sábado, 31 de outubro de 2020

Ellen White, Lutero e a Grande Reforma

Preeminente entre os que foram chamados para dirigir a igreja das trevas do papado à luz de uma fé mais pura, acha-se Martinho Lutero. Zeloso, ardente e dedicado, não conhecendo outro temor senão o de Deus, e não reconhecendo outro fundamento para a fé religiosa além das Escrituras Sagradas, Lutero foi o homem para o seu tempo; por meio dele, Deus efetuou uma grande obra para a reforma da igreja e esclarecimento do mundo.

Enquanto, um dia, examinava os livros da biblioteca da universidade, Lutero descobriu uma Bíblia latina. Tinha ouvido porções dos evangelhos e epístolas, que se liam ao povo no culto público, e supunha que isso fosse a Escritura toda. Agora, pela primeira vez, olhava para o todo da Palavra de Deus. Com um misto de reverência e admiração, folheava as páginas sagradas; com o pulso acelerado e o coração palpitante, lia por si mesmo as palavras de vida, detendo-se aqui e acolá para exclamar: "Oh! quem dera Deus me desse tal livro!" Anjos celestiais estavam a seu lado, e raios de luz procedentes do trono de Deus traziam-lhe à compreensão os tesouros da verdade. Sempre temera ofender a Deus, mas agora a profunda convicção de seu estado pecaminoso apoderou-se dele como nunca antes. Um desejo ardente de se achar livre do pecado e encontrar paz com Deus, levou-o afinal a entrar para um mosteiro e dedicar-se à vida monástica.

Todo momento que podia poupar de seus deveres diários empregava-o no estudo, furtando-se ao sono e cedendo mesmo a contragosto o tempo empregado em suas escassas refeições. Acima de tudo se deleitava no estudo da Palavra de Deus. Achara uma Bíblia acorrentada à parede do convento, e a ela muitas vezes recorria.

Lutero foi ordenado sacerdote, sendo chamado do claustro para o cargo de professor da Universidade de Wittemberg. Ali se aplicou ao estudo das Escrituras nas línguas originais. Começou a fazer conferências sobre a Bíblia; e o livro dos Salmos, os Evangelhos e as Epístolas abriram-se à compreensão de multidões que se deleitavam em ouvi-lo. Era já poderoso nas Escrituras, e sobre ele repousava a graça de Deus. Sua eloquência cativava os ouvintes; a clareza e poder com que apresentava a verdade levavam-nos à convicção, e seu profundo fervor tocava os corações.
 
Na providência de Deus, ele decidiu visitar Roma. Uma indulgência fora prometida pelo papa a todos quantos subissem de joelhos a conhecida escada de Pilatos. Lutero estava, certo dia, realizando esse ato, quando, subitamente, uma voz semelhante a trovão pareceu dizer-lhe: "O justo viverá da fé" (Romanos 1:17). Ergueu-se sobre seus pés e, envergonhado e horrorizado, deixou rapidamente o cenário de sua loucura. Esse texto nunca perdeu a força sobre sua alma. Desde aquele tempo, viu mais claramente do que nunca antes a falácia de se confiar nas obras humanas para a salvação, e a necessidade de fé constante nos méritos de Cristo. Tinham-se-lhe aberto os olhos, e nunca mais se deveriam fechar aos enganos satânicos do papado. Quando ele deu as costas a Roma, também dela volveu o coração, e desde aquele tempo o afastamento se tornou cada vez maior, até romper todo contato com a igreja papal.

Depois de voltar de Roma, Lutero recebeu na Universidade de Wittenberg o grau de doutor em Teologia. Estava agora na liberdade de se dedicar, como nunca antes, às Escrituras que amava. Fizera solene voto de estudar cuidadosamente a Palavra de Deus e, todos os dias de sua vida, pregá-la com fidelidade, e não os dizeres e doutrinas dos papas. Não mais era o simples monge ou professor, mas o autorizado arauto da Bíblia. Fora chamado para pastor, a fim de alimentar o rebanho de Deus, que tinha fome e sede da verdade. Declarava firmemente que os cristãos não deveriam receber outras doutrinas senão as que se apóiam na autoridade das Sagradas Escrituras. Essas palavras feriam o próprio fundamento da supremacia papal. Continham o princípio vital da Reforma.

Entra Lutero, ousadamente, em sua obra como campeão da verdade. Sua voz era ouvida do púlpito, em advertência ardorosa e solene. Expôs ao povo o caráter ofensivo do pecado, ensinando-lhes ser impossível ao homem, por suas próprias obras, diminuir as culpas ou fugir ao castigo. Nada, a não ser o arrependimento para com Deus e a fé em Cristo, pode salvar o pecador. A graça de Cristo não pode ser comprada; é dom gratuito. Aconselhava o povo a não comprar indulgências, mas a olhar com fé para um Redentor crucificado. Relatou sua própria e penosa experiência ao procurar, sem êxito, pela humilhação e penitência conseguir salvação, e afirmou a seus ouvintes que foi olhando fora de si mesmo e crendo em Cristo que encontrara paz e alegria.

Os ensinos de Lutero atraíram a atenção dos espíritos pensantes de toda a Alemanha. De seus sermões e escritos procediam raios de luz que despertavam e iluminavam a milhares. Uma fé viva estava tomando o lugar do morto formalismo em que a igreja se mantivera durante tanto tempo. O povo estava diariamente perdendo a confiança nas superstições do catolicismo. As barreiras do preconceito iam cedendo. A Palavra de Deus, pela qual Lutero provava toda doutrina e qualquer reclamo, era semelhante a uma espada de dois gumes, abrindo caminho ao coração do povo. Por toda parte se despertava o desejo de progresso espiritual. Fazia séculos que não se via, tão generalizada, a fome e sede de justiça. Os olhos do povo, havia tanto voltados para ritos humanos e mediadores terrestres, volviam-se agora em arrependimento e fé para Cristo, e Este crucificado.

Os escritos e doutrinas do reformador estendiam-se a todas as nações da cristandade. A obra espalhou-se à Suíça e Holanda. Exemplares de seus escritos tiveram ingresso na França e Espanha. Na Inglaterra, seus ensinos eram recebidos como palavras de vida. À Bélgica e Itália também se estendeu a verdade. Milhares estavam a despertar do torpor mortal para a alegria e esperança de uma vida de fé.

[Ellen G. White - História da Redenção, pp. 340-345]

Leia também os capítulos do mesmo livro, Progressos da Reforma e Deixando de Progredir.

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Halloween ou Reforma Protestante?

Doces ou travessuras? É a pergunta tradicional feita há muitos anos por crianças em várias partes do mundo, inclusive em alguns lugares do Brasil, no tal Halloween ou Dia das Bruxas, que é lembrado no 31 de outubro. Não se sabe bem a origem da data, mas tem a ver com cultos pagãos da antiga Europa e com tradições que conduzem ao Dia dos Mortos. Pessoas, sobretudo os pequenos, saem de casa fantasiadas de bruxas ou bruxos, ou mesmo de monstros, em uma estranha honra ou reconhecimento a algo que talvez nem entendam exatamente do que se trata.

Estive nos Estados Unidos, certa vez, poucos dias antes do fatídico dia de a maioria das pessoas assumirem um lado tétrico e de nítida apologia à morte e fiquei surpreso. Uma semana antes, casas eram “decoradas” com alguma coisa que parecia ser teia de aranha, além de réplicas de lápides de cemitério com a inscrição RIP (que significa rest in peace, ou descanse em paz, em alusão clara ao falecimento). Sem falar na quantidade absurda de abóboras sem recheio que “enfeitam” a frente de muitas residências.

Enquanto isso, do outro lado da rua, em uma igreja cristã, a amnésia histórica tomou conta dos cristãos que, um dia, de alguma forma, estiveram ligados a um episódio emblemático ocorrido também num 31 de outubro (de 1517), no distante castelo de Wittenberg, na Alemanha. Ali, um monge questionador e sincero temente a Deus, chamado Martinho Lutero, afixou na porta do castelo o que se convencionou chamar de as 95 teses sobre justificação pela fé. Talvez não saibamos de memória o conteúdo do que Lutero escreveu, mas sabemos que ele questionava atitudes, conceitos e ensinamentos contrários à Bíblia. E mais ainda: ele exaltava a Bíblia como regra de fé para os que se dizem seguidores de Cristo.

