Entre as várias introduções que Paulo empregou ao escrever suas Epístolas, uma delas significou muito para mim: “... aos santos e fiéis em Cristo Jesus que estão em Éfeso” (Efésios 1:1). Essa saudação me confere, como seguidor de Jesus, identidade, endereço e vocação, indicando quem eu sou, de quem eu sou e para que eu sirvo.
Primeiro, a minha identidade: santo. Paulo usa a palavra com bastante frequência em suas epístolas. Das 61 vezes em que o Novo Testamento usa a palavra, 39 são paulinas. A história e a tradição da Igreja criaram uma aura em torno da palavra santo, como se ela denotasse uma elite, uns poucos supersantos dentro da igreja.
A Igreja Católica Romana criou um edifício eclesiástico inteiro no qual uma pessoa pode ser declarada santa após a sua morte, depois de a igreja concluir uma lista de atividades da vida dessa pessoa, verificando a santidade do ministério, os milagres realizados e a capacidade de ouvir e traduzir a oração de pessoas comuns para um Deus todo-poderoso e iniciar uma resposta com sucesso. Mas o conceito bíblico de quem é santo não conhece tal processo de beatificação.
A palavra mais comumente usada para santo nos textos do Novo Testamento é hagioi, que significa separado para ser “fiel em Cristo Jesus”, os que “obedecem aos mandamentos de Deus e permanecem fiéis a Jesus” (Apocalipse 14:12). Ser santo não se limita à perfeição moral. Nem é um resultado do caráter pessoal, embora o caráter seja importante. A definição-chave de um “santo” é um pecador salvo por Cristo Jesus. Um santo não é uma pessoa boa, mas uma pessoa que, pela fé, tem experimentado e testemunhado da bondade de Deus. Um santo não é uma pessoa sem pecado, mas um pecador que provou a “excelsa graça de Deus” e deixou de ser um “pária” que estava perdido, mas que foi achado; que estava cego, mas agora pode ver.
Nenhuma permanência de status está ligada à palavra, apenas a possibilidade de que, enquanto a pessoa permanece em Cristo é um dos santos de Deus. Essa pessoa vê, ouve, come, vive, pensa, ama e espera – tudo no contexto de Deus.
O segundo, o meu endereço: os “que estão em Éfeso”. Na época do apóstolo, Éfeso era considerada a quarta maior cidade do Império Romano, seguida de Roma, Alexandria e Antioquia da Pisídia. A maior atração da cidade não era a sua filosofia grega, a sua jurisprudência romana ou a sua riqueza econômica, mas Diana, a deusa da fertilidade. A adoração a Diana e a grandeza física de seu templo eram uma grande fonte de riqueza para a cidade. A essa cidade, absorvida tão apaixonadamente pelo culto à deusa da fertilidade (Atos 19:24, 25), foi Paulo proclamar que “deuses feitos por mãos humanas não são deuses” (Atos 19:26). A mensagem do apóstolo atingiu o próprio fundamento do sistema de crenças e estilo de vida de Éfeso.
Cristo ou Diana? A questão é tão antiga quanto o grande conflito entre Cristo e Satanás. De um lado está o Criador e, do outro, uma criatura. Entre o Criador e a criatura, a quem manteremos nossa lealdade? A astúcia de Satanás criou Dianas de muitas formas e maneiras, e nós as encontramos em cada curva da estrada da vida. Nós as encontramos em nossos lares, onde a santidade do matrimônio é frequentemente mantida com desprezo, onde a Palavra de Deus é negligenciada, onde as crianças são deixadas sozinhas e onde a centralidade de Cristo é trocada pela elevação de nós mesmos. Nós as vemos em muitas escolas e faculdades onde a educação visa a desenvolver a pessoa ideal que abraçará e viverá os valores do humanismo; elas desenvolvem um sentido de pluralismo onde a fé, o amor e a esperança são deixados aos caprichos subjetivos de cada indivíduo e conduzem a uma vida cujo objetivo é alcançar os céus com fé no potencial do eu para conquistar tal façanha. Nós as encontramos nos negócios, na política e no ethos social, onde o sucesso define os valores e as normas, onde a mentira não é mais uma mentira, mas apenas uma declaração feita no interesse de escapar da responsabilidade, onde a violação do sétimo mandamento é vista em termos de se o ato foi feito com ou sem consentimento.
Assim, as Dianas não se limitam aos ídolos. Tudo o que compete ou substitui o Deus que nos criou e Se revelou em Jesus Cristo é uma Diana que se interpõe no caminho do evangelho, afetando completamente a vida humana. Não é preciso procurar uma Diana nos sistemas religiosos; ela está dentro e não muito longe do coração e da mente de cada um. Contra todas essas Dianas está o evangelho de Jesus Cristo que Paulo introduziu em Éfeso.
