O teólogo George Knight, no livro
A visão apocalíptica e a neutralização do adventismo, afirma: “A única resposta suficiente e permanente para as dificuldades que envolvem um mundo perdido, conforme Cristo ensinou [...] seria o Seu retorno nas nuvens do céu. Na Sua vinda há verdadeira esperança. O resto não passa de simples curativo.”
Seria, então, a esperança inigualável da volta de Cristo razão para os adventistas deixarem de lado a “cidade dos homens” e seus problemas, crendo que assim poderiam cuidar apenas do reino de Deus? Em um mundo ferido, deveríamos jogar fora a caixa de Band-Aid?
Visão bíblica
A busca por uma resposta bíblica pode começar pelo profeta Jeremias. Ele apresentou uma mensagem divina aos hebreus que se tornaram cativos do Império Babilônico: “Procurai a paz da cidade para onde vos desterrei e orai por ela ao Senhor; porque na sua paz vós tereis paz” (
Jr 29:7).
O plano divino não era que os hebreus permanecessem indefinidamente cativos, conforme Sua Palavra: “Logo que se cumprirem para a Babilônia setenta anos, atentarei para vós outros e cumprirei para convosco a Minha boa palavra, tornando a trazer-vos para este lugar” (
Jr 29:10). A queda de Babilônia já estava profetizada no início do cativeiro. Mas, enquanto o povo de Deus estivesse sob o domínio da nação pagã, deveria trabalhar e orar em favor da paz e do bem comum.
Os cristãos da atualidade se consideram igualmente peregrinos e forasteiros neste mundo que se coloca em oposição a Deus (
1Pe 2:11). Os poderes terrenos que se unem contra os mandamentos divinos são identificados na Bíblia como a moderna Babilônia, cuja queda também foi profetizada (
Ap 14:8). O conselho de Deus é que Seus filhos se afastem da corrupção moral e espiritual (
Ap 18:4) desse moderno império pagão. Ao mesmo tempo, devem ser o sal da Terra (
Mt 5:13) e anunciar o evangelho da paz (
Ef 6:15).
Por isso, a mesma atitude esperada dos hebreus cativos é necessária aos cristãos da atualidade. Buscar a paz perfeita que virá com a vinda de Cristo não é fechar-se para o mundo e se proteger da maldade alheia. Ao contrário, é se envolver com as pessoas e seus problemas concretos, buscando soluções para conflitos humanos e propondo um evangelho cuja suprema esperança não esqueça a fome do estômago nem a dor física de pessoas reais.
O duplo desafio de se afastar da corrupção mundana e se aproximar das pessoas do mundo é colocado pelo apóstolo Tiago (
1:27): “A religião pura e sem mácula, para com o nosso Deus e Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e a si mesmo guardar-se incontaminado do mundo.”
A atuação cristã, seja ela evangelística, assistencial ou educacional, não é pacificar o mundo fazendo de conta que os conflitos não existem, ou remetendo todas as soluções exclusivamente para o futuro. O agir cristão acontece, no presente, neste mundo dividido em muitas causas e os mais variados interesses. Portanto, a política, o campo de batalha entre os diversos grupos de interesses de uma sociedade, é um terreno que a igreja necessariamente tem que atravessar. E a forma de os cristãos se relacionarem com a política ampliará ou limitará o potencial de seu testemunho.
Ellen White e a política
Ellen White, profetisa integrante do núcleo fundador do movimento adventista do sétimo dia, deixou registrada em seus escritos a orientação de que a igreja jamais deveria se envolver em assuntos políticos. “Não devemos, como um povo, envolver-nos em questões políticas” (
Mensagens Escolhidas, v. 2, p. 336). Ela afirma que a neutralidade política deve ser mantida por todos os que são assalariados pela igreja: “O dízimo não deve ser empregado para pagar ninguém para discursar sobre questões políticas” (
Fundamentos da Educação Cristã, p. 477). Diversas citações como essas são encontradas nas obras da escritora adventista.