Mas a pergunta hoje é outra. Aliás, há outras indagações. O que está sendo mais bem promovido: o Halloween ou a Reforma Protestante? O que é mais lembrado pela sociedade, especialmente a que se autodeclara cristã e conhecedora da Bíblia Sagrada?

O tempo vai passando, mas o Halloween é visto na TV, nas lojas de brinquedos, nos adereços dos supermercados, dos shoppings, nas escolas e ouso até acreditar que em algumas igrejas. A atmosfera do Dia das Bruxas é sentida em vários ambientes e trata de impregnar a todos quantos for possível. Virou moda. É produto tipo exportação para crianças e adolescentes que sabem o que devem fazer nesse dia se quiserem estar em harmonia com a data, mas não sabem, talvez, quem foi Lutero, desconhecem o que diz na Bíblia e são hesitantes ao falar do próprio Jesus Cristo.

Não adianta culpar a Europa antiga e nem a atual por seu desprezo à origem protestante. A responsabilidade é minha e é sua também, que está lendo esse texto. O cristianismo bíblico precisa estar na mente da sociedade, especialmente de crianças, adolescentes e jovens. A Bíblia, contudo, será lembrada com amor, carinho e interesse se for realidade para esse grupo. Eles precisam ver exemplos de adultos, pais, professores, líderes, que realmente consideram o livro sagrado do cristianismo como algo sagrado mesmo. Sagrado, não porque seja intocável, mas porque é a Palavra de Deus válida para hoje e para sempre. Palavra que levou um homem solitário como Lutero a escrever cartas ao líder máximo de sua igreja, à época, pedindo que se observassem os ensinos ali contidos. Que o levou a defender a fé inabalável em Jesus Cristo como suficiente para salvação sem necessidade de indulgências, obras de sacrifício físico, misticismos inventados por inescrupulosos aproveitadores do fervor sincero.

E então? A maior propaganda da Bíblia parece ser uma vida em harmonia com ela. Halloween é forte, principalmente porque o espírito de reformadores, como Lutero, hoje é fraco. Na falta de seguidores fieis e equilibrados da Bíblia, o povo prefere bruxas, doces e travessuras no 31 de outubro. Mas dá tempo de mudar ainda. Basta os cristãos voltarem a ser cristãos.

Felipe Lemos (via Comunicação Estratégica) (Título original: Bruxas ou Bíblias?)

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

INERRÂNCIA BÍBLICA

Inerrância bíblica é a doutrina segundo a qual, em sua forma original, a Bíblia está totalmente livre de contradições, incluindo suas partes históricas e científicas. A inerrância distingue-se da doutrina da infalibilidade bíblica a qual assegura que a Bíblia é inerrante quando se fala de assuntos de fé e de sua prática e não em relação à história e ciência (Wikipedia).


A questão da inspiração e autoridade da Bíblia raramente perturbava os cristãos até um século atrás. Eles consideravam a Bíblia como fonte de sua crença. Aceitavam a autoridade da Bíblia sem defini-la em termos de inerrância. Nenhum dos principais credos católicos ou protestantes discute a noção de inerrância bíblica. Somente desde o século XIX é que essa questão tem dominado o cenário religioso.

Há cinco principais razões pelas quais não devemos adotar a doutrina da inerrância bíblica.

1 — Primeiramente que os autores bíblicos foram os redatores de Deus, e não a pena do Espírito Santo. Eles estavam plenamente envolvidos na produção de seus escritos. Alguns deles, como Lucas, reuniram as informações entrevistando testemunhas visuais do ministério de Cristo (Lc 1:1-3). Outros, como os autores de Reis e Crônicas, fizeram uso de registros históricos que lhes estavam disponíveis. O fato de que tanto os escritores e suas fontes eram humanos, torna-se irreal insistir em que não há declarações inexatas na Bíblia.

2 — Em segundo lugar, as tentativas dos inerrantistas em conciliar as diferenças entre as descrições bíblicas do mesmo evento, amiúde resulta em interpretações distorcidas e rebuscadas da Bíblia. Por exemplo, alguns tentam conciliar os divergentes relatos da negação de Pedro a Jesus com relação ao cantar do galo propondo que Pedro negou a Jesus um total de seis vezes! Tais especulações gratuitas podem ser evitadas por simplesmente aceitar a existência de pequenas e insignificantes discrepâncias factuais nos relatos dos Evangelhos quanto à negação de Pedro.

3 — Em terceiro lugar, por basear a confiabilidade e infalibilidade da Bíblia na exatidão de seus detalhes, a doutrina da inerrância ignora que a principal função da Escritura é revelar o plano de Deus para a nossa salvação. A Bíblia não tem intenção de suprir-nos com informações geográficas, históricas ou culturais precisas, mas revelar-nos como Deus nos criou perfeitamente, remiu-nos completamente, e por fim nos restaurará.

4 — Em quarto lugar, a doutrina da inerrância bíblica é carente de apoio bíblico. Em parte alguma os autores bíblicos reivindicam que suas declarações sejam inerrantes. Tal conceito tem sido deduzido a partir da ideia da inspiração divina. Presume-se que, sendo a Bíblia divinamente inspirada, deve também ser inerrante. Todavia, a Bíblia nunca faz a equivalência de inspiração com inerrância. A natureza da Bíblia deve ser definida indutivamente, ou seja, considerando-se todos os dados propiciados pela própria Bíblia, antes que dedutivamente, ou seja, por tirar conclusões de premissas subjetivas. Uma análise indutiva das discrepâncias existentes na Bíblia não apoia o ponto de vista de inerrância absoluta.

5 — Uma razão final para a rejeição da inerrância absoluta, no caso dos adventistas, são os ensinos de Ellen G. White, e o exemplo da produção de seus escritos. Ela claramente reconhece o papel humano na produção da Bíblia. Escreveu ela:

“A Bíblia aponta a Deus como seu autor, contudo foi escrita por mãos humanas, e no variado estilo de seus diferentes livros apresenta as características dos vários autores. As verdades reveladas são todas dadas por inspiração de Deus (2Tm 3:16); contudo são todas expressas nas palavras dos homens. O Infinito por Seu Espírito Santo derramou luz nas mentes e corações de Seus servos” (Mensagens Escolhidas, vol. 1, p. 25).

A inspiração, segundo Ellen G. White, impressionou os autores da Bíblia com pensamentos, não com palavras:

“Não são as palavras da Bíblia que são inspiradas, mas os homens é que foram inspirados. A inspiração não atua nas palavras do homem, ou suas expressões, mas no próprio homem, que, sob a influência do Espírito Santo, é imbuído com os pensamentos” (Idem, p. 21).

Deus inspirou homens, não suas palavras. Isso significa, como explica Ellen G. White, que a Bíblia “não é o modo de pensamento e expressão de Deus. Os homens muitas vezes dirão que tal expressão não parece como de Deus. Mas Deus não Se colocou em palavras, em lógica, em retórica, em julgamento na Bíblia. Os escritores da Bíblia foram redatores de Deus, não Sua pena” (Idem).

Ellen G. White reconheceu a presença de discrepâncias ou inexatidões na produção da Bíblia e na transmissão de seu texto:

“Alguns nos encaram seriamente e dizem, ‘Não acha que poderia ter havido alguns erros nos copistas ou tradutores?’ Isso é muito provável. (…) [mas] todos os erros não causarão perturbação a uma alma, ou levarão quaisquer pés a tropeçarem, que não manufaturarem dificuldades das verdades mais claramente reveladas” (Idem, p. 16).

“Nem sempre ocorre perfeita ordem ou unidade aparente na Escritura” (Idem, p. 20).

Para Ellen G. White, a presença de inexatidões na produção ou transmissão do texto bíblico é somente um problema para aqueles que desejam “manufaturar dificuldades da verdade mais claramente revelada“. A razão é que a presença de detalhes inexatos não enfraquece a validade das verdades fundamentais reveladas na Escritura.

Obs.: Os adventistas consideram os escritos de Ellen White como possuindo inspiração conceitual, e não verbal. Inclusive, ela mesma não rogava para seus escritos o grau de inerrância.

A Igreja Adventista do Sétimo Dia tem historicamente mantido uma visão equilibrada da Bíblia por reconhecer tanto seu caráter divino quanto humano. Muito do crédito para isso deve-se à direção profética de Ellen G. White.