Éfeso significa “desejável”. Antes de Paulo e seus companheiros chegarem à cidade, ela era desejável e notável pelo culto a Diana. Era desejável para o pecado e suas variadas seduções. Mas a entrada do evangelho tornou a cidade desejável por uma razão totalmente diferente. Um sistema de crenças construído em torno de Diana seria confrontado pelo Deus da criação, que habita “nos lugares celestiais” e agora Se revelaria através de Jesus Cristo. Uma cidade marcada pelas divisões de raças, línguas, cultura e status econômico iria experimentar a maravilha da unidade e da união. Onde está Cristo, há mudança – da falsidade para a verdade, da superstição para a realidade, do estilo de vida corrupto e perverso ao chamado para ser santo e santificado, e da divisão para a unidade. Com essa mudança, Éfeso se tornou uma cidade verdadeiramente desejável e deu à luz uma igreja sobre a qual o Senhor Jesus, depois de ter ascendido ao Céu, diria através de João: “conheço as suas obras, o seu trabalho árduo e a sua perseverança. Sei que você não pode tolerar homens maus”. (Apocalipse 2:2).
Aquela cidade desejável, aquela cidade transformada – conhecida por suas boas obras, pela paciência de sua perseverança e pela sua distância da maldade da vida – é o meu endereço como cristão. Confirmar esse endereço como meu lugar para viver é ver a obra de Cristo sob uma perspectiva cósmica e mostrar ao mundo inteiro e às gerações vindouras que Jesus Cristo é o Senhor do Cosmos.
Que melhor lugar para mostrar isso do que Éfeso, uma cidade que acreditava que Diana saiu de Júpiter e, portanto, merecia toda a adoração e louvor! Em comparação com esse falso sistema, Paulo queria mostrar aos Efésios e, através deles, a toda a comunidade cristã, que Jesus Cristo não saiu de nenhum planeta, mas veio da morada de Seu Pai, nas “regiões celestiais” (Efésios 1:3), a fim de unir “em Cristo todas as coisas, celestiais ou terrenas” (1:10). A Terra, unida em graça e justiça, é o meu endereço. Física e literalmente, posso viver em Délhi, Bruxelas, Moscou, Nova Iorque, Sidney, Tóquio, Lima ou Singapura, mas, na dimensão mais importante para se viver – a do discipulado espiritual, Paulo me sensibiliza a viver em um endereço muito mais exaltado: o dos “santos e fiéis em Cristo Jesus que estão em Éfeso”.
Terceiro, a minha vocação: “Fiel em Cristo Jesus” – Um santo é um cristão com dois endereços. Um é em Éfeso, que é temporário; e o outro é “em Cristo”, que é permanente. O primeiro pode mudar de vez em quando, mas o segundo nunca deve mudar, pois é a lealdade ao segundo que garante para sempre o nosso status de santos – no âmbito pessoal, ele indica a minha identidade, o meu endereço e a minha vocação, marcando assim quem eu sou, de quem eu sou e para que sirvo.
O que faz com que um cristão seja fiel? É porque ele é uma pessoa honesta, uma pessoa boa, ou uma pessoa agradável em relação aos outros? Um cristão deve ser tudo isso e muito mais. Não é possível ser cristão sem se manter seguro pela inabalável âncora da fé. Essa fé deve, antes de tudo, estar firmada na Pessoa e obra do Senhor Jesus. Sem uma fé inabalável no sacrifício feito na cruz e na ressurreição de Cristo, como é possível alguém ser um santo fiel? Sem uma total entrega às reivindicações de Cristo para viver como Ele viveu, falar como Ele, andar como Ele, relacionar-se como Ele, pode alguém ser fiel a Ele? Quem eu sou, de quem eu sou e para que sirvo são questões que devem ser claramente respondidas, e com base nesta descrição final: “santos e fiéis em Cristo Jesus”.
Essa necessidade de lealdade absoluta a Cristo precisa ser enfatizada constantemente, pois vivemos em um mundo em que muitos tomam o Seu sagrado nome em vão. Temos aqueles que usam esse precioso nome para tirar alguma vantagem econômica. Temos os que encontram na sua adoção pela igreja uma forma de subir socialmente. E temos ainda os cristãos que são aspergidos ou mergulhados na água do batismo, depois recebem uma chuva de confetes no casamento e, por fim, do pó da terra na sua morte. Para esses, o cristianismo tem significado somente quando entram para a igreja, quando se juntam com outros, e quando acabam sendo excluídos. Contra tudo isso, o apóstolo pede aos crentes, aos que confiam, que venham e sejam “santos e fiéis em Cristo Jesus”.
O Professor Leandro Quadros fala no vídeo abaixo sobre o que é ser santo: