Outra consequência de o Senhor passar a se relacionar com a humanidade pelo Face é que isso simplificaria em enormes proporções a adoração. Em vez de passarmos 40 minutos de um culto louvando ao Senhor, tudo o que precisaríamos fazer seria escrever um comentário numa postagem dEle. E o que escreveríamos seria algo que, no mundo virtual, parece servir para dizer absolutamente tudo: “Lindo!”. É interessante isso, porque “Lindo!” passou a significar qualquer coisa, já reparou? Você põe uma foto sua com seu carro novo e vinte amigos escrevem “Lindo!”. Ou você publica uma foto das suas unhas com a cor nova do seu esmalte. O que todos têm a dizer? “Linda!” Festa de amigo oculto do pessoal do seu trabalho ou da escola: “Lindos!” Viagem de férias: “Lindo!”. Você abraçado com seu cachorro novo: “Lindos!”. Sua filha vestida de Rapunzel: “Linda!”. E por aí vai. Todos os outros adjetivos do vernáculo parecem ter sido abolidos graças ao Facebook, mas “Lindo!” ganhou um profundo e abrangente significado. Ao mesmo tempo não significa nada, mas significa tudo. Então, como todo mundo já entende essa nova forma de comunicar, para que desperdiçar um tempo precioso falando que o Senhor é onipotente, onisciente, onipresente, justo, bondoso, amoroso, fiel, maravilhoso, gracioso, eterno, rei, soberano, altíssimo, esplendoroso, forte, misericordioso, compassivo, amigo, restaurador, regenerador, disciplinador, cuidadoso, pacificador e tantas e tantas outras coisas… se bastaria pôr nos comentários um “Lindo!”?
Haveria muitas outras vantagens da entrada de Deus no Face. Quando ele iluminasse algum pregador para proclamar uma mensagem à igreja, a coisa seria infinitamente mais simples. Repare: o pastor publicaria na linha do tempo do Senhor a pregação, que, naturalmente, teria no máximo três parágrafos (pois na internet ninguém tem paciência de ler textos maiores do que isso). Aí, quando você chegasse ao final, sabe o que teria de fazer? Nada mais de se derramar em lágrimas, orar em contrição por longos períodos, passar um tempo refletindo sobre o que foi pregado, mudar de atitude… nada dessas coisas antiquadas, ultrapassadas. O ouvinte (no caso, o leitor) da mensagem simplesmente curtiria o texto. Olha que prático! “Curtir” resolve tudo. Assim como o “Lindo!”, “curti” não explica muito bem o que se quer dizer, mas sugere superficialmente uma certa simpatia por aquilo que foi postado. Nem é preciso dizer algo, basta clicar no botão “curtir” e… voilà! Seja lá o que “curti” signifique, fato é que fecha a questão. “Arrependa-se dos seus pecados!”: curti. “Ame o próximo”: curti. “Perdoe quem te fez mal”: curti. “Jesus está voltando”: curti. “Deus é amor”: curti. “Negue-se a si mesmo”: Hmmm… isso eu não curti muito não.
Outra vantagem da adesão do Divino ao Face seria que, finalmente, Deus não precisaria se dedicar muito tempo a longos processos de transformação na vida de uma pessoa: bastaria postar uma frase de efeito. Jesus fez grandes discursos para dizer o que queria quando caminhou sobre a terra, mas, agora, basta pegar uma daquelas frases feitas de famosos, emolduradas num visual legal, e postar. Assim, o Todo-poderoso não levantaria profetas, mas postaria uma frase de Cazuza ou Clarice Lispector, dizendo algo como “Você foi feito para voar, abra as asas e se lance no vazio”. Ao ler isso, sua vida nunca mais seria a mesma. Ou “O amor é uma estrada de mão única” e pronto, todo os problemas da sua vida afetiva estariam resolvidos. Autoajuda e frases feitas seriam a nova tônica do Deus 2.0. Profundidade e reflexão para que, se uma frase resolveria tudo e você poderia “curtir” ao final?
