pessoal como um pacote promocional de doações aos seus cofres insaciáveis. É o mercado revestido com uma capa de “santidade”.
Tempo para Deus – No plano de Deus, foi instituído o sábado – um dia especial para o relacionamento entre o Criador e a criatura. Nesse dia o mercado deve parar, não se deve trabalhar, é um dia reservado para se pensar nos verdadeiros valores e propósitos divinos. É o dia em que devemos nos libertar dos jugos do mercado e, pelo menos por 24 horas, nos sentirmos livres de servir ao mercado através do consumo ou da luta pelos nossos negócios, para servir a Deus, o doador da vida, o verdadeiro dono de tudo. “O sábado nos liberta dos laços materialistas” (Trudy J. Morgan-Cole).
Mas por que dizer tudo isso? A verdade é que de uma forma ou de outra, corremos o risco de achar que nossa religião não tem nada a ver com o mercado. Durante seis dias da semana esgrimimos tenazmente no mercado e, no sábado, trocamos nossos sapatos e exercemos nossas práticas religiosas como se nada estivesse acontecendo. Isto é possível? De quem somos fiéis discípulos?
A Bíblia diz que “a fé, se não tiver obras, por si só está morta” (Tg 2:17). Como ter fé e amar a Deus neste mercado tão diferente do plano original do Criador? A quem devemos direcionar nossas obras? Para Deus? Para o mercado? Certamente não podemos imaginar nossa vida rompendo com todo este sistema dominador do mundo atual, mas quem já não sentiu alguma inquietação com tudo isso? É suficiente ser membro da igreja, frequentar os cultos aos sábados, acreditar num corpo de doutrinas de acordo com a Bíblia, e ao mesmo tempo ser do mercado nos outros seis dias da semana? Como viver neste dilema? Que decisões tomar?
Se agirmos com sinceridade, Deus nos mostrará o caminho, e assim poderemos produzir nossas obras de acordo com o plano do Criador. Para que isto aconteça, temos que diariamente reservar um tempo para Ele e buscar uma serena devoção e comunhão para que Ele nos dirija na luta do mercado. Precisamos perguntar como Paulo, no caminho de Damasco: “Senhor, que queres que eu faça?” (Atos 9:6).
Finalmente, lembremo-nos de que neste conflito entre Deus e o mercado, foi este último que crucificou o Filho de Deus, e que este confronto envolve nossas escolhas a cada dia.
Sidney Storch Dutra (via Revista Adventista)