Em suma, a Bíblia é o produto de uma misteriosa combinação da participação divina e humana. A fonte é divina, os escritores são humanos, e os escritos contêm pensamentos divinos em linguagem humana. Esta combinação singular nos oferece uma revelação digna de confiança e infalível da vontade e plano de Deus para nossa vida presente e destino futuro. Como declarado na primeira das crenças fundamentais dos adventistas do sétimo dia, “As Sagradas Escrituras são a revelação infalível de Sua vontade. São o padrão do caráter, o teste da experiência, a autoridade reveladora de doutrinas e o registro digno de confiança dos atos de Deus na história”.

Trecho de artigo "Inerrância Bíblica" escrito por Samuelle Bacchiocchi (via Adventismo em Foco)

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Os adventistas e as eleições 2020

Em ano de eleições sempre surgem discussões de como a igreja deve proceder, qual deve ser seu posicionamento em relação aos partidos e candidatos e, a questão mais abordada, se os adventistas do sétimo dia devem ou não se envolver com política.
 
A liderança da igreja na América do Sul votou um documento que estabelece os princípios e parâmetros em relação ao tema. O documento traz uma abordagem objetiva, de fácil compreensão (para acessar a declaração oficial, clique aqui).

Quanto à obrigação e ao direito de votar, creio que devemos buscar compreender mais amplamente três aspectos importantes. Primeiro, que a verdadeira esperança não está nos homens, mas em Deus. Ou seja, a verdadeira salvação não está no poder constituído de uma república, mas no Soberano Deus que governa o Universo.

Segundo, que neste mundo conturbado e complexo é preciso pedir ao Senhor discernimento e coragem para tomar decisões que, preservando os princípios sagrados do reino dos Céus, ofereçam oportunidades aos futuros governantes de se mostrarem éticos e responsáveis com a sociedade, rejeitando de vez o colapso moral que envolve o cenário político atual.

O terceiro aspecto tem que ver com o padrão que deve orientar nossa postura nas eleições. O parâmetro não pode ser somente a razão, pois a mente humana está contaminada pelo pecado. Também não pode ser o padrão de uma maioria que luta por uma causa, porque essa maioria frequentemente toma decisões alimentadas por interesses próprios. Igualmente, não pode ser o padrão de uma elite, tendo em vista que elas são propensas ao erro. A Palavra de Deus é o único padrão ideal. Em 2 Timóteo 3:16 e 17, Paulo declarou que toda a Escritura Sagrada é inspirada por Deus e é útil para ensinar a maneira certa de viver. Portanto, a Bíblia fornece toda a orientação necessária para cada área da vida, inclusive a política.

O maior desafio que os adventistas têm não é compreender esses aspectos mencionados, mas colocá-los em prática no contexto eleitoral. Tendo isso em vista, compartilho quatro sugestões que podem ajudar as pessoas a se manterem fiéis aos valores cristãos sem deixar de exercer a cidadania.

1. Discrição
Em Provérbios 5:2, a Bíblia nos orienta a conservar a discrição. Este princípio serve de base para lidarmos com situações polarizadas em torno da política nacional. Os escritos de Ellen G. White também trazem importantes conselhos que podem nos orientar em período de eleições nacionais: (1) devemos “agir com sabedoria, com grande cautela” e “não sacrificar nenhum princípio de nossa fé” (Testemunhos para a Igreja, v. 1, p. 356; (2) devemos abandonar “velhos preconceitos políticos” que vão de encontro aos princípios da verdade; (3) em questões políticas e preferências partidárias “o silêncio é eloquência” (Obreiros Evangélicos, p. 391); e (4) não devemos nos entusiasmar em expressar afeições e preferências políticas que resultem em divisões na igreja (Fundamentos da Educação Cristã, p. 340). Todas essas orientações foram proferidas por Ellen G. White em situações muito específicas que envolveram eleições ou questões relacionadas à política em sua época, mas que são apropriadas para nosso tempo.

2. Avaliação
Infelizmente, nem todos fazem uma avaliação criteriosa dos candidatos que pleiteiam cargo público antes de definir seu voto na urna. Mas não deveríamos deixar de tomar atitudes como: verificar o perfil do candidato ou seja, se ele é vocacionado para o poder público, se tem capacidade para gerenciar as necessidades e prioridades sociais básicas da cidade; se ele defende o direito à liberdade religiosa, se observa os princípios constitucionais e se tem demonstrado valores e critérios éticos em sua história de vida.

Atrelado ao perfil do candidato, é preciso ainda avaliar as propostas de governo que ele defende. Por exemplo, se seu plano de ação vai servir à sociedade, oferecendo qualidade de vida e dignidade aos seus habitantes, ou se esses projetos atenderão apenas interesses próprios ou de seu partido. Avalie com muita atenção se as propostas de determinado candidato valorizam investimentos na educação, saúde e segurança, melhorias no saneamento básico, oportunidade de emprego para a população e o equilíbrio da economia. É igualmente importante considerar o partido ao qual ele está filiado, haja vista que os candidatos hoje são absolutamente regidos por suas legendas.

Buscar informações em fontes adequadas. A internet é um campo repleto de ambientes virtuais que ajudam a ampliar o conhecimento. Mas, diante de tanta informação disponível, é preciso ter cuidado para não cair em armadilhas. Afinal, nem todo conteúdo encontrado na rede é confiável. Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos, Reino Unido, França e Brasil revelou que, de cada quatro pessoas, três verificam se a notícia é verdadeira antes de postar. A maioria dos que tem acesso à informação via internet tem dificuldade para distinguir boatos de informações confiáveis. Especialistas afirmam que as notícias falsas veiculadas na web possuem um padrão característico: geralmente são anônimas. Em vez de conteúdo informativo, apresentam opinião e discurso de ódio; geralmente vêm acompanhadas de muitas propagandas, para obter lucro com a venda de publicidade e estão sempre em sites considerados sensacionalistas.

Informações falsas, boatos e mentiras personificam a parte perversa da natureza humana. O originador da falsidade é Satanás que, além de mentiroso e enganador (Jo 8:44), tem procurado conservar a mente das pessoas na escuridão (2Co 11:4). Para não sermos enganados por ele, nem por seus agentes, busquemos Jesus que é “a luz do mundo” (Jo 8:12) e a verdade que liberta (Jo 8:32; 14:6). O cristão precisa ter a mente de Cristo (2Co 2:14-16), a única capaz de discernir os fatos com sensatez.

3. Oração
Buscar uma opção de candidato que seja honesto, responsável e disposto a servir a sociedade é uma tarefa quase impossível. É como procurar “agulha no palheiro”, justamente porque a classe política de nosso país passa por uma crise de integridade. Tem havido uma sucessão interminável de casos de corrupção envolvendo diferentes setores do poder público. Diante dessa constatação, nos perguntamos o que fazer na hora de votar?

É preciso tomar cuidado com as análises simplistas e as soluções fáceis. Não é certo aderirmos a protestos ou ficarmos indignados. O melhor que temos que fazer é orar ao Senhor em busca de sabedoria para agir. A oração foi o primeiro recurso que a igreja primitiva usou quando Herodes Agripa I, que era um político sem integridade de caráter, usou toda a sua crueldade para prejudicar a igreja (At 12:1-16). Enquanto o apóstolo Pedro se encontrava preso, aguardando o julgamento, a igreja não se revoltou nem protestou na corte de Herodes, mas orou incessantemente a Deus. Greg Laurie, comentando esse episódio, afirmou que “a ação mais efetiva que a igreja poderia ter desenvolvido era uma ação invisível e aparentemente não-agressiva: orar” (A Igreja Que Abala o Mundo, p. 169). Penso que o momento que estamos vivendo exige da igreja um empenho maior por intercessão em favor do país e de seus governantes.

4. Escolha
Toda pessoa habilitada a votar sabe que tem o direito de exercer sua escolha sem imposição e sem pressão. O Código Eleitoral brasileiro determina o sigilo do voto e a privacidade do eleitor no momento de sua escolha, amparando o cidadão para que ele faça uso do livre arbítrio na urna eleitoral. Isso mostra que quando temos o direito de votar, temos também a responsabilidade por essa escolha. Não devemos fragilizar nosso voto em uma eleição cedendo a influências nocivas que procuram afetar nossa consciência e eliminar os sagrados propósitos de Deus.

No século 19, a igreja enfrentou dias tensos com a aprovação da venda de bebidas alcoólicas. Diante dessa situação, Ellen G. White alertou os adventistas a não demonstrarem uma postura passiva no momento de sua escolha eleitoral. Ela escreveu na Review and Herald de 8 de novembro de 1881: “Quantos desmerecem sua prerrogativa como cidadãos de uma república – comprados por um copo de uísque para dar seu voto a algum candidato infame! Como classe, os intemperantes não hesitarão em usar de engano, suborno, e mesmo violência contra os que recusam ilimitada licença ao apetite pervertido”. Ela foi mais enfática ao afirmar: “Aqueles que, mediante seu voto, sancionam o comércio das bebidas espirituosas, serão considerados responsáveis pela perversidade praticada pelos que se encontram sob a influência da bebida forte” (Ellen G. White, Temperança, p. 254).

Ao longo de toda a sua história, a Igreja Adventista defendeu que seus membros assumissem a responsabilidade de cidadãos em sua comunidade, amparado no princípio bíblico de que todo poder civil constituído procede de Deus (Rm 13:1-7). Mesmo reconhecendo ser seu direito de votar livremente, o adventista deve ser sábio em suas escolhas, tomando uma posição firme ao lado daqueles que promovem a verdade, o bem, a vida, a paz, os valores éticos e morais, enfim, um país mais justo.

Fazendo a diferença
Estamos atravessando um momento em que, politicamente na história do mundo, há muita polarização e parece não haver perspectiva para a solução dos problemas sociais. A situação tende a piorar cada vez mais, mas nem por isso devemos ser omissos nem indiferentes com respeito ao dever de cidadania que cabe a cada um de nós exercer.

A igreja é detentora de uma cidadania celestial, mas não se encontra impedida de exercer sua cidadania terrena. O conselho que o apóstolo Paulo deu aos irmãos filipenses serve de orientação para a igreja de hoje: “Não importa o que aconteça, exerçam a sua cidadania de maneira digna do evangelho de Cristo (Fp 1:27, NVI). Elevamos o nível de nossa cidadania quando assumimos ser luz e sal do mundo, promovendo o bem e mostrando que o evangelho de Cristo produz transformações que podem ser úteis à sociedade (Mt 5:13, 14).

Em seu trato, por exemplo, com as muitas questões sociais do país, a igreja não se deixa consumir por um ativismo político raivoso, mas procura dar exemplo de uma comunidade que demonstra amor mesmo em meio às diferenças existentes, inclusive políticas. Sua ética do amor vai além dos irmãos na fé, alcançando também os não tão próximos e os que discordam ideologicamente dos valores do reino de Deus. Como escreveram Paul e Raphael Freston: “Se os cristãos não forem capazes de viver essa ética do amor, dentro da comunidade cristã e justamente no meio da tormenta política que nos divide, como ao país inteiro, não teremos nada a contribuir para com a sociedade, pois ninguém nos reconhecerá como discípulos de Cristo” (“A ética do amor em tempos de cólera política”, Ultimato, Edição 366, Julho/Agosto de 2017).

A atitude da igreja não é promover representantes políticos para concorrer a cargos públicos, muito menos marcar presença constante em movimentos que tentam influenciar decisões diretamente ligadas ao parlamento civil do país. O correto é a igreja revelar Jesus como o maior exemplo de integridade, demonstrando atitudes resultantes de uma vida espiritual autêntica e bíblica, bem como de uma fé verdadeira, para que as boas notícias do evangelho cheguem ao povo oprimido, injustiçado, abandonado e assaltado por um sistema de poder político corrompido. Sem dúvida, esse é o diferencial maior do povo de Deus que, enquanto peregrino neste mundo (Sl 119:19), aguarda viver plenamente feliz como cidadãos de uma pátria superior (Hb 11:16). Enquanto isso, a igreja não perderá sua consciência responsável de cumprir seu dever na escolha eleitoral de seus governantes.

Wagner Augusto Vieira Aragão (via Revista Adventista)

terça-feira, 27 de outubro de 2020

Os adventistas e a dignidade humana

"Promovendo a liberdade religiosa, a vida familiar, a educação, a saúde e a ajuda mútua, e atendendo às necessidades humanas, os adventistas do sétimo dia afirmam a dignidade da pessoa humana criada à imagem de Deus".
1 - Trecho extraído da declaração feita pela Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia, no dia 17 de novembro de 1998, por ocasião do 50o aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Por que, como igreja, cremos na dignidade de todo ser humano e a proclamamos ao mundo? Por que o direito de cada homem e mulher à igualdade, saúde, liberdade, oportunidades pessoais e vocacionais, expressão e culto, independentemente de raça, religião, nacionalidade, idioma, cor ou tribo, é tão fundamental à visão e missão da igreja? A resposta é simples. Nossa missão em prol da dignidade humana não deriva de política, educação, sociologia ou psicologia. Ele está enraizado no compromisso de fé que temos com nosso Deus Criador.
Assim sendo, quando falamos em dignidade humana, temos de começar com o relacionamento Deus-homem e isso envolve profundas implicações teológicas e relacionais. Tal consideração leva em conta a realidade da Criação, a cruz, o Espírito Santo, a lei moral e o discipulado.

Criação e dignidade humana

O conceito adventista de dignidade humana teve sua origem na própria mente de Deus, quando Ele, em Sua infinita sabedoria, tornou a humanidade a coroa de Seu processo criativo. Quando o Criador disse: "Façamos o homem à Nossa imagem" (Gênesis 1:26),2 estava compartilhando com os seres humanos algo de Sua singularidade. O ser humano não é mera criatura. Seu lugar na criação é absolutamente singular. Foi-lhe atribuído o domínio "sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra". Foi-lhe concedida a faculdade de pensar, escolher, ser criativo e desfrutar parceria com Deus por meio de comunhão e mordomia.
Todas as demais criaturas são também "seres viventes", mas os seres humanos devem refletir a imagem de Deus e ser cumpridores da Sua vontade. Adão recebeu uma missão: gerenciar o planeta Terra. A diferença entre o conceito bíblico e as antigas tradições ou a teoria da evolução é imensa. Não somos o produto acidental de um longo e sinuoso processo evolucionário, nem a ação arbitrária de uma divindade lunática. Somos fruto do amor de Deus e parte de Seu desígnio universal. Somos chamados a ser os principais protagonistas de um extraordinário destino. Portanto, quando lidamos com seres humanos, estamos lidando com o seu Criador. É esse parentesco divino que fundamenta o conceito adventista de dignidade humana.

A cruz e a dignidade humana

O segundo fator que reforça a âncora teológica da dignidade humana, como defendido pelos adventistas, é que Deus não abandonou a raça humana à morte e destruição, mesmo após ter ela se rebelado contra a Sua vontade. Quando Adão e Eva pecaram no Jardim do Éden, revoltaram-se contra a manifesta vontade divina e se tornaram merecedores de morte. Mas Deus preferiu enfrentar o pecado de uma forma diferente. Rebeldes como fossem, Adão, Eva e seus descendentes eram ainda Sua criação, e Deus preferiu enfrentar a rebelião com redenção, a morte com vida, o ódio com amor. "Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o Seu Filho unigênito, para que todo o que nEle crê não pereça, mas tenha a vida eterna" (João 3:16). Embora sejamos pecadores e a despeito de quão longe tenhamos ido, ainda somos a preciosa propriedade de Deus. Ele nos dotou de certa dignidade. Não obstante seja firme propósito de Satanás destruir essa dignidade mediante o pecado e seus vários meios enganosos, Deus, mediante Seu Filho Jesus, revelou quão valiosos somos à Sua vista. Tanto assim que Jesus morreu na cruz por nossos pecados. Por isso, a cruz se torna a afirmação perdurável de que todo ser humano é uma pessoa de imenso valor e dignidade. De fato, Jesus de tal modo Se identificou com a humanidade, que aquilo que fazemos a uma pessoa equivale a tê-lo feito ao próprio Cristo. "Em verdade vos afirmo que sempre que o fizestes a um destes Meus pequeninos irmãos, a Mim o fizestes" (Mateus 25:40). Portanto, toda vez que alguém sofre abuso, tortura ou humilhação, Cristo é atingido. A criatura de Deus, motivo da redenção provida por Cristo, nunca deve ser tratada como um objeto comum a ser manipulado, mas como uma joia insubstituível.

A dignidade humana e o templo do Espírito Santo

Se os atos criativos e redentores de Deus propiciam o fundamento para o nosso conceito de dignidade humana, essa concepção é ainda elevada a maiores alturas pela proclamação bíblica de que somos o templo do Espírito Santo. "Não sabeis que sois santuário de Deus, e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destruir o santuário de Deus, Deus o destruirá; porque o santuário de Deus, que sois vós, é sagrado" (I Coríntios 3:16 e 17). E novamente: "Acaso não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo que está em vós, o qual tendes da parte de Deus, e que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por preço" (6:19 e 20).
Declarar que somos o templo de Deus e que nosso corpo é o lugar de habitação do Espírito Santo, é atribuir a mais elevada dignidade possível ao ser humano. Mesmo um descrente não ousaria pensar em cometer sacrilégio contra um local de adoração. Como, pois, podemos insultar nossos semelhantes, seres criados à imagem de Deus e templos em potencial do Espírito Santo? Ninguém é demasiado insignificante, pobre e indigno para ser tratado com desrespeito. E isso não é tudo. Nossa doutrina de dignidade humana chega ao ponto de requerer que tratemos nossa mente e nosso corpo com o maior cuidado, e que não permitamos estejam eles sujeitos a abuso ou maus-tratos de qualquer espécie. Assim, o apelo adventista em prol da dignidade humana procede da nossa atitude com relação a nós mesmos, para envolver toda a humanidade em escala global.

A dignidade humana e os mandamentos de Deus

Os Dez Mandamentos podem ser chamados de a primeira declaração de direitos humanos. A violação de um deles afeta diretamente a qualidade de vida, paz e dignidade humanas. Jesus sumariou os Dez Mandamentos em poucas palavras: "Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento... Amarás o teu próximo como a ti mesmo" (Mateus 22:37). Os primeiros quatro mandamentos tratam da nossa aliança com Deus, que é a origem de nossos direitos. Os últimos seis definem nosso relacionamento uns com os outros como seres humanos. Conquanto Deus permaneça como o supremo ponto de referência e definidor de nossa atitude para com outros, é nas especificações da segunda parte da lei moral que temos as relações humanas codificadas. Você acha que alguém, tendo sua bússola moral calibrada pelos Dez Mandamentos, possa mentir, matar ou manifestar desprezo e desrespeito para com seu próximo? Esse relacionamento conceitual entre a lei moral e a dignidade humana foi ampliado ainda mais por Jesus no Sermão da Montanha. Um exemplo basta: Jesus definiu o assassinato não simplesmente como o ato de tirar a vida de alguém, mas até ofato de desprezar e chamar um semelhante de louco (ver Mateus 5:21 e 22). Daí a ênfase adventista sobre a lei moral e a incorporação do amor puro e ilimitado para o qual ela aponta, constituir-se o firme e inabalável fundamento de nossa defesa da dignidade e dos direitos humanos.

Dignidade humana: Implicações no discipulado

Para os adventistas do sétimo dia, a dignidade humana não deve aparecer como algo distante e inatingível. Isolar as crenças da prática tem sido uma contínua tentação em nossa vida religiosa, e isso não se mostra mais real do que na arena das relações humanas. Quando Deus nos ordena amá-Lo com todo o nosso ser e aos nossos semelhantes como a nós mesmos, está apelando a um retorno à meta da vida como planejada originalmente por Ele. O centro da vida é o relacionamento bom e apropriado, tanto com Deus quanto com os seres humanos. O profeta Isaías declara quão inseparáveis são: "Porventura não é também este o jejum que escolhi, que soltes as ligaduras da impiedade, desfaças as ataduras da servidão, deixes livres os oprimidos e despedaces todo jugo? Porventura não é também que repartas o teu pão com o faminto, e recolhas em casa os pobres desabrigados, e se vires o nu, o cubras, e não te escondas do teu semelhante?" (Isaías 58:6 e 7.)
A religião, portanto, é mais do que uma rotina formal. É mais do que belas frases, comoventes orações, hinos inspiradores ou reuniões movimentadas num templo elegante e confortável. Não se trata de um catálogo de doutrinas, a despeito de quão importantes elas sejam. É vida real! Como declara Tiago: "A religião pura e sem mácula para com o nosso Deus e Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações, e a si mesmo guardar-se incontaminado do mundo" (Tiago 1:27). Em outras palavras, não pode haver verdadeira experiência religiosa sem respeito pela dignidade humana.
Isso explica por que os adventistas, desde o início de sua história, têm-se comprometido em defender o valor de todo ser humano. Desde o princípio foi adotada uma firme posição contra toda forma de injustiça social. Ellen White escreveu: "A escravidão, o sistema de castas, os preconceitos raciais, a opressão dos pobres, a negligência dos desventurados -- isso tudo é estabelecido como anticristão e uma séria ameaça ao bem-estar da humanidade, e como males apontados por Cristo que a Sua igreja tem o dever de vencer".3
E também: "O Senhor requer que reconheçamos os direitos de todos os homens. Os direitos sociais dos homens, e seus direitos como cristãos, devem ser tomados em consideração. Todos têm de ser tratados fina e delicadamente, como filhos e filhas de Deus".4
Como resultado, nossa igreja desenvolveu um ministério de restauração e respeito pela dignidade humana. Mediante um sistema global de igrejas, escolas, hospitais, serviços comunitários e a Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais (ADRA), os adventistas difundem a mensagem de preocupação e cuidado para com toda a humanidade em 203 dentre 208 países reconhecidos pelas Nações Unidas. Entre as igrejas cristãs, assumimos um papel de liderança na promoção da liberdade religiosa para todos. Através da pena e da voz, de missão e ministério, não somente suscitamos mais tentamos oferecer uma resposta significativa a perguntas como: De que forma estamos defendendo e promovendo os direitos humanos? Que deve ser feito quanto às várias formas de discriminação em diferentes países? Como nos relacionamos com políticas que tratam de guerra e terror? Que dizer de sistemas e estruturas políticas que podem afetar a vida das pessoas, gerar fome, refugiados e campos de concentração? Como devemos reagir à tragédia humana da AIDS? Que dizer da exploração do trabalho infantil, da escravidão e da condição da mulher?
Não pretendemos ter todas as respostas ou soluções eficazes para todos os problemas. Mas levantar tais indagações e agir em cooperação com outras agências na promoção dos valores humanos são, por si só, tarefas necessárias. Não podemos de forma alguma dar-nos ao luxo de permanecer em silencio no que se refere à violação do ser humano.

Margem alguma para o silêncio

Em 1988, Zdravko Plantak publicou um livro corajoso sobre nossa igreja e os direitos humanos. O título por si só é eloquente: The Silent Church [A Igreja Silenciosa]. Ele escreveu: "Os adventistas precisam começar a envolver-se (no mundo) porque o seu Deus Se interessa nisso e deseja que eles cuidem uns dos outros. Identificar-se com Jesus significa identificar-se com pobres, oprimidos e aqueles a quem têm sido negados os direitos e liberdades básicos. Não é suficiente cuidar da pessoa e deixar de preocupar-se com as leis que afetam a vida dela na sociedade".5
Os pioneiros adventistas entendiam isso perfeitamente. Ellen White pode não ter promovido uma melhoria das condições dos escravos, mas condenou a escravidão em termos bem vigorosos: "A instituição da escravatura... permite [o homem] exercer sobre seu semelhante um poder que Deus nunca lhe conferiu, e que pertence somente ao Senhor".6Ela prosseguiu condenando a política escravagista como "um insulto a Jeová".7
Tiago White escreveu que o cristão "tem realmente tanto interesse neste velho mundo quanto qualquer outro homem. Aqui ele deve permanecer e fazer sua parte até que o Príncipe da Paz venha para reinar".8
Essa visão dos pioneiros, de que o cristão deve ir além da metodologia tradicional de assistência social, até os problemas da dignidade e valor humanos, refletiu-se na resolução da Associação Geral de 1865: "Resolvido que, a nosso ver, o ato de votar quando exercido em benefício da justiça, humanidade e direito, é em si mesmo correto e pode às vezes ser altamente apropriado; mas a admissão de tais crimes como intemperança, insurreição e escravidão, consideramos como altamente condenáveis à vista do Céu".9
Essa resolução apelava à promoção e defesa da dignidade humana mediante "o ato de votar" para mudar a lei. Contudo, os pioneiros estabeleceram um limite: "Mas devemos reprovar qualquer participação no espírito de disputa partidária".10

A dignidade humana: Um valor central

Assim, para os adventistas, a dignidade humana é um valor essencial. Não devemos apoiar de modo algum uma política ou atitude que negue a dignidade de qualquer segmento da humanidade. Como igreja, devemos ser prudentes e sábios ao falarmos oficialmente, mas ser uma igreja silenciosa sobre questões vitais é envergonhar-se de Jesus, nosso Salvador e de Deus, nosso Criador. Como membros da igreja, não devemos tomar parte em nenhum empreendimento que transforme alguém feito à imagem de Deus em uma coisa ou objeto. A questão não tem a ver somente com coerência, mas também com testemunho. Nunca devemos nos esquecer de que somos embaixadores do reino de Deus na Terra, e arautos de uma nova criação que restaura e estabelece para sempre a dignidade humana. Só então, "romperá a tua luz como a alva, a tua cura brotará sem detença, a tua justiça irá adiante de ti, e a glória do Senhor será a tua retaguarda" (Isaías 58:8).
John Graz (via Diálogo Universitário)

Notas e referências:

  1. Declarações de Igreja, 1a. ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2003), p. 59.
  2. Todas as referências bíblicas deste artigo foram extraídas da Versão Almeida revista e atualizada no Brasil.
  3. Ellen G. White, Life Sketches of Ellen G. White (Mountain View, Calif.: Pacific Press Publ. Assn., 1943), p. 473.
  4. __________, Obreiros Evangélicos (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1993), p. 123.
  5. Zdravko Plantak, The Silent Church (Nova York: St. Martin's Press, Inc., 1998), p. 48.
  6. Ellen White, Testemunhos Para a Igreja (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2000), vol. 1, p. 358.
  7. Ver Douglas Morgan, Adventists and the American Republic (Knoxville: The University of Tennessee Press, 2001), p. 31.
  8. Tiago White, citado por Morgan, p. 34.
  9. "Report on the Third Annual Session of the General Conference", p. 197; citado por Morgan, pp. 36 e 37.
  10. Ibidem.

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Como dialogar sobre suas crenças

Em tempos de polarização, aprender a dialogar sobre sua própria fé numa cultura relativista e muitas vezes cética é um desafio para boa parte dos cristãos. Como você lida, por exemplo, com perguntas sobre tópicos delicados como descrença em Deus, a existência do mal, a criação em seis dias literais ou a posição bíblica sobre homossexualidade? As dicas abaixo podem ajudá-lo a evitar confrontos e a transformar essas situações em oportunidades de testemunho e crescimento pessoal.

1. NÃO SE DEFENDA
Quando alguém discorda de você ou ridiculariza um ponto de sua fé, a tentação inicial é responder defensivamente, valendo-se muitas vezes de respostas prontas ou acusatórias. O problema é que essa atitude não convence os céticos bem informados, além de estimular o sarcasmo e dificultar o diálogo. Não defenda a si mesmo; existem vitórias mais importantes para ganhar.

2. FAÇA PERGUNTAS
As pessoas estão mais interessadas em falar sobre o que acham do que em ouvir o que os outros pensam. Perguntas educadas e sinceras podem ajudar você a entender por que a outra pessoa crê daquela maneira. Questione quais são os dados, especialistas ou experiências nos quais ela se fundamenta. Dessa maneira, caberá a ela se defender e argumentar sobre o próprio ponto de vista. Lembre-se de que a verdade é clara e simples, enquanto o erro é sinuoso e demanda muitas explicações. Não se desespere se for confrontado com informações que não domina. Reconheça suas limitações e pesquise posteriormente sobre isso. Não tente “converter” com uma conversa apenas. Sua função é colocar “pedras no sapato” do interlocutor.

3. OUÇA
Preste atenção nas respostas dele, no dito e no não dito. Muitas pessoas que parecem apresentar argumentos racionais para descrer, na verdade estão sendo movidas por questões emocionais, como o trauma de uma perda, ou pela decepção com a hipocrisia da igreja. Entender as entrelinhas dessa descrença vai ajudá-lo no próximo passo.

4. COLOQUE UMA “PEDRA NO SAPATO”
Uma “pedra no sapato“ é uma informação ou pergunta que você levanta que não pode ser ignorada por seu interlocutor, seja porque desafia a visão de mundo dele ou porque ele ainda não tem uma resposta satisfatória para a questão. Esse “desconforto” talvez o leve a refletir até a conversa seguinte e a se abrir para ouvir seus argumentos.

5. DISCORDE SEM DESRESPEITAR
Como adventistas, cremos numa verdade objetiva e absoluta, conforme revelada na Bíblia, mas acreditamos também que cada pessoa tem valor incalculável para Deus; portanto, merece nosso respeito. Isso não significa concordar com o erro. Contrariando a cultura atual, devemos deixar claro que as pessoas são iguais em termos de valor, mas que existem ideias melhores do que outras: algumas são verdadeiras, enquanto outras são equivocadas e até destrutivas. Demonstre em sua linguagem corporal e atitudes que valoriza o outro. Desse modo, ainda que continue discordando, poderá estabelecer ou fortalecer uma amizade. Reflita sobre o que pode aprender com essa pessoa e seu ponto de vista, e continue orando para colaborar com a ação do Espírito Santo na vida dela.

Nathan Tasker (via Revista Adventista)

Nota: Segue abaixo mais algumas dicas de Ellen G. White:

"A obra especial, enganosa de Satanás tem sido a provocação de debates, para que haja contendas em torno de palavras, que nenhum proveito trazem. Bem sabe ele que isto ocupará a mente e o tempo. Desperta a combatividade e sufoca, na mente de muitas pessoas, o ardor da convicção, levando-as à diversidade de opiniões, acusação e preconceito, o que cerra a porta para a verdade" (Evangelismo, p. 155).

"Na Sua maneira de tratar com Tomé, Jesus deu uma lição para Seus seguidores. Seu exemplo nos mostra como devemos tratar aqueles cuja fé é fraca, e põem suas dúvidas em destaque. Jesus não esmagou a Tomé com censuras, nem entrou com ele em discussão. Revelou-Se ao duvidoso. Tomé fora muito irrazoável em ditar as condições de sua fé, mas Jesus, por Seu generoso amor e consideração, venceu todas as barreiras. Raramente se vence a incredulidade pela discussão. Antes, isso como que a põe em guarda, encontrando novo apoio e desculpa. Mas revele-Se Jesus, em Seu amor e misericórdia, como o Salvador crucificado e, de muitos lábios antes contrários, ouvir-se-á a frase de reconhecimento, proferida por Tomé: 'Senhor meu e Deus meu!' (João 20:28)" (O Desejado de Todas as Nações, p. 808).

"Não somos chamados a entrar em controvérsia com aqueles que mantêm teorias falsas. A controvérsia é sem proveito. Cristo nunca participou dela. 'Está escrito' é a arma que o Redentor do mundo usava. Conservemo-nos bem achegados à Palavra. Deixemos que o Senhor Jesus e Seus mensageiros testifiquem. Sabemos que seu testemunho é verdadeiro" (Life Sketches, p. 93).

"Não cultiveis um espírito de controvérsia ou polêmica. Pouco bem é realizado pelos discursos acusatórios. O mais seguro meio de destruir falsas doutrinas, é pregar a verdade. Apegai-vos à afirmativa. Fazei com que as preciosas verdades do evangelho matem a força do mal. Manifestai um espírito brando, compassivo para com os que erram. Ponde-vos em contato com os corações" (Evangelismo, p. 304).

“Não devemos, ao entrar em um lugar, criar barreiras desnecessárias entre nós e outras denominações, de maneira que eles pensem que somos declarados inimigos seus. Não devemos suscitar preconceito desnecessariamente em seu espírito, fazendo ataques contra eles” (Manuscrito 14, 1887).

“Esta mensagem tem de ser dada, mas conquanto tenha de ser dada, devemos ter cuidado em não acusar, constranger e condenar os que não possuem a luz que nós possuímos. Não devemos sair de nosso caminho a fazer duras acusações aos católicos. Entre eles existem muitos que são cristãos conscienciosos, que vivem segundo a luz que lhes é proporcionada, e Deus operará em seu favor” (Obreiros Evangélicos, p. 329).

sábado, 24 de outubro de 2020

O pastor e as questões políticas

Política é o palco do poder. E poder é a imposição de uma vontade sobre a outra. Sempre que a vontade de alguém é substituída pela de outra pessoa estamos diante de uma manifestação de poder e, portanto, de algum nível de política. Geralmente, as discussões políticas giram em torno da busca por um mundo melhor construído pelo homem. Entretanto, de acordo com a cosmovisão bíblica, isso é impossível. Como reflexo de nossa realidade, as discussões sobre ideologias políticas também alcançaram os líderes religiosos. Contudo, parece que esse assunto não deveria ocupar o tempo dos ministros do evangelho. Ellen White escreveu: “O Senhor quer que Seu povo enterre as questões políticas. Sobre esses assuntos, o silêncio é eloquência. Cristo convida Seus seguidores a chegar à unidade nos puros princípios evangélicos que são positivamente revelados na Palavra de Deus” (Fundamentos da Educação Cristã, p. 475)

Independentemente das condições de vida de um país, a Bíblia chama as pessoas a se arrepender e crer no evangelho, proclamando que o reino de Deus está próximo. Essa é a essência da mensagem divina do Antigo ao Novo Testamento. Esse é o cerne da pregação dos reformadores do século 16, dos mileritas do século 19 e dos adventistas até a segunda vinda de Jesus. Todos os mensageiros evangélicos da história viveram em cidades com melhores ou piores condições de vida, com gente brigando por poder, mas não colocaram sua atenção no sistema nem nas circunstâncias. Em vez disso, pregaram a mensagem de juízo e de salvação, levando os ouvintes a decidir sobre seu destino eterno.