Por outro lado, Ellen G. White valoriza o testemunho cristão em meio aos espaços do poder. “Muitos jovens de hoje, que crescem como Daniel no seu lar judaico, estudando a Palavra e as obras de Deus, e aprendendo as lições do serviço fiel, ainda se levantarão nas assembleias legislativas, nas cortes de justiça, ou nos palácios reais, como testemunhas do Rei dos reis” (
Educação, 262).
A ação de característica política também foi incentivada no fim do século 19, nos Estados Unidos, quando adventistas foram presos por trabalhar no domingo e movimentos religiosos lutavam pelo estabelecimento de uma lei dominical nacional. Ellen White incentivou a igreja a batalhar em várias frentes, inclusive junto aos legisladores, para deter a ameaça à liberdade religiosa. No contexto dessa crise, ela escreveu: “Não estamos cumprindo a vontade de Deus se nos deixarmos ficar em quietude, nada fazendo para preservar a liberdade de consciência. [...] Haja as mais fervorosas orações, e então trabalhemos em harmonia com as nossas orações” (
Testemunhos Seletos, v. 2, p. 320 e 321).
É possível perceber que, para Ellen White, a igreja não deve se misturar em disputas partidárias e polêmicas que venham a prejudicar sua missão evangelizadora. Por outro lado, há necessidade de pessoas fiéis que estejam presentes nos espaços do poder para contribuir com a perspectiva cristã nos debates públicos e sustentar a liberdade religiosa.
Responsabilidade cristã
Embora a igreja não possa confundir sua missão com disputas partidárias, os cristãos devem contribuir com a criação de leis justas e fortalecer a liberdade de crença. Então, a pergunta que resta é: seria possível ao crente manter sua fé e ao mesmo tempo travar os embates políticos?
No livro Ciência e política: duas vocações, na página 121, o pensador alemão Max Weber responde de forma negativa. Para ele, a política é regida por uma ética de resultados, enquanto a religião é regida pela ética da convicção embasada na Bíblia. “Aquele que deseja a salvação da própria alma ou de almas alheias deve, portanto, evitar os caminhos da política”, sentencia.
O sociólogo Paul Freston, por outro lado, acredita que “o envolvimento político sadio é imprescindível para a saúde da própria igreja, assim como para o bem da sociedade”. Sua opinião sobre o que é sadio ou doentio ele apresenta no livro Religião e política, sim; Igreja e Estado, não, na página 7.
Para Freston, “a Igreja, como instituição, não deve se envolver na política [...] quando o faz, ela e os seus líderes se tornam vulneráveis a todas as contingências do mundo político” (p. 11). Também alerta quanto aos perigos de dar corda aos crentes que se julgam salvadores da pátria: “Em torno dos candidatos e políticos evangélicos há líderes e membros de igrejas com uma expectativa ‘messiânica’ que aquele candidato evangélico canalizará automaticamente as bênçãos de Deus sobre o Brasil, resolvendo todos os problemas que nos afligem. Esse messianismo é muito perigoso, para o país e para a Igreja. [...] A última parte do homem a se converter [...] é o fascínio pelo poder” (p. 11).
O sociólogo também comenta a presença de muitos candidatos que se dizem fiéis a alguma religião durante a campanha e depois de eleitos jamais voltam para dar satisfação de seus atos como homens públicos. Nessa realidade, a religião é apenas uma isca.
Freston acredita que a ponte entre os cristãos e a política pode ser feita por meio de uma atuação que siga um modelo comunitário. Nesse modelo, os evangélicos não representariam igrejas nem instituições, mas grupos de crentes que compartilham ideais políticos semelhantes. “Assim, os que exercem mandatos políticos não ficam soltos, mas interagem e respondem a outras pessoas que podem, se necessário, até mesmo repreendê-los e aconselhar sua saída da política.”
O modelo comunitário pode parecer utopia, mas toda utopia tem o desejo de realizar-se. Segundo Freston, “a solução para os problemas políticos é sempre política. A solução para a má política é a boa política”. Isso não significa a negação da fé no mundo vindouro, mas responsabilidade cristã com o mundo que Deus nos permite viver no presente. A esperança na volta de Cristo deve moldar nossas ações em todas as esferas da vida. Inclusive na política.