E o Diabo? Como ficaria diante da modernização do Todo-poderoso? Como é um imitador, naturalmente ele criaria um perfil fake do Senhor, para tentar enganar, se possível, até os escolhidos. Contra ele, então, nada mais de exorcismos, oração, jejum, Palavra, nada disso. Bastaria formalizar uma reclamação junto à ouvidoria do Face e o Maligno não acabaria mais seus dias no lago de fogo e enxofre, mas teria seu perfil bloqueado pelo Facebook. Você consegue imaginar algum castigo mais terrível e assustador?
Infelizmente o Senhor não poderia dar acesso a ninguém ao seu álbum de fotos do Face. Afinal, fotografias em redes sociais têm como um de seus principais objetivos mostrar para os outros como nós somos (ou desejamos aparentar ser) incessantemente felizes e irremediavelmente sorridentes, mas, para Deus, isso não seria muito útil. Que vantagem haveria para o Senhor postar, por exemplo, uma foto dEle nadando numa lagoa em Ibitipoca? Ou abraçado aos amigos na festa de casamento? Não faz muito o estilo de Jeová. O mais provável é que Ele publicaria fotos relevantes, como de Jesus sendo torturado e pregado numa cruz, dos mártires sendo estraçalhados por leões no Coliseu, dos missionários cristãos sendo mortos hoje em dia na Indonésia, dos irmãos da China sendo presos e torturados por pregar o evangelho, e outras realidades do gênero. Só que esse tipo de fotos não combina muito com a felicidade que todos buscamos encontrar e exibir no Face, por isso teriam tão poucas curtidas que nem valeria a pena publicar. Já Jesus sorrindo, empolgado, abraçado aos apóstolos na festa das bodas de Caná… ah, isso sim! E todos nós escreveríamos nos comentários da foto: “Lindos!”.
Pensemos:
A Bíblia diz em Êxodo 33:11: “Falava o SENHOR a Moisés face a face, como qualquer fala a seu amigo”. Hoje em dia esse versículo soa defasado. Não se fala mais com os amigos face a face, mas “fêisse” a “fêisse”. O modo que o Senhor escolheu para se relacionar com seu amigo Moisés está caindo em desuso – e não creio que seja por razões divinas, mas sim humanas. Bem humanas, aliás. Em Peniel, Jacó viu o Todo-poderoso face a face e sua vida foi salva (Gn 32:30); atualmente Jacó teria recebido um inbox. Se isso salvaria sua vida ou não só Deus sabe. Confesso que o prejuízo ao contato humano causado pelo advento do Facebook e das demais redes sociais me deixa entre o triste e o melancólico. Em especial porque vejo na Bíblia que uma das maiores alegrias do cristão está na oportunidade de estar face a face – com Deus, com o próximo, com verdades eternas. “Porque, agora, vemos como em espelho, obscuramente; então, veremos face a face” (1Co 13:12).
Nesta vida, o que mais podemos desejar é dizer como Jó: “Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos te veem” (Jó 42:5). Isso nada mais é que ter intimidade com Deus, o alvo principal de nossa existência. E, na eternidade, o que poderíamos desejar mais do que o cumprimento de Salmos 11:7: “Os retos lhe contemplarão a face”? Pois, no final, “Os seus servos o servirão, contemplarão a sua face” (Ap 22:4). É impressionante como a Bíblia valoriza o estar face a face, você já percebeu isso? A presença, o contato, o olho no olho sempre são apresentados nas Escrituras como o padrão mais elevado e desejável.
Estar face a face é uma necessidade do cristão. Já estar no Face… sei lá, em dois mil anos de cristianismo não me parece ter sido tão essencial assim. Apesar de o marketing da empresa Facebook ter conseguido convencer as multidões de que não estar no Face é algo como não fazer parte da raça humana, isso não passa de propaganda enganosa. Como neste mundo o capitalismo, em geral, vence os bons argumentos, o Facebook e as redes sociais são um fenômeno de nossos tempos e devem durar ainda um bom período – quem se importa se o Face desumaniza as relações se, em um trimestre, seu faturamento com publicidade chega a US$ 1,24 bilhão? Enquanto o dinheiro entra, não se costuma fazer muitos questionamentos. E não será um blogueiro como eu que mudará isso. Aliás, quem critica práticas que as pessoas adoram passa a ser visto como um chato antiquado – afinal, o Face te ajuda a reencontrar amigos de infância, quem ousaria dizer algo contra um argumento imbatível desses?!
O Orkut, o Second Life e o MSN morreram, daqui a um tempo o Face também vai passar, mas não tenho nenhuma dúvida de que novas formas de comunicação superficial surgirão. E que fique claro: esses softwares em si não representam nenhum problema, são só brinquedinhos de gente grande. Mas a forma como os temos usado revela muito sobre quem nós somos, como vemos a vida, o que valorizamos e como nos relacionamos com o próximo. Queremos ser vistos, ganhar popularidade, expor nossas alegrias para o mundo, compartilhar nossa vida, fuxicar a vida alheia e fazer parte de alguma comunidade (por mais impessoal e superficial que ela seja). Tudo isso são anseios do ser humano, que fazem parte da nossa natureza. O problema é: como os expressamos?
Sim, me chame de careta, antiquado ou o que for. Mas o fato é que sinto saudades de as pessoas se telefonarem para perguntar como estão e gastarem um tempo na velha e embolorada arte do diálogo. De quererem desejar feliz aniversário com um abraço apertado em vez de um scrap. De gastarem horas e horas batendo papo. Sinto falta do cheiro de gente, sabe? Meu notebook tem um calor muito pouco humano e ele é desajeitado na hora de enxugar minhas lágrimas. Tampouco consigo enxugar as de ninguém pelo inbox. E, por mais que eu passe tempo com meu iPad, o mal-educado não me responde…
Poucos anos atrás, antes da febre das redes sociais, era comum se receber dezenas de telefonemas no Natal, quando não visitas pessoais. Eu, particularmente, este ano recebi um telefonema só. Um. Tento lembrar qual foi a última vez que alguém bateu na porta da minha casa, dizendo “Oi, vim te visitar”. Isso acontecia com muita frequência no passado, mas, na era da desumanização, foge-me da lembrança quando isso ocorreu pela última vez. Como não estou no Facebook, já algumas vezes conhecidos vieram me cobrar porque não compareci a um determinado evento. Quando digo que não fui convidado, invariavelmente escuto um “mas eu postei o convite no Face”. Hm. Isso sem falar das vezes em que você sai com amigos e eles não desgrudam os olhos de seus iPads e iPhones, antenados ao onipresente Face. Dá vontade de gritar: “Alo-ou, estou aqui!”. Comunhão é um conceito essencial ao cristianismo, mas que está sendo grandemente transformado graças ao advento das redes sociais. Em minha opinião, para pior. Aonde isso vai nos levar enquanto seres humanos… só Deus sabe.
Você não precisa chegar ao extremo de abandonar as redes sociais, como eu fiz. Mas seria extremamente útil refletir sobre de que modo elas têm afetado sua humanidade e sua espiritualidade. A pergunta que deve nortear sua reflexão é: você gostaria que Deus priorizasse o relacionamento com você pelo Face? A resposta a isso leva automaticamente a outra pergunta: se sua resposta foi “não”, por que mesmo deveria ser diferente com o seu próximo?
Como eu disse no início deste texto, hoje em dia há quem diga ser impossível não fazer parte da comunidade dos que têm Face. Em outras palavras, parece ter se tornado impossível viver restrito ao contato humano que seja de fato humano, próximo e… face a face. Felizmente, “para Deus não haverá impossíveis” (Lc 1:37).
Voz. Cheiro. Olho no olho. Lágrima. Sorriso. Abraço. Beijo. Carinho. Desculpem, não quero perder nada disso, porque ser gente que se relaciona com gente, que toca gente, que sente calor humano… é bom demais. E tudo o que nos rouba qualquer uma dessas coisas arranca um pedaço daquilo que faz de nós seres criados à imagem e semelhança de Deus.
Paz a todos vocês que estão em Cristo,
Maurício Zágari - Apenas (Título Original: Face a face)