Se não pregarmos a Bíblia, quem pregará? Se misturarmos a Bíblia e a política, a Palavra de Deus será rebaixada à condição humana. Se os ministros de Deus se concentrarem nas coisas deste mundo, quem serão os pregadores do evangelho de Jesus? Quem anunciará a esperança da vida eterna? A quem as pessoas recorrerão quando quiserem aprender as Escrituras? “Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo. Como, porém, invocarão Aquele em quem não creram? E como crerão Naquele de quem nada ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue?” (Rm 10:13, 14). “Vós sois o sal da Terra; ora, se o sal vier a ser insípido, como lhe restaurar o sabor? Para nada mais presta senão para, lançado fora, ser pisado pelos homens” (Mt 5:13).

Se um pastor acha que prestaria um serviço melhor à humanidade por meio da política, não deveria ser coerente e deixar o ministério pastoral, dedicando-se à carreira política integralmente? Ellen White foi muito contundente quanto a esse assunto, ao escrever que “todo mestre, ministro ou dirigente em nossas fileiras que é agitado pelo desejo de ventilar suas opiniões sobre questões políticas, deve converter-se pela crença na verdade ou renunciar à sua obra”, afinal, “o dízimo não deve ser empregado para pagar ninguém para discursar sobre questões políticas” (Fundamentos da Educação Cristã, p. 477). 
 
Em vez disso, cada ministro deve se lembrar de que a “cada dia o tempo de graça de alguém se encerra. Cada hora alguns passam para além do alcance da misericórdia. E onde estão as vozes de aviso e rogo, mandando o pecador fugir desta condenação terrível? Onde estão as mãos estendidas para o fazer retroceder do caminho da morte? Onde estão os que com humildade e fé perseverante intercedem junto a Deus por ele?” (Patriarcas e Profetas, p. 92). Como disse o apóstolo Paulo, “importa que os homens nos considerem como ministros de Deus” (1Co 4:1).

(via Revista Ministério)

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

10 dicas para a escolha dos líderes da igreja

A escolha de oficiais qualificados é importante para a prosperidade da igreja, a qual deve exercer o maior cuidado quando chamar homens e mulheres para posições de sagrada responsabilidade. A seguir, veremos dez importantes dicas de Ellen G. White para este processo extraídas do livro Liderança Cristã:

1. Tomar muito cuidado na escolha de pessoas
Deve-se tomar muito cuidado ao escolher homens para ocuparem posições de responsabilidade como guardiães das igrejas. Meus irmãos, não façam essa escolha cegamente para que o rebanho de Deus não tenha diante de si um exemplo que lhes ensinará a ferir e destruir. Os homens que assumem responsabilidades na causa de Cristo devem ser homens de oração e humildade. Devem eles agir como homens que, em todos os seus intercâmbios com os irmãos, sejam guiados pelo Espírito de Deus. Eles devem dar um exemplo de retidão. Devem guardar sagradamente a reputação daqueles que estão fazendo a obra de Deus.

2. Escolher pessoas sábias
Durante anos o Senhor nos tem instruído a escolher homens sábios, homens dedicados a Deus, homens que conhecem os princípios do Céu, homens que têm aprendido a andar com Deus. Deve-se colocar sobre eles a responsabilidade de cuidar dos negócios ligados à nossa obra. Isso está de acordo com o plano bíblico conforme apresentado no sexto capítulo de Atos. Precisamos estudar esse plano, pois é aprovado por Deus. Sigamos a Palavra.

3. Escolher pessoas confiáveis
Deus ensinará Seu povo a proceder com cautela e a escolher judiciosamente os homens que não traiam os sagrados encargos. Se nos dias de Cristo foi necessário que os crentes usassem de prudência para a escolha dos homens para os cargos de responsabilidade, nós que vivemos neste tempo certamente precisamos usar de grande discrição. Devemos apresentar a Deus cada caso, e, com oração fervorosa, pedir-Lhe que escolha por nós.

4. Escolher pessoas que tenham experiência na fé
Os que são assim indicados para superintendentes do rebanho devem ser homens de boa reputação; homens que deem provas de possuir, não somente conhecimento das Escrituras, mas experiência na fé, na paciência, para que, em mansidão, possam instruir os que se opõem à verdade. Devem ser homens íntegros, não neófitos, mas inteligentes estudantes da Palavra, aptos para ensinar a outros também, tirando do tesouro coisas novas e velhas; homens que, em caráter, palavras, conduta, sejam uma honra à causa de Cristo, ensinando a verdade, vivendo a verdade, crescendo até à estatura perfeita em Cristo Jesus. Isso importa no desenvolvimento e fortalecimento de cada faculdade mediante o exercício da mesma, para que os obreiros se tornem aptos a suportar maiores responsabilidades, à medida que a obra aumenta.

5. Escolher pessoas dependentes de Deus
Procuram-se homens que sintam sua necessidade de sabedoria do alto, homens que sejam convertidos de coração, que compreendam que são apenas pecadores mortais e devem aprender lições na escola de Cristo antes de estarem preparados para moldar outras mentes. Quando os homens tiverem aprendido a depender de Deus, quando tiverem fé que atue por amor e lhes purifique a alma, então não colocarão sobre os ombros de outros homens fardos penosos de ser suportados.

6. Escolher pessoas com a excelência do caráter cristão
Mas a posição não faz o homem. É a integridade de caráter, o Espírito de Cristo, que o torna grato, nada interesseiro, sem parcialidade e sem hipocrisia; e, para Deus, isto é que tem valor. Que os cargos de responsabilidade sejam dados a homens experientes, provados e tementes a Deus, homens que suportarão a mensagem de reprovação enviada por Deus.

7. Não escolher pessoas que se opõem à unidade
Têm ultimamente surgido entre nós homens que professam ser servos de Cristo, mas cuja obra se opõe àquela que nosso Senhor estabeleceu na igreja. Têm métodos e planos de trabalho originais. Desejam introduzir mudanças na igreja, segundo suas ideias de progresso, e imaginam que desse modo se obtenham grandes resultados. Esses homens precisam ser discípulos em vez de mestres na escola de Cristo. Estão sempre desassossegados, aspirando a realizar alguma grande obra, fazer algo que lhes traga honra a si mesmos. Precisam aprender a mais proveitosa de todas as lições: humildade e fé em Jesus.

8. Não escolher pessoas que se recusam a cooperar
Deus pôs na igreja, como seus auxiliares indicados, homens de talentos diferentes para que, mediante a sabedoria de muitos, seja feita a vontade do Espírito. Os homens que agem de conformidade com seus próprios fortes traços de caráter, recusando aliar-se a outros que têm tido mais longa experiência na obra de Deus, ficarão cegos pela confiança própria, incapazes de discernir entre o falso e o verdadeiro. Não é seguro escolher tais pessoas para líderes na igreja; pois seguirão seu próprio juízo e planos, sem consideração pelo juízo de seus irmãos. É fácil para o inimigo agir por intermédio dos que, necessitando eles próprios de conselho a cada passo, se encarregam do cuidado das pessoas em sua própria força, sem ter aprendido a mansidão de Cristo

9. Não escolher pessoas que desejam pouco trabalho
Os que desejam apenas uma quantidade determinada de trabalho e que procuram encontrar uma atividade exatamente adaptada às suas aptidões, sem a necessidade de se preocupar em adquirir novos conhecimentos e em aperfeiçoar-se, não são os que Deus chama a trabalhar em Sua causa. Os que procuram dar o menos possível de suas forças físicas, espirituais e morais não são os trabalhadores sobre quem derramará abundantes bênçãos. Seu exemplo é contagioso. O interesse próprio é seu móvel supremo. Os que necessitam ser vigiados e trabalham apenas quando cada dever lhes é especificado não pertencem ao número dos que serão chamados bons e fiéis. Precisam-se obreiros que manifestem energia, integridade, diligência, e que estejam prontos a colaborar no que seja necessário que façam.

10. Não escolher pessoas imaturas
Um cristão imaturo, atrofiado em seu crescimento religioso, destituído de sabedoria do alto, está despreparado para enfrentar os ferozes conflitos pelos quais a igreja é chamada a passar. Os insinceros e profanos, os que são dados à tagarelice, que vivem a comentar as faltas alheias, ao passo que se descuidam das próprias, devem ser afastados da obra.

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

O GRANDE DESAPONTAMENTO

Ellen G. White em cena do filme Como tudo começou (assista abaixo)
Gostaria de te convidar a fazer uma viagem de volta ao tempo. Hoje, dia 22 de outubro de 2020, há exatamente 176 anos, milhares de cristãos pertencentes a igrejas como Metodista, Batista, Conexão Cristã e outras espalhadas pelos EUA aguardaram ansiosamente a volta do Senhor Jesus Cristo à Terra.

Eles haviam sido despertados para a espera da segunda vinda de Jesus por meio dos sermões e da exposição bíblico-escatológica do pregador leigo Guilherme Miller. Ele era um fazendeiro batista, autodidata em história universal e estudioso da Bíblia, cuja atenção se concentrou na cronologia bíblica, especialmente em relação às profecias de Daniel e Apocalipse.

Baseado no texto de Daniel 8:14, Miller chegou à conclusão que a purificação do santuário ali mencionada significava a purificação da terra pelo fogo. E que isso significava, portanto, a volta de Jesus ao mundo, de maneira pessoal e visível no dia 22 de outubro de 1844.[1]

Miller começou a pregar publicamente a partir de 1831[2], e o fazia de maneira convicta e tão persuasiva. Aonde quer que fosse, surgia um reavivamento espiritual. Porém, sua intenção nunca foi fundar uma nova igreja, mas advertir o mundo acerca da breve vinda de Cristo para que todos pudessem ser salvos.

Movimento que cresceu
Entre os anos 1838 a 1841, Miller recebeu o apoio de Josias Litch, Josué Himes (coordenador do movimento), Carlos Fitch e Silvestre Bliss que contribuíram para que suas pregações alcançassem as cidades grandes e tomassem âmbito nacional. Em um período de 12 anos, Miller chegou a pregar cerca de 4.500 sermões sobre a breve volta de Jesus.[3]

Um grande grupo de cristãos de várias denominações, estimado entre 50 a 100 mil pessoas, e entre 700 a 2000 pastores[4] creram nas pregações de Miller e se uniram a ele na proclamação da breve volta de Jesus, dando forte impulso ao “movimento milerita”.

No início do movimento, o tema da breve volta de Jesus foi bem aceito e resultou em reavivamento nas igrejas. Com a crescente expansão, os mileritas foram tolerados e os pastores aliados ao movimento tiveram de escolher entre seguir crendo na breve volta de Jesus ou deixar definitivamente o ministério. Os membros de suas igrejas acabaram sendo expulsos ou decidiram deixar as igrejas voluntariamente.

E quando o tão esperado dia – 22 de outubro de 1844 – chegou, eles esperaram até a meia-noite, mas Jesus definitivamente não veio. Ainda perseveraram até a manha do dia 23 de outubro de 1844, contudo sofreram uma grande desilusão, o chamado Grande Desapontamento.

Como resultado, os fiéis crentes mileritas ficaram desorientados, e sofreram grande zombaria e escárnio. O movimento entrou em crise e sofreu um processo de perda de identidade e todos acabaram sendo confrontados com a pergunta: Por que Jesus não veio?

Algum tempo depois, surgiram entre os mileritas diferentes tentativas de explicar o que havia acontecido, mas que finalmente causou a divisão do movimento e o surgimento de pelo menos quatro pequenos grupos:

(1) Os que descreram completamente na volta de Jesus e abandonaram a fé.

(2) Os que deram uma interpretação simbólica e espiritualista ao acontecimento, passando a ensinar que Cristo viera em Espírito e o milênio havia começado.

(3) Os que marcaram novas datas para a segunda vinda de Cristo.

(4) Os que, mesmo sem entender por que Jesus não havia voltado, perseveraram no estudo da Bíblia e na oração.

O movimento milerita surgiu como uma iniciativa profética levantada por Deus para cumprir a profecia de Apocalipse 10:8-11.

Curiosidade
O que aconteceu com Guilherme Miller após o grande desapontamento?

Miller foi excluído da Igreja Batista. Ele procurou fortalecer a fé dos desapontados e manteve a fé na breve volta de Jesus pelo resto da vida. Escreveu poucas cartas a amigos pastores. Publicou artigos na revista The Advent Herald e participou de assembleias em Low Hampton e Albany, nos Estados Unidos, com o objetivo de reunificar os mileritas. Porém, seus esforços afetaram fortemente a sua saúde. A partir de abril de 1849, ele não conseguia mais se levantar da cama. Guilherme Miller faleceu aos 67 anos no dia 20 de dezembro de 1849, e foi sepultado no pequeno cemitério perto da sua casa em Low Hampton, Estado de Nova Iorque.

Aplicação espiritual
Como você lida com desapontamentos?

Nossos irmãos mileritas depositaram suas esperanças em um acontecimento, uma data e foram amargamente frustrados. Em nossa vida também enfrentamos desapontamentos. Fazer uma pausa, olhar para trás, refletir sobre o que aquela situação trouxe de aprendizado, abrir o coração a Deus em oração e perseverar são formas sábias de reagir a desapontamentos.

Edegar Link (via Resgatando a História)

Sugestão para leitura adicional:
Knight, George. Adventismo – Origem e Impacto do movimento Milerita. Casa Publicadora Brasileira, 2014.
Schwarz, Richard W.; Greenleaf, Floyd. Portadores de Luz: História da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Engenheiro Coelho: Unaspress, 2016.

Referências
[1] Em princípio, Miller acreditava que Jesus voltaria entre a primavera de 1843 e 1844, sem fixar uma data exata. Mas acabou sendo influenciado principalmente pela interpretação da profecia dos 2300 anos de Samuel Snow para chegar a data de 22 de outubro de 1844. Veja mais detalhes em: C. Mervyn Maxwell. História do Adventismo, p. 30-32.
[2] Para saber mais detalhes veja: Everett Dick. Fundadores da Mensagem, p. 20.
[3] Everett Dick. Fundadores da Mensagem, p. 24.
 
[4] C. Mervyn Maxwell. História do Adventismo, p. 19.
 
"O assunto do santuário foi a chave que desvendou o mistério do desapontamento de 1844. Revelou um conjunto completo de verdades, ligadas harmoniosamente entre si e mostrando que a mão de Deus dirigira o grande movimento do advento. Os adventistas admitiam, nesse tempo, que a Terra, ou alguma parte dela, era o santuário. Entendiam que a purificação do santuário fosse a purificação da Terra pelos fogos do último grande dia, e que ocorreria por ocasião do segundo advento. Daí a conclusão de que Cristo voltaria à Terra em 1844. Mas o tempo indicado passou e o Senhor não apareceu. Os crentes sabiam que a Palavra de Deus não poderia falhar; deveria haver engano na interpretação da profecia; onde, porém, estava o engano? Aprenderam, em suas pesquisas, que não há nas Escrituras prova que apoie a ideia popular de que a Terra é o santuário; acharam, porém, na Bíblia uma completa explicação do assunto do santuário, quanto à sua natureza, localização e serviços. Os que seguiram a luz da palavra profética viram que, em vez de vir Cristo à Terra, ao terminarem em 1844 os 2.300 dias, entrou Ele então no lugar santíssimo do santuário celeste, a fim de levar a efeito a obra final da expiação, preparatória à Sua vinda. Então, no lugar santíssimo, contemplaram de novo seu compassivo Sumo Sacerdote, prestes a aparecer como Rei e Libertador. Seguindo-O pela fé, foram levados a ver também a obra final da igreja. Obtiveram mais clara compreensão das mensagens do primeiro e segundo anjos, e ficaram habilitados a receber e dar ao mundo a solene advertência do terceiro anjo de Apocalipse 14" (Ellen G. White - A Fé Pela Qual Eu Vivo, pp. 282-283).

Sobre a origem do movimento, veja o filme Como tudo